Se Maria vai com as outras, Maria fala como as outras? Redes sociais e letramento na fala adolescente – Eliane Vitorino de Moura Oliveira
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ELIANE VITORINO DE MOURA OLIVEIRA
SE MARIA VAI COM AS OUTRAS, MARIA FALA COMO AS
OUTRAS?
REDES SOCIAIS E LETRAMENTO NA FALA ADOLESCENTE
Londrina
2015
ELIANE VITORINO DE MOURA OLIVEIRA
SE MARIA VAI COM AS OUTRAS, MARIA FALA COMO AS
OUTRAS?
REDES SOCIAIS E LETRAMENTO NA FALA ADOLESCENTE
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de
Londrina como requisito parcial à obtenção do título
de Doutora.
Orientadora: Profª Drª Joyce Elaine de Almeida
Baronas.
Londrina
2015
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da
Universidade Estadual de Londrina
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
O801s Oliveira, Eliane Vitorino de Moura.
Se Maria vai com as outras, Maria fala com as outras? : redes sociais e
letramento na fala adolescente / Eliane Vitorino de Moura Oliveira. –
Londrina, 2015.
226 f. : il.
Orientador: Joyce Elaine de Almeida Baronas.
Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) Universidade Estadual de
Londrina, Centro de Letras e Ciências Humanas, Programa de PósGraduação em Estudos da Linguagem, 2015.
Inclui bibliografia.
1. Redes sociais – Teses. 2. Letramento – Teses. 3. Sociolinguística –
Teses. 4. Social networks – Teses. I. Baronas, Joyce Elaine de Almeida. II.
Universidade Estadual de Londrina. Centro de Letras e Ciências
Humanas. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. III.
Título.
CDU 801
ELIANE VITORINO DE MOURA OLIVEIRA
SE MARIA VAI COM AS OUTRAS, MARIA FALA COMO AS
OUTRAS?
REDES SOCIAIS E LETRAMENTO NA FALA ADOLESCENTE
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de
Londrina como requisito parcial à obtenção do título
de Doutora.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Orientadora: Profª Drª Joyce Elaine de Almeida
Baronas
Universidade Estadual de Londrina - UEL
__________________________________________
Profª Drª Stella Maris Bortoni-Ricardo
Universidade de Brasília - UNB
__________________________________________
Profª. Drª. Juliano Desiderato Antonio
Universidade Estadual de Maringá - UEM
__________________________________________
Profª Drª Vanderci Andrade Aguilera
Universidade Estadual de Londrina - UEL
__________________________________________
Profª Drª Ana Lucia Campos Almeida
Universidade Estadual de Londrina - UEL
Londrina, 17 de Agosto de 2015.
OLIVEIRA, Eliane Vitorino de Moura. Se Maria vai com as outras, Maria fala como as
outras?: redes sociais e letramento na fala adolescente. 2015. 226 f. Tese (Doutorado em
Estudos da Linguagem) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2015.
RESUMO
Este estudo expõe questões relativas: (i) aos fatores relevantes para a manutenção ou mudança
linguística; (ii) ao peso das redes de interação na mudança ou manutenção; (iii) à importância
do letramento para mudança ou manutenção; (iv) à importância da comunidade de fala. Para
tal, utiliza os pressupostos da Sociolinguística, com ênfase na análise de redes sociais (ARS),
modelo dinâmico de abordagem da mudança linguística. Fundamenta-se, também, nas bases
de Letramento e nas questões de identidade linguística. Assim, este trabalho analisa a
configuração da fala de 24 estudantes moradores no Distrito de Paiquerê – Londrina/Pr., a fim
de estabelecer o papel das redes de interação na mudança ou na manutenção de uma variedade
linguística por parte desses falantes. Nesse sentido, mostra uma base já rurbana para todos os
falantes, sendo cada um alocado em pontos do contínuo de urbanização (Bortoni-Ricardo,
2009), ora mais próximos de cada polo, de acordo com a incidência de três variáveis
linguísticas nomeadamente estigmatizadas: a ausência de concordância verbal, tanto na
primeira pessoa quanto na terceira pessoa do plural, o Rotacismo e a Iotização. Conhecida a
configuração da fala desse adolescente, a discussão centra-se no papel da escola como fator
preponderante para a ascensão social e a mobilidade cultural desses indivíduos, uma vez que
cabe a essa instituição levar em conta fatores como as redes de interação social em que se
inserem os falantes moradores de zonas rurais, além de questões identitárias e graus de
letramento a que se submetem em seu cotidiano extraescolar para o ensino-aprendizagem
concreto desses indivíduos, uma vez que sua interação diária sofre influências várias das
entidades hegemônicas, contrapondo-se ao seu fator identitário e familiar.
Palavras-chave: Redes sociais. Letramento. Mudança linguística. Adolescentes. Rural e
Urbano.
OLIVEIRA, Eliane Vitorino de Moura. If Mary is a go-alonger, does Mary also go along in
her talk?: social networks and literacy in teenagers´ speech. 2015. 226 p. Tese (Doutorado
em Estudos da Linguagem) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2015.
ABSTRACT
This study raises issues related to i) relevant factors for linguistic maintenance or change; ii)
the weight of interaction networks in such maintenance or change; iii) the importance of
literacy for maintenance or change; and iv) the importance of the speech community. This
work is based on some of the main Sociolinguistics assumptions, and it focuses on the Social
network analysis (SNA), a dynamic model used to investigate language change. It is also
based on some fundamentals of literacy and linguistic identity issues. This work analyzes the
speech of twenty-four students of Paiquerê – Londrina/Pr., in order to examine the role of
interaction networks in the maintaining or changing of a linguistic variety. It shows that
speakers have a rurban base, and that they have different locations on the urbanization
continuum (Bortoni-Ricardo, 2009). This location depends on the incidence of three
particularly stigmatized linguistic features: absence of verbal agreement for the first and third
person plural, rhotacism, and yotization. Once the configuration of these teenagers’ speech is
known, we focus on the role of school as a predominant factor for social ascension and
cultural mobility. It is the school’s responsibility to take into consideration factors such as the
social interaction networks in which speakers from rural areas are inserted, identity issues,
and the level of literacy of the students’ out-of-school lives, as those students’ daily
interactions are influenced by hegemonic entities, which are sometimes in opposition with
their identity and family reality.
Key words:
Social networks. Literacy. Linguistic change. Teenagers. Rural and Urban.
Para meu sempre anjo, Luciano. Descido do céu
em forma de marido.
AGRADECIMENTOS
Tenho tanto, e para tantos, a agradecer, dar graças, ser grata. Um trabalho dessa
monta, apesar da solidão do momento da escrita, não se faz sozinho. As vozes que permeiam
meu texto demonstram isso: vozes de autores que me dão base, vozes de pesquisadores que,
como eu, empreenderam trabalhos nessa mesma área. A eles agradeço por terem aberto os
caminhos.
Vozes sábias de meus professores de graduação, especialização, mestrado e doutorado,
representados pela professora Martha Gonçalves, professor Vladimir Moreira e professora
Viviane Furtoso, orientadores de estágio a me mostrarem as salas de aula como um lugar onde
eu gostaria de estar e de ficar. O estar professora com desejo de ser professora.
Na Especialização, sintetizo todos os mestres na professora Maria Beatriz Pacca, Prof.
Bia, a me inserir na loucura das pesquisas, das publicações, dos congressos. Sementinha da
pesquisadora que hoje sou.
No Mestrado e Doutorado, professoras Vanderci Aguilera e Alba Perfeito,
especialmente, pela paixão pelas salas de aula, por terem o pé no ensino básico e, com isso,
apresentarem-me a possibilidade de liame entre pesquisa e ensino.
Agradeço a todos os professores da Universidade Estadual de Londrina pelo que
fizeram de mim. Pelo que (trans)formaram. Por aquilo que hoje sou.
Ouço, ao ler meu trabalho, também a voz de meu professor de Língua Portuguesa do
Ensino Médio, no Instituto de Educação Estadual de Londrina, professor Sebastião, cuja
paixão pela língua me influenciou deveras, tanto que me fez professora dessa arte. Agradeço
ao professor Sebastião pela arte de professar.
Agradeço a Deus, leitor assíduo de minha obra antes mesmo de eu tê-la escrito.
Aos meus pais, meu grande exemplo — ídolos maiores, fãs incontestáveis —, por eles,
sou a mulher que sou. Nem com mil páginas, seria capaz de enumerar os motivos pelos quais
tenho a lhes agradecer. Homem e mulher que me moldaram, árvore generosa que nutriu o
fruto e o fez capaz de ser semente, flor e árvore nova, fincada em novos solos, apta a novos
ares.
Às minhas irmãs, mulheres guerreiras, fortes, cada uma construindo sua vida. Meus
alicerces, minhas metades. Somos frutos da mesma generosa árvore. Unidas sempre, de mãos
dadas pela vida, mesmo com um oceano a separar nossas mãos.
Ao meu sobrinho Rodrigo, o homem da casa, pelo simples fato de ter vindo ao mundo;
à minha sobrinha Bruna, o sorriso mais encantador, calmante e acolhedor, a tornar meus dias
mais vivos e brilhantes; à minha sobrinha Ana Luiza, esperta e culta desde o berço, a me
encher de orgulho e paixão. Os três foram escape nos momentos necessários, quando a tese
me pesava aos ombros.
À família Oliveira, na qual me inseri por meio do Luciano, por terem me acolhido
como filha, como irmã, como tia. Agradeço pelos momentos de força; também os de
descontração, pelo riso fácil e a acolhida sempre certa.
A todos os meus amigos, especialmente ao Junior – um irmão – e aos de São Tomé e
Príncipe, por, em alguns momentos, disfarçarem-se de família e ajudarem-me a levar o peso
da saudade.
Aos meus alunos da Universidade São Tomé e Príncipe, pela paixão nos olhos, pela
vontade de aprender, conhecer e ir além. Pelo desejo de mudar uma realidade por meio dos
estudos, da pesquisa, do ensino. Esses guerreiros fortaleceram em mim a condição de
professora, a vontade de estar em sala de aula e seguir com meu destino de professar, ser
professora.
A todos os funcionários e professores do Colégio Estadual de Paiquerê, por terem
aberto as portas da escola, o que favoreceu e facilitou minha pesquisa e me fez ganhar amigos
para sempre, representados todos nas pessoas da diretora Selma e da pedagoga Graziela.
Aos alunos do Ensino Médio do Colégio Estadual de Paiquerê, hoje merecidamente
batizado de Colégio Estadual Prof. Altair Ribeiro, adolescentes que, ao responderem minhas
perguntas, gentil e altruisticamente, tornaram físico o que era somente plausível. Nos minutos
em que interagimos, pude voltar ao passado, muitas vezes, vendo em muitos deles a
adolescente que um dia fui.
Aos colegas do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Londrina pela parceria, pela cumplicidade e pela igualdade de
sonhos e projetos.
À Rosely Lopes, sempre pronta e eficiente na retaguarda, tornando mínima a
preocupação com documentação e papeladas e, com isso, favorecendo o foco na tese e nos
seus desdobramentos.
À banca de qualificação pela leitura atenta e sugestão de melhorias.
À Mariana Daré Vargas pela devida revisão geral. À Gladys Quevedo pela revisão na
primeira versão do Abstract e à Bruna Moura da Silva pela revisão na segunda versão.
À Joyce, amiga e orientadora, por me conduzir sempre pelo melhor caminho
acadêmico. Por orientar minha pesquisa por uma linha relevante. Por compartilhar seu
conhecimento, suas experiências, seu tempo e seu otimismo. Sua tranquilidade, muitas vezes,
valeu-me muito mais do que qualquer leitura teórica. Suas palavras de incentivo foram
sempre sementes para o que hoje desabrochou.
Ao Luciano, o homem-menino que Deus enviou para me completar. Meu anjo, meu
companheiro, meu parceiro. Sem ele, não haveria o início. Com ele, sempre há forças para
percorrer quaisquer caminhos. Juntos, fizemos este trabalho. Juntos, conquistaremos muito
mais.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 –
Fórmula da densidade ................................................................................. 56
Figura 2 –
Fórmula da multiplexidade.......................................................................... 56
Figura 3 –
Continuum de urbanização .......................................................................... 77
Figura 4 –
Alocação dos informantes no continuum de urbanização ........................... 147
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 –
Representatividade de habitantes do Distrito de Paiquerê em relação
ao Município de Londrina ........................................................................... 80
Gráfico 2 –
Representatividade de habitantes do Distrito de Paiquerê em relação
ao número de habitantes rurais do Município de Londrina ......................... 80
Gráfico 3 –
Habitantes do Distrito de Paiquerê dicotomizados em Rural/Urbano......... 81
Gráfico 4 –
Acesso ao falar urbano ................................................................................ 92
Gráfico 5 –
Leitura e contação de histórias por pais ou cuidadores na primeira
infância ....................................................................................................... 93
Gráfico 6 –
Grau de letramento das redes sociais das informantes do sexo
feminino....................................................................................................... 117
Gráfico 7 –
Grau de letramento das redes sociais dos informantes do sexo
masculino..................................................................................................... 118
Gráfico 8 –
Resumo Incidência Iotização....................................................................... 125
Gráfico 9 –
Resumo incidência rotacismo em sílaba complexa ..................................... 128
Gráfico 10 –
Resumo incidência rotacismo em coda interna ........................................... 128
Gráfico 11 –
Percentagem de difusão do falar urbano e rural .......................................... 149
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 –
Rede Pessoal INF1....................................................................................... 99
Mapa 2 –
Rede Pessoal INF2....................................................................................... 100
Mapa 3 –
Rede Pessoal INF3....................................................................................... 100
Mapa 4 –
Rede Pessoal INF4....................................................................................... 100
Mapa 5 –
Rede Pessoal INF5....................................................................................... 101
Mapa 6 –
Rede Pessoal INF6....................................................................................... 101
Mapa 7 –
Rede Pessoal INF7....................................................................................... 101
Mapa 8 –
Rede Pessoal INF8....................................................................................... 102
Mapa 9 –
Rede Pessoal INF9....................................................................................... 102
Mapa 10 –
Rede Pessoal INF10..................................................................................... 102
Mapa 11 –
Rede Pessoal INF11..................................................................................... 103
Mapa 12 –
Rede Pessoal INF12..................................................................................... 103
Mapa 13 –
Rede Pessoal INF13..................................................................................... 103
Mapa 14 –
Rede Pessoal INF14..................................................................................... 104
Mapa 15 –
Rede Pessoal INF15..................................................................................... 104
Mapa 16 –
Rede Pessoal INF16..................................................................................... 104
Mapa 17 –
Rede Pessoal INF17..................................................................................... 105
Mapa 18 –
Rede Pessoal INF18..................................................................................... 105
Mapa 19 –
Rede Pessoal INF19..................................................................................... 105
Mapa 20 –
Rede Pessoal INF20..................................................................................... 106
Mapa 21 –
Rede Pessoal INF21..................................................................................... 106
Mapa 22 –
Rede Pessoal INF22..................................................................................... 106
Mapa 23 –
Rede Pessoal INF23..................................................................................... 107
Mapa 24 –
Rede Pessoal INF24..................................................................................... 107
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 –
Classificação das redes quanto à densidade e multiplexidade..................... 108
Quadro 2 –
Importância das redes – atribuição das informantes do sexo
feminino....................................................................................................... 111
Quadro 3 –
Importância das redes – atribuição dos informantes do sexo
masculino..................................................................................................... 113
Quadro 4 –
Peso das redes – contato e referência .......................................................... 114
Quadro 5 –
Concordância verbal .................................................................................... 124
Quadro 6 –
Incidência de iotização ................................................................................ 125
Quadro 7 –
Rotacismo em sílabas complexas ................................................................ 126
Quadro 8 –
Rotacismo em coda interna.......................................................................... 127
SIGLAS E ABREVIAÇÕES UTILIZADAS
ARS –
Análise de Redes Sociais
CV –
Concordância verbal
FILO –
Festival Internacional de Londrina
ZRD –
Zona Rural do Distrito
ZCD –
Zona Central do Distrito
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................................ 19
1
MÉTODOS................................................................................................. 24
2
EMBASAMENTO TEÓRICO ................................................................. 26
2.1
CONJUNTURA DOS ESTUDOS SOB A ÓTICA DAS REDES SOCAIS ..................... 26
2.2
FUNDAMENTAÇÃO ........................................................................................ 28
2.2.1
Dialetologia ................................................................................................. 30
2.2.2
Sociolinguística ........................................................................................... 33
2.2.2.1
Sociolinguística educacional ....................................................................... 39
2.2.3
Letramento................................................................................................... 42
2.2.4
Variação, Mudança e Manutenção Lingüística ........................................... 48
2.2.5
Redes Sociais de Interação .......................................................................... 52
2.2.5.1
O conceito de redes ..................................................................................... 54
2.2.5.2
A mobilidade territorial e o sentido de pertença (Localismo) ..................... 61
2.2.6
A Identidade Adolescente............................................................................ 64
2.2.6.1
Identidade linguística do adolescente .......................................................... 67
2.2.7
Rural e Urbano. Existe tal Dicotomia?........................................................ 70
2.2.7.1
O rural e o urbano em relação à lingüística ................................................. 76
3
CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS....................................................... 79
3.1
O DISTRITO DE PAIQUERÊ............................................................................. 79
3.2
O COLÉGIO ESTADUAL DE PAIQUERÊ ........................................................... 82
3.3
OS INFORMANTES: UMA CARACTERIZAÇÃO ................................................. 83
4
A ANÁLISE ............................................................................................... 96
4.1
A ANÁLISE DE REDES SOCIAIS (ARS): UM MÉTODO ANALÍTICO ................. 96
4.1.1
Egonet.......................................................................................................... 98
4.1.1.1
Perfil dos informantes com o Egonet .......................................................... 98
4.1.2
Características das Redes com Base no Mapeamento do Egonet................ 107
4.2
IMPORTÂNCIA DAS REDES SOB O PONTO DE VISTA DOS INFORMANTES ........ 111
4.3
CONFIGURAÇÃO DAS REDES DE INTERAÇÃO DOS ADOLESCENTES EM
RELAÇÃO AO LETRAMENTO.......................................................................... 115
4.4
A FALA EM FOCO: ANÁLISE ......................................................................... 119
4.4.1
Concordância Verbal ................................................................................... 120
4.4.2
Iotização ...................................................................................................... 121
4.4.3
Rotacismo .................................................................................................... 122
4.4.4
Leitura e Interpretação dos Dados ............................................................... 122
4.4.4.1
Concordância verbal 1ª pessoa plural e 3ª pessoal do plural....................... 123
4.4.4.2
Incidência da iotização ................................................................................ 125
4.4.4.3
Incidência do rotacismo............................................................................... 126
4.4.4.4
Considerações sobre os dados dos quadros ................................................. 128
4.4.4.5
Considerações sobre outros dados relevantes.............................................. 132
4.5
COMO FALAM OS ADOLESCENTES DE PAIQUERÊ .......................................... 147
4.5.1
Pontos caracterizadores da fala do adolescente do Distrito de
Paiquerê ....................................................................................................... 148
5
ESTABELECENDO UMA DISCUSSÃO ............................................... 151
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 158
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 162
APÊNDICES
..................................................................................................................... 169
APÊNDICE A - Questionário 1 CEP Colégio Estadual de Paiquerê ..................................... 170
APÊNDICE B - Questionário 2 Questionário sociolinguístico para análise de redes ........... 172
APÊNDICE C - Transcrição das entrevistas.......................................................................... 174
ANEXOS
..................................................................................................................... 224
ANEXO A -
Figuras utilizadas para descrição na entrevista............................................ 225
Prólogo
E, de repente, estava eu no Doutorado. Na qualificação, alçada à condição de
doutoranda. Estaria madura? Por um bom tempo, senti-me mestranda. Ouvia o Raul dizendo
“Eu devia estar contente por ter conseguido tudo o que eu quis, mas confesso, abestalhado,
que eu estou decepcionado… Porque foi tão fácil conseguir, e agora eu me pergunto e daí?
Eu tenho uma porção de coisas grandes prá conquistar e eu não posso ficar aí parado…” e
sentia um nó na garganta. E nesses embates entre mim e eu mesma, passou-se o primeiro
ano.
E vieram novas disciplinas a serem cumpridas para os créditos, novos congressos,
muitas leituras, e o segundo ano se foi. Brasília entrou, definitivamente, em minha rota e,
com isso, um estreitamento de relações com o grupo do Projeto Pontes-UNB, tendo o
letramento se entranhado em minhas elucubrações. Entrou na tese, junto com a análise das
redes de interações. E amigos novos, velhos amigos, professores. E o terceiro ano chegou.
E eu comecei a perceber que não tinha sido fácil conseguir, ao contrário do que dizia
Raul. Que a conquista de ter passado direto para o doutorado era fruto de minhas próprias
lutas. E quando deixei de me ver como juvenil, a maturidade desabrochou e eu me tornei
Doutoranda.
E agora estou eu, aqui, perpetrando a introdução de um trabalho que eu julgava não
ser capaz de fazer. Confesso que gostei tanto de minha dissertação que pensava ter se
encerrado ali a minha capacidade criativa. Mas a tese veio, do âmago, das entranhas de uma
alma amante dos livros, dos estudos, da pesquisa. Mas também apaixonada pelas salas de
aula, pela vivacidade da meninada que, no fundo, no fundo, apenas deseja viver e ser
compreendida.
E está aí. Nela talvez não transpareçam os momentos de indecisão, pois um trabalho
científico precisa ser objetivo (como se fosse possível não mostrar a nossa cara em algo com
o qual nos envolvemos por anos...). As dúvidas, as conversas intermináveis com minha
orientadora querida, não mais em busca de guias teóricos, mas de respostas que ela, muitas
vezes, não poderia mesmo dar. Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Eram mais ou
menos nesse sentido os questionamentos. De uma sapiência, benevolência e paciência
infindáveis, a professora Joyce se tornou muito mais que isso. Os limites acadêmicos foram
deixados e a orientadora hoje é uma amiga, uma pessoa de suma importância para minha
vida.
Nesta tese, as viagens solitárias de Londrina ao Distrito de Paiquerê, pela manhã
sendo brindada com o nascer do sol entremeando os morros cobertos de milho e, à noite,
muitas vezes com a lua linda coroando meu caminho, não estão explícitas. As conversas com
os professores da Escola Estadual de Paiquerê, com a diretora Selma, com o vice-diretor
Altair, que partiu para o plano superior e hoje lá no céu faz as festas que fazia com a gente
na salinha apertada dos professores. Com a Dona Maria, a Eliane, a Cida. A Nalva, a Meire.
Os alunos queridos do ensino médio que, gentilmente, sentaram-se à minha frente para a
inquisição!
Muita coisa que eu aprendi, que eu vivi, que levarei para toda a minha vida, não
consta nas próximas páginas. Porque são subjetivas demais para um trabalho que prima pela
objetividade. Mas estão, sim, entranhadas em cada uma das palavras digitadas no papel. Do
sumário aos anexos, são essas experiências as que mais me fazem sentir uma Doutora.
Doutora. É o que provavelmente me tornarei assim que a Banca me der seu parecer.
Doutora.
E, olhando para trás, eu digo ao Raul que eu não me sinto mais abestalhada, nem
decepcionada. Não foi fácil conseguir, não... mas eu continuo com um pensamento dos versos
dessa canção: estou terminando o Doutorado. Daqui a algumas horas, serei Doutora, mas,
ainda assim, “eu tenho um milhão de coisas para conquistar e eu não posso ficar aí parado”.
Lá na São Tomé, lá na capital, lá no possom ê,
Você vai ver com seus próprios olhos,
agora está na moda, todo mundo é dotorê
Manuel é dotorê, Ana é doutora, Zézito é dotorê, Maria é doutora [...]
Sapato preto calça preta, camisa branca casaco pretoê,
ele é dotorê [...]
(Haylton Dias – Músico São-tomense)
19
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ah, quando eu estou im algum lugar, assim, mais importanti i com minha patroa,
qui ela fica pegano no meu pé, o trabalho dela, ela era professora lá,era professora da UEL,
ela fica sempre mi corrigindo ‘fala direito, fala direito’,
aí, pra mim não ficá sendo chamada a atenção, daí eu fico meio qui medino...
(Inf1)
Adolescentes falam! Eles não ficam somente imersos num mundo próprio, conectados
a alguma força sobrenatural por meio de seus fones de ouvido. Sim. Eles falam.
Interagem com seus pares, comentam sobre seus dias, contam sobre suas bandas
preferidas. Reclamam do corpo, das notas na escola, dos pais, dos professores, da comida do
almoço. Relatam seus anseios, suas paqueras, suas vontades, seus vícios.
Hoje, teclam muito, mas, ainda assim, falam. E essa fala desperta atenção e
curiosidade, porque é viva, pulsante.
Eu quis ver de perto como isso acontece, como se desenvolve, alarga-se, configura-se.
E onde mais consegui-lo, senão tendo como base suas comunidades, suas redes de interação
social? Labov (2008, p. 13) aponta esse como o melhor caminho ao considerar a fala como a
base para o conhecimento intersubjetivo da língua, pois aí “este veículo de comunicação com
que as pessoas discutem com seus cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus
inimigos” é visto “tal como usada na vida diária por membros da ordem social.” Além disso,
para o autor (2008), o que existem não são as línguas, mas, sim, os falantes reais que
interagem entre si de forma complexa, obedecendo às regras das sociedades em que vivem.
Acatando tais normas, os jovens seguem uma ou outra variedade linguística, a
depender do papel social representado em cada uma de suas diversas situações de interação no
momento do intercâmbio cotidiano. Tais representações parecem ser determinantes na opção
por qual variedade fazer uso nesses momentos, mas as redes sociais (social networks)
imbricadas nessas relações podem, também, ser decisivas nesse sentido. Vale ressaltar o
conceito de redes sociais como tramas que relacionam indivíduos em suas contexturas, nos
encadeamentos pessoais cotidianos, consolidadas empiricamente nas redes de parentesco e
amizade dentro da comunidade, de acordo com o que nos traz Bortoni-Ricardo (2009).
E foi na escola, local de convivência assídua e, por conseguinte, de intenso
intercâmbio juvenil, que a fala desses indivíduos passou a despertar meu tino de pesquisadora.
Nas salas de aula, convivendo o falar rural e o urbano, sem contar no denominado falar
rurbano, ou seja, a maneira de se expressar de grupos oriundos da zona rural ou moradores de
20
distritos, zonas semirrurais ou periféricas e que mantêm parte da cultura rural, principalmente
linguística (BORTONI-RICARDO, 2011). Uma Torre de Babel localizada? Por quê?
Quais motivos levariam os alunos a manter sua expressão linguística próxima do falar
rural? A influência dos pais? Dos vizinhos? A falta de interação com redes em que a fala se
aproximaria mais do falar urbano? E por que outros, mesmo morando em áreas rurais,
distanciam-se das suas raízes, do falar de seus familiares, em direção ao falar urbano?
Para responder a tais questões, alio-me a Camacho (2013, p. 21) ao questionar, em
relação ao objeto dos estudos sociolinguísticos, “quanto do que ocorre com a língua, em
termos de variação e mudança, é resultado do trabalho social de seus usuários a partir da
identidade social específica de que são dotados ou o resultado de padrões formais, estruturais,
que regem, por si sós, os processos de instabilidade e mudança”. Ou seja, entendo que não
basta analisar a pessoa em si ou somente a estrutura linguística.
Labov (2008, p. 21) já refletia sobre a necessidade de considerar a vida social da
comunidade para perceber o desenvolvimento de uma mudança linguística, pois “as pressões
sociais estão operando continuamente sobre a língua, não de um ponto remoto no passado,
mas como uma força social imanente agindo no presente vivo”.
Dessa maneira, tendo as redes sociais de interação essa marca de relevo, utilizá-las
como método de análise é crucial.
Consoante Bortoni-Ricardo (2005, p. 93), a linguística não tem-se preocupado com o
“processo sociolinguístico de transformação dos dialetos rurais brasileiros em variedades
urbanas”.
Ao tratar das classes menos favorecidas a que alude Labov (2008), a autora também
lança uma questão sobre quais seriam “os principais fatores atuantes na manutenção das
variedades rurais e/ou não padrão no Brasil” (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 93).
A necessidade de descrever tais variedades, focando marcas identitárias e socialmente
classificatórias, em especial determinadas pelas variantes linguísticas: (i) ausência de
concordância verbal na primeira e na terceira pessoa, (ii) iotização e (iii) rotacismo, também
de indivíduos moradores de zonas urbanas, justifica minha pesquisa.
Assim, ao atuar como professora regente em uma escola alocada em segmento
denominado pelo Núcleo de Educação do Paraná de “educação do campo”, presenciar a
variedade urbana de prestígio e a variedade rural convivendo em sala de aula, dimensionei a
necessidade premente de investigar a preponderância de redes sociais de interação na
manutenção ou mudança linguística.
21
Que papel as agências de letramento, como escola, igreja, local de trabalho, entre
outros, desempenhariam para a manutenção da variedade rural, hipoteticamente comum à
primeira rede de interação social dos meus sujeitos de pesquisa — a família —, ou para a
mudança, em favor da norma de prestígio, apregoada pelas agências difusoras da cultura
hegemônica anteriormente referenciadas?
Além disso, no desenvolvimento de minha pesquisa de Mestrado, foi possível entender
que as variáveis linguísticas e extralinguísticas utilizadas em minhas pesquisas não eram
suficientes para responder a questionamentos que foram aparecendo no decorrer das
investigações, pelo fato de estas não abarcarem todas as situações em que houve manutenção
ou mudança da variedade utilizada por alguns de meus informantes.
Como se dá o estreitamento entre os jovens dessa região circundante a um grande
centro urbano? Há um foco central favorecedor da mudança ou da manutenção linguística
atuando como um processo de contaminação a permear a variedade identitária,
hipoteticamente o falar rural, em direção ao falar urbano?
São estes os questionamentos, portanto, que dirigem meu trabalho e me auxiliam a
estabelecer os meios para atingir meus fins. Dentro disso, considerando o contato entre
falantes como condição primordial por meio do qual a transmissão de conhecimento e
informação em linguagem humana se processa, tenho como objetivo principal descrever a
influência das redes sociais de relacionamento na configuração da fala adolescente. Nessa
observação, insere-se o grau de letramento que permeia cada uma dessas tramas e a questão
da localização de moradia, se mais urbana ou mais rural, e como isso influencia a manutenção
do falar rural ou a mudança da variedade linguística característica e identitária dos
adolescentes em favor da norma urbana de prestígio.
Responder a questões como essas importa a fim de poder, conhecendo a realidade
linguística dos adolescentes de Paiquerê, empreender uma discussão acerca da maneira como
trabalhar com essas idiossincrasias dentro das salas de aula não só do distrito em si, mas de
todas as comunidades linguísticas com a mesma particularidade.
Tendo como hipótese que redes com menos incidência de letramento dominante, como
o oportunizado pela escola, igreja, certos locais de trabalho etc., e residências localizadas na
zona rural do distrito oportunizam a manutenção do falar rural ou um falar rurbano, ao passo
que redes com letramento maior e morar na zona central do distrito favorecem a mudança em
favor do falar urbano, desmembro esse objetivo amplo nas seguintes metas específicas:
i) investigar a forma da linguagem de um grupo delimitado de adolescentes residentes
em um distrito da cidade de Londrina, distinguindo configuração da fala dos moradores na
22
zona rural deste mesmo distrito, em comparação à de adolescentes moradores na sua zona
central;
ii) verificar o peso da localização, ou seja, se a moradia constitiu um fator relevante
para a mudança ou manutenção da norma;
iii) quantificar e nominar as redes sociais a que pertencem os indivíduos de cada
grupo, verificando os pesos de cada uma em favor da manutenção ou mudança linguística;
iv) dimensionar o letramento das redes sociais pelas quais esses sujeitos interagem, de
modo a pesar o papel desse letramento na manutenção ou mudança de sua configuração
identitária;
v) estabelecer uma discussão, com base nos subsídios concretos da análise das falas
dos adolescentes, sobre o tratamento da variação em sala de aula e a sobre a elaboração de
atividades condizentes com a realidade social desse alunado.
E os caminhos para responder a esses questionamentos, comprovar as hipóteses,
atingir as metas foram desenvolvidos passo a passo. Primeiramente, foi constituído o corpus.
Conversas, acertos. Entrevistas, imprevistos. Novos acertos, estreitamento de laços com a
escola e os alunos. E mais entrevistas, transcrições, análises. Detalho todos os procedimentos
no Capítulo 1.
No capítulo 2, após trazer à luz alguns estudos específicos, para dar um panorama do
estado da arte, apresento meu alicerce, trazendo os pressupostos teóricos para o embasamento
e a referenciação necessária para meu estudo, em autores como L. Milroy (1987), Labov
(1974, 2006, 2008), Gumperz (1972), Le Page (1980), Bortoni-Ricardo (1985, 1986, 2004,
2005, 2006, 2009, 2011, 2014), para citar apenas alguns.
Além disso, nele discorro a respeito de outras questões concernentes ao trabalho, como
a definição e a caracterização do adolescente, o detalhamento e a descrição da região foco de
minha pesquisa, além da polêmica separação geográfica, social e cultural entre rural e urbano.
No capítulo 3, detalho pormenorizadamente o corpus para, a partir de todos esses
fundamentos, partir para as análises. Ou seja, todos esses fundamentos servem para alicerçar o
que apresento no capítulo 4, alma do trabalho, que é a análise dos dados, em que são
discriminadas todas as variantes, os fatores, utilizando gráficos, mapas e quadros, a fim de
apresentar resultados da forma mais clara possível.
Com base nesses resultados, no capítulo 5, implemento uma discussão no sentido de
trabalhar essa realidade em sala de aula. A especificidade da fala dos jovens de Paiquerê serve
23
de fonte para outras localidades, por encerrar uma realidade linguística específica, mas
também reconhecida em outras regiões.
Nas considerações finais, fechando a discussão, deixo abertas novas portas para a
pesquisa com o mesmo mote, ciente da importância de ter bem definidas as especificidades de
cada comunidade linguística, a fim de que a variação linguística seja trabalhada de maneira
adequada e para que possa, com isso, plantar uma semente para a mudança da realidade
escolar brasileira.
24
1
MÉTODOS
Tu gravas em tuas fitas
Com a maior perfeição
O timbre da minha voz
E a minha fraca expressão
Mas não gravas a dor grave
Gravada em meu coração
(Patativa do Assaré)1
Para alcançar o objetivo proposto e responder aos questionamentos suscitados,
investiguei as interações dos alunos com base em suas redes sociais de relacionamento,
utilizando, como corpus, gravações de fala de dois grupos de adolescentes da mesma escola:
um formado por alunos residentes na zona central do Distrito de Paiquerê - Londrina,
considerada mais urbana2, e outro grupo formado por alunos residentes na zona rural deste
mesmo distrito, de acordo com a gravação de suas falas em resposta a um questionário
(Apêndice 2).
São vinte e quatro alunos do Ensino Médio do Colégio Estadual de Paiquerê, sendo
doze meninas e doze meninos. Desses, seis meninas e seis meninos moram na área central do
distrito; seis meninas e seis meninos residem na zona rural desse mesmo distrito.
A opção pela adolescência deve-se ao fato de ela ser o período de transição entre a
infância e a idade adulta, sendo, por isso, uma fase em que os falantes tendem a ser mais
suscetíveis ao meio, uma vez que, consoante Netto (1968), costumam formar turmas e o grupo
de companheiros passa a exercer grande influência sobre o comportamento do jovem, o que
nos remete à importância das redes de interação social em que se inserem como determinantes
na configuração de sua expressão linguística.
Em se tratando do método para a constituição do corpus, após a aplicação de
questionários (Apêndice 1) a todas as turmas do Ensino Médio do Colégio Estadual de
Paiquerê, contendo questões relativas à idade, ao local de moradia, à série escolar, às
preferências musicais e televisivas, à leitura, às redes sociais de interação e à língua, foram
selecionados trinta alunos, quinze meninos e quinze meninas, os quais foram novamente
inquiridos, desta feita por meio de questionamentos visando obter o maior tempo possível de
fala vernácula.
1
Verso
da
música
“Gravador”,
de
Patativa
do
Assaré.
<www.rolandoboldrin.com.br/poemas_gravador.asp.>. Acesso em: 11 nov. 2013
2
A noção de rural e urbano, linha tênue, será mais bem especificada no Capítulo 7.
Disponível
em:
25
Uma das ideias iniciais do trabalho mostrou-se inviável. Era meu intuito criar formas de me
inserir nas redes sociais de interação desses alunos, visando à observação de conversas informais,
uma vez que, como atesta Labov (2006, p. 487, tradução minha), “Há claras vantagens em estudar
grupos ao invés de indivíduos isolados. Estudar as pessoas dentro de suas redes sociais nos permite
gravá-las falando com as pessoas com quem falam normalmente — amigos, família e companheiros
de trabalho —3”. Entretanto, todas as tentativas nesse sentido se mostraram irrealizáveis,
demandando um tempo maior de contato e interação entre mim e os adolescentes, o que favoreceria
maior intimidade e aplacaria o teor invasivo da pesquisa.
Dessa maneira, foi necessário mudar de estratégia, optando por entrevistas individuais,
consideradas por Labov (2008) como o método básico para a obtenção de dados confiáveis da fala
de uma pessoa. As perguntas foram pensadas para que as respostas apresentassem vários exemplos
das variantes estudadas.
Para chegar ao vernáculo e à relevância das redes sociais na configuração da fala desses
adolescentes, eles foram inquiridos novamente, por meio de um questionário de cinquenta questões.
Esse questionário (Apêndice 2) seguiu a proposta de Labov (2008) de entrevista direcionada.
O número de questões e a menção à iminência de perigo de morte, dia mais feliz e mais
triste, entre outras possibilidades de narrativas pessoais, visou à fuga do “paradoxo do entrevistador”
a que alude Tarallo (1982).
De volta ao Colégio Estadual de Paiquerê, entrevistei os selecionados um a um, fazendolhes perguntas relativas ao dia a dia, seu cotidiano, gostos pessoais, opiniões sobre alguns assuntos,
opinião de leitura de trechos e opinião referente a figuras (Anexo 1).
Dos selecionados, foi possível a entrevista e a gravação com apenas vinte e quatro alunos,
uma vez que uma menina parou de estudar, um menino e uma menina não estiveram presentes na
escola em nenhum dos dias em que houve entrevistas e três dos entrevistados não foram produtivos
o suficiente para serem aproveitados, uma vez que responderam à grande maioria das perguntas de
forma lacônica ou gestual.
Ao final, cada uma das vinte e quatro entrevistas durou, em média, quarenta minutos, cuja
transcrição grafemática, na íntegra, consta no Apêndice 3.
Para quantificação dos dados, utilizo o Programa Léxico 34.
A análise foi feita por etapas, as quais são descritas e pormenorizadas no Capítulo 4.
3
Hay claras ventajas en estudiar grupos en vez de individuos aislados. Estudiar a las personas dentro de sus
redes sociales nos permite grabarlas hablando con las personas con quienes hablan normalmente — amigos,
familia y compañeros de trabajo —.
4
O Lexico3 é um programa de computador que possibilita a realização de análises lexicométricas, da
segmentação à edição dos resultados finais, possibilitanto a quantificação e qualificação de dados.
26
2
EMBASAMENTO TEÓRICO
Para explicitar as bases em que me alicerço nesta pesquisa, recorro a duas fontes:
primeiramente, trabalhos já realizados com a mesma perspectiva ou com caminhos
semelhantes ao que sigo. Em segundo lugar, às teorias fundamentais.
2.1
CONJUNTURA DOS ESTUDOS SOB A ÓTICA DAS REDES SOCIAIS
Todos seguiam caminho de seus
costumes; no novo não conseguiam de se nortear.
(Guimarães Rosa)
O trabalho com análise de redes de interação é relativamente recente nas ciências
sociais e, ainda mais, nos estudos da linguagem. Sua gênese está em trabalhos de Milroy,
(1987), Giles (1980), Trudgill (1986) e, no Brasil, no de Bortoni-Ricardo (2011[1985]).
Atualmente, pesquisas nesse âmbito têm tido destaque e várias áreas do conhecimento
norteiam-se pelo popular ditado “Diga-me com quem andas e direi quem és”.
Busquei estudos no campo da Linguística, centrando-me na base de periódicos da
CAPES e nos acervos digitais das Faculdades de Letras de Universidades Federais de
Brasília, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro, além das
Universidades Estaduais de Londrina e Maringá.
A busca apresentou alguns trabalhos de relevo na área, como a dissertação de
mestrado de Lara, que, em 2013, investigou a variação das consoantes plosivas bilabiais: o
desvozeamento das plosivas vozeadas e o vozeamento das plosivas desvozeadas em
português, na fala de 24 bilíngues português-alemão moradores de uma comunidade rural na
localidade de Estrela, Rio Grande do Sul, Brasil. A pesquisa mostrou, entre outros resultados,
redes densas e multiplexas, fechadas aos informantes centrais na rede, uma vez que os idosos
não difundem a regra variável a seus contatos, os jovens trabalhadores e os estudantes nas
áreas urbanas.
A tese de doutoramento efetivada por Carvalho (2012) perquiriu as práticas sociais de
letramento em comunidades de catadores de materiais recicláveis em Brasília, sendo
observado o contato dos sujeitos com o texto escrito, as suas rotinas, as redes sociais e os
eventos de letramento. Dentre outros resultados, o trabalho descortinou redes fechadas, mas
27
em processo de abertura, e a importância dos eventos de letramento e das práticas de escrita
para a mobilização social desses indivíduos.
Em 2012, Oliveira, a autora desta tese, pesquisou a configuração da fala de
adolescentes em escolas públicas e particulares na cidade de Londrina, com a intenção de
observar a motivação de não utilizarem a norma-padrão, mesmo tendo conhecimento das
regras, em especial da concordância verbal. A conclusão desse trabalho de mestrado, além da
questão identitária, deixou clara a influência das redes sociais de interação na expressão
linguística desses indivíduos, determinando quão marcante é o envolvimento com o outro
nessa configuração5.
Em 2009, Silva desenvolveu uma investigação para sua titulação a mestre que, além
de se relacionar com a sintaxe funcionalista, orientando-se a partir de uma classificação
sociolinguística dos informantes, vinculou-se a fatores de ordens sociais, em especial o fator
rede social fraca e forte, para dimensionar as cláusulas adverbiais em quatro falantes da
cidade de Mariana (MG), concluindo que, na rede fraca (Rede Universitária), a ocorrência de
cláusulas adverbiais foi mais expressiva, já que do total de unidades informacionais dessa
rede foram identificadas 431 cláusulas adverbiais, enquanto que na rede forte (Rede de
Familiares) foram identificadas 390 cláusulas desse tipo.
Em um estudo sociolinguístico sobre a presença ou ausência de artigos diante de
antropônimos, Alves (2008) perscrutou a fala de jovens da comunidade de Barra Longa/MG
que residem em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, concluindo a importância dos
fatores extralinguísticos, estando as redes sociais de interação entre os fatores de maior peso
para essa configuração.
Almeida (2005) inseriu as redes sociais de interação em sua busca por identificar a
influência da urbanização na fala de moradores em um distrito rural da cidade de LondrinaPR, identificando, por exemplo, multiplexidade ou densidade das redes dos seus informantes e
como isso influenciou a difusão ou focalização do dialeto caipira.
Em trabalho realizado na década de 1990, Ferrari (1994) analisou a fala de moradores
do Morro dos Caboclos, comunidade do Rio de Janeiro, utilizando as redes sociais de
interação para auferir a multiplexidade dos laços dos seus informantes e a questão identitária
em relação à permanência ou não no morro e, com isso, a focalização ou difusão linguística
local, corroborando a característica estagnadora das redes fechadas.
5
Dissertação publicada pela Nova Edições Acadêmicas em 2014.
28
Panke (1993) pesquisou o porquê de falantes, mesmo com acesso ao ensino
sistematizado, continuarem a sofrer influência marcante da língua alemã em uma comunidade
do oeste do Paraná, na cidade de Toledo. Na conclusão, atestou serem as redes sociais de
interação as grandes responsáveis por essa interferência, visto o insulamento e grande
fechamento das redes por questões, principalmente, identitárias.
Pioneira no Brasil nos estudos de redes sociais, Bortoni-Ricardo (1985) utilizou-se
desses pressupostos em sua tese de doutorado, na qual investigou a fala de moradores de
Brazlândia, cidade satélite do Distrito Federal, concluindo, entre outros aspectos, na
relevância dos laços entre indivíduos para a manutenção ou mudança de um falar identitário.
Do desdobramento desse trabalho precursor, Bortoni-Ricardo tornou-se referência nos estudos
sociolinguísticos brasileiros, sendo suas reflexões referência fundamental neste meu trabalho.
Acredito que os trabalhos mencionados podem estabelecer a importância do tema para
os estudos linguísticos e sociolinguísticos de uma forma geral, estudos que, como já
mencionado, ganharam força a partir da investigação promovida por Lesley Milroy em
Belfast, na Irlanda, mas que também se fizeram presentes em trabalhos de Labov, em especial
em seu estudo realizado em Martha’s Vineyard e na Filadélfia, os quais detalho no próximo
capítulo.
2.2
FUNDAMENTAÇÃO
É a teoria que determina o que pode ser observado.
(Albert Einstein)
Somos todos sabedores da existência do conceito de língua como algo estático,
imutável, o qual vem sendo, pouco a pouco, posto em xeque. Dante Alighieri, durante a
Renascença, já abordava a questão da variação em sua De vulgari eloquentia como algo
concreto, sólido e histórico. É nesse mote que os estudos sociolinguísticos vêm, desde os idos
1960, desmitificando a uniformidade linguística, afinal “variedades linguísticas são, portanto,
diferentes no que concerne aos mecanismos formais disponíveis para a formulação de atos de
comunicação verbal, mas, ao mesmo tempo, absolutamente iguais no que diz respeito à
função comunicativa” (CAMACHO, 2013, p. 25).
Um marco para a consolidação dos estudos sob essa orientação acontece no ano de
1964, quando William Bright organiza um congresso na Universidade da Califórnia em Los
Angeles (UCLA), com a participação de vários estudiosos. Desse encontro, resulta um
29
compêndio, intitulado Sociolinguistics, no qual é caracterizada a nova área de estudo,
estabelecendo como seu objeto de estudo a diversidade linguística.
Alkmin (2001, p. 30) lembra que o estabelecimento desta nova área é precedido pela
atuação de diversos pesquisadores, como Hymes que, em 1962, publicou um artigo propondo
um novo domínio de pesquisa: a Etnografia da fala, que visa à descrição e interpretação do
comportamento linguístico contextualizado culturalmente, além de buscar definir “as funções
da linguagem a partir da observação da fala e das regras sociais próprias a cada comunidade”.
Aliado à Sociolinguística, outro ramo da Linguística se ocupa da vivacidade da língua.
Trata-se da Dialetologia, cujos estudos também estabelecem as relações existentes entre
certos traços linguísticos, falantes e sociedade.
Silva-Corvalán (1989) afiança ser indubitável a importância dos aportes deixados pela
Dialetologia para a Sociolinguística e para a Linguística de uma forma geral, haja vista os
atlas linguísticos, cujos dados são referência obrigatória para os estudos concernentes à
variação e à mudança linguística.
Entre as duas disciplinas, há uma ligação intrínseca, de modo que uma pode ser
considerada complementar a outra, ou, até certo ponto, sua sinônima, como mostra SilvaCorvalán (1989), por ambas estudarem a língua falada, os usos linguísticos e as relações que
se dão entre traços e grupos linguísticos.
Conquanto reconheça as similaridades, a autora estabelece pontos em que as
disciplinas se diferenciam, ao reconhecer que terminologias como Dialetologia Social e
Dialetologia Urbana, na realidade, constituem-se como estudos sociolinguísticos. Afirma
Silva-Corválan (1989, p. 9)
Com essas terminologias, pretende-se captar a característica fundamental
que diferencia as duas disciplinas. Por um lado, a preocupação básica da
Dialetologia por estabelecer as fronteiras geográficas de certos usos
linguísticos, concentrando a investigação essencialmente em setores rurais,
pois neles esperam-se encontrar variedades “mais puras” da língua, ou seja,
formas vernáculas mais antigas e tradicionais, não contaminadas pelo
contato com outras variedades6 (grifos da autora, tradução minha).
Continuando, a autora alega que, por outro lado, está a preocupação da
Sociolinguística com a identificação dos processos geradores de mudança e das fronteiras
6
Con estos términos se pretende captar la característica fundamental que diferencia a las dos disciplinas. Por un
lado, la preocupación básica de la dialectología por establecer las fronteras geográficas de ciertos usos
linguísticos, concentrando la investigación esencialmente em sectores rurales, pues en ellos se ha esperado
encontrar variedades “más puras” de lengua, es decir, formas vernáculas más antiguas y tradicionales, no
contaminadas por el contacto con otras variedades.
30
sociais que subjazem a certos usos linguísticos, concentrando sua pesquisa em centros
urbanos, os quais se caracterizam tanto pela heterogeneidade linguística quanto pela social.
Atualmente, a Dialetologia não se concentra apenas em zonas rurais, ao mesmo tempo
em que a Sociolinguística ultrapassou as fronteiras dos centros urbanos, como é o caso deste
trabalho.
A fim de mais bem entender o que as une e as separa, convém conhecer melhor as
especificidades de cada uma das disciplinas.
2.2.1 Dialetologia
Então se atreveram a falar-lhe, e ele lhes respondeu em
um dialeto incompreensível, mas com voz de marinheiro.
(Gabriel García Marquez)
Ainda que, cientificamente, seja atribuído ao Abbé Rousselot o início dos estudos
dialetológicos, visto que, já em 1884, o estudioso alertava para a necessidade de estudar sons,
construções e palavras novos para que não se perdessem (CARDOSO, 2001), a Dialetologia
é, para alguns, tão antiga quanto o mundo. Há quem credite tal início à era antes de Cristo,
pelo fato de ser relatada na Bíblia Sagrada, no livro Juízes, cap. 12, vers. 5-6, certa situação
solucionada por meio do uso da língua. Um povo denominado efraimita, sendo dominador da
terra em que se alocava, utilizava de uma artimanha para descobrir inimigos infiltrados em
seu território: solicitava àqueles que pediam passagem que pronunciassem a palavra xibolet.
Pronunciada com /ʃ/, tinham passagem garantida. Pronunciada com /s/, era o calabouço ou a
morte.
Cardoso (2001, p. 27) estabelece como marcos para a efetiva gênese desses estudos “o
levantamento de dados da realidade alemã feito por Wenker e a recolha sistemática para o
Atlas Linguistique de la France (ALF), obra de Gilliéron e Edmont” (grifos da autora). Já no
Brasil, cabe ao Visconde de Pedra Branca o estatuto de implementador, o qual, ao escrever
um capítulo para um livro do geógrafo Balbi, descreveu nossa língua como “um reflexo do
clima e da doçura dos habitantes [...] enriquecida por palavras e expressões novas, tomadas de
empréstimo às línguas indígenas e inexistentes no português continental” (FERREIRA;
CARDOSO, 1994, p. 37).
31
Silva-Corvalán (1989) apresenta como objeto de estudo da Dialetologia os diversos
dialetos7 de uma língua, esclarecendo que “A distância, social, temporal ou geográfica,
favorece o desenvolvimento de variedades dialetais que são a manifestação linguística de um
número de características mais ou menos estáveis associadas com diferentes grupos através do
tempo e do espaço social e geográfico8” (tradução minha, grifos da autora).
Os estudos dialetológicos têm contribuído significativamente para o complemento de
pesquisas linguísticas que visam à descrição do português brasileiro e, em nosso país, sua
história pode ser dividida em três fases. Na primeira, os trabalhos são voltados para
dicionários, glossários, vocabulários e léxicos regionais. A segunda fase traz a publicação de
uma importante, e ainda essencial obra para os estudos da Geografia Linguística. Refiro-me a
O dialeto Caipira, de Amadeu Amaral, trabalho que inicia a descrição da realidade linguística
deste imenso país. A terceira fase é marcada pelo interesse na elaboração de atlas linguísticos.
O Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB), o primeiro atlas linguístico brasileiro, foi
elaborado entre os anos sessenta e sessenta e dois, do século XX, sob a coordenação do
professor Nelson Rossi, e abriu o caminho para outros. O segundo atlas publicado foi o
EALMG – Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais, coordenado pelos professores
Mário Roberto Lobuglio Zágari, José Ribeiro, José Passio e Antonio Gaio e publicado em
1977; o ALPB – Atlas Linguístico da Paraíba, coordenado pela professora Maria do Socorro
Silva e realizado conjuntamente com a professora Cleuza Bezerra de Menezes, foi o terceiro,
publicado em 1984; o ALS I – Atlas Linguístico do Sergipe, coordenado por Nelson Rossi, é
uma espécie de sequência aos estudos de mapeamento linguístico dos falares baianos. Iniciado
em 1963, concluído em 1973 e publicado apenas em 1987, o ALS é o quarto atlas publicado
no Brasil. Em 1994, como tese de doutoramento da professora Vanderci Aguilera, foi
publicado o quinto atlas, o ALPR – Atlas Linguístico do Paraná.
Trazendo uma inovação, o ALERS – Atlas Linguístico-Etnográfico da Região Sul do
Brasil foi publicado em 2002, coordenado pelo professor Walter Koch e caracterizado pela
abrangência não só de um estado, mas de uma região inteira. O sexto atlas foi publicado em
2004, sob a coordenação do professor Abdelhak Razky, tratando dos falares do Pará,
intitulado Atlas Linguístico Sonoro do Pará – ALISPA. O Atlas Linguístico de Sergipe II –
7
O termo dialeto é entendido aqui como “ um termo que se refere simplesmente a uma variedade da língua
compartilhada por uma comunidade linguística” (SILVA-CORVALÁN, 1989, p. 9, tradução minha) / “un
término técnico que se refiere simplemente a una variedad de lengua compartida por una comunidad
lingüística”.
8
“La distancia, social, temporal o geográfica, favorece a su vez el desarollo de variedades dialectales, que son la
manifestación linguística de um número de características más o menos estables asociadas con diferentes
grupos a través del tiempo y del espacio social y geográfico”.
32
ALS II, utilizando o corpus não mapeado no primeiro ALS, também resultado de uma
pesquisa em doutoramento, transformado em tese pela professora Suzana Alice Marcelino
Cardoso, foi publicado no ano de 2005. Em 2007, foi publicado o ALMS – Atlas Linguístico
de Mato Grosso do Sul, coordenado por Dercir Pedro de Oliveira e, finalmente, em 2010 foi
publicado do ALECE – Atlas Linguistido do Estado do Ceará, iniciado em 1978, coordenado
por Alexandre Kaskey, José Carlos Gonçalves, Mário Roberto Lobuglio e José Rogério
Fontonele Bessa, sendo este coordenador da publicação.
A publicação destes Atlas, bem como de uma substancial parte do Atlas Linguístico do
Brasil – AliB, é resultado não só da dedicação e do empenho destes pesquisadores, mas
também dos trabalhos pioneiros de Antenor Nascentes, Serafim da Silva Neto, Celso Cunha e
Nelson Rossi.
A publicação do Atlas Linguístico do Brasil é um marco para o ensino da língua
portuguesa, uma vez que, ao enfocar a identificação das diferenças diatópicas, visa oferecer
subsídios para o aprimoramento do ensino/aprendizagem aos estudiosos da língua portuguesa,
aos pesquisadores de áreas afins e aos pedagogos, para melhor interpretação do caráter
multidialetal do Brasil.
Coseriu
(1982,
p.
112)
atesta
que
a
variedade
horizontal
comprovada
esquematicamente pela Dialetologia não abarca toda a variedade da linguagem. Segundo o
autor “existe também uma variedade vertical entre estratos sociais e culturais, e, no falar do
mesmo indivíduo, segundo as diferentes situações e os diferentes momentos expressivos”
(grifo do autor).
Nesse âmbito, Ferreira e Cardoso (1994) citam o “Projeto Norma urbana culta no
Brasil”, o NURC, que tem o intuito de descrever o verdadeiro uso culto em nosso país, por
meio da recolha de dados precisos em cinco capitais, objetivando um ensino condizente com a
real fala do brasileiro; além desse, citam a pesquisa realizada por Anthony Justus Naro, na
UFRJ, o Projeto CENSO – “Subsídios sociolinguísticos do projeto Censo à educação”,
visando oferecer suporte para o ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa com base na
realidade. Por meio desses projetos, faz-se possível perceber que aos estudos dialetais são
agregadas preocupações com a variação social.
Vendo os dois ramos linguísticos assim tão entrecruzados, é possível estabelecer certa
antecedência dos estudos da Dialetologia aos da Sociolinguística, sem deixar de estabelecer a
complementaridade entre ambos por investigarem a língua falada, o uso linguístico e
estabelecerem relações existentes entre determinados traços linguísticos e certos grupos de
indivíduos, ou seja, por se envolverem com o aspecto social da língua.
33
Mas foi a Sociolinguística que solidificou a relação entre língua e sociedade, pois
sistematiza o estudo da língua inserida em um contexto social.
2.2.2 Sociolinguística
Falar é outra coisa, é essa ponte salgada em que ficamos pendentes,
suspensos sobre o abismo. Falar é outra coisa, vos digo.
(Mia Couto)
Embora a questão social da língua tenha despertado a atenção no início do século XX,
inclusive nos trabalhos de Saussure, foi na década de 1960 que, como mencionado, começou a
ser investigada minuciosamente por estudiosos da língua.
Logo após a publicação feita por Bright (1964), uma comunicação proferida por
Weinreich, Labov e Herzog, em um simpósio sobre Linguística Histórica na Universidade do
Texas, em 1966, mexeu com a questão linguística, uma vez que, muito além de reconhecer a
expressão das ideias individuais e coletivas por meio da língua, de acordo com a tradição e a
cultura pertinente ao indivíduo e à comunidade em que se insere, o trabalho dos autores valeu
como instaurador do entendimento do falante como usuário e agente modificador de sua
língua, pois é por meio dele que se dão a constante alteração, a mudança e a transformação
linguística.
A partir disso, em especial com os trabalhos de William Labov, pesquisador que, de
acordo com Tarallo (1982, p. 7), “mais veementemente, voltou a insistir na relação entre
língua e sociedade e na possibilidade, virtual e real, de se sistematizar a variação existente e
própria da língua falada” o termo Sociolinguística se estabeleceu.
Os movimentos primordiais desse ramo da Linguística direcionaram sua vertente
Quantitativa, também conhecida como Variacionista ou Laboviana, na busca da
sistematização das transformações da língua falada, por intermédio de pesquisas que
consideram fatores extralinguísticos, tais como classe social, idade, sexo, escolaridade, entre
outros, como relevantes para a relação entre língua e sociedade, demonstrando a
interdependência entre o conteúdo linguístico dos falantes e o meio social em que vivem. Ou
seja, “propõem-se a explicar, basicamente, a variabilidade inerente nos sistemas linguísticos9”
(SILVA-CORVALÁN, 1989, p. 59, tradução minha).
A descrição e a documentação dos usos norteiam os estudos nessa vertente. O foco vai
para a sistematização da língua falada, uma vez que são estudadas sua estrutura e evolução no
9
Se proponen explicar, básicamente, la variabilidade inherente en los sistemas lingüísticos.
34
contexto social da comunidade em que é praticada. Ao modelo descritivo, incluem-se dois
tipos de regras, as categóricas e as variáveis, cuja sistematização produz um volumoso
número de dados, o que implica, necessariamente, um tratamento estatístico.
Para Silva-Corvalán (1989, p. 59), a importância desta vertente se encerra em mostrar
que a unidade linguística “é uma ilusão e que é possível incorporar a descrição de fenômenos
variáveis como parte da descrição de uma língua entendida como um sistema cuja
heterogeneidade não é arbitrária ou errada, mas sim submetida a regras10” (tradução minha).
O adjetivo “laboviana” a caracterizar o nome deve-se à publicação, no ano de 1972, da
obra Sociolinguistic Patterns, por William Labov, cujo conteúdo veio a propiciar maior
reconhecimento científico a essa área dos estudos da linguagem.
Camacho (2013) mostra que essa vertente da Sociolinguística contribuiu não só para
romper com a ideia de língua como algo homogêneo, mas, sobretudo, com o tratamento
teórico formalista, por meio da introdução do conceito de variável linguística.
Ainda, pela visão de Camacho (2013, p. 19),
[...] a Sociolinguística, inspirada em grande escala pelo trabalho pioneiro de
William Labov, incrementou, nas últimas três décadas, uma nova
compreensão da natureza ao mesmo tempo variável e mutável da linguagem.
Ativou também o reconhecimento do caráter regular e sistemático da
heterogeneidade mediante um conjunto de estudos empíricos, de natureza
quantitativa com foco na língua em uso no contexto social.
Em sua gênese, os trabalhos realizados eram de ordem diacrônica, entretanto, estudos
pioneiros deixaram à mostra uma intricada relação entre a diacronia expressa pela mudança
linguística e a sincronia da variação linguística.
Atribuindo aos fatos sociais o mesmo grau de importância dado aos fatos da
linguagem, e, com isso, alocando-os no mesmo patamar, Labov (2008) considera a existência
não de línguas, mas sim de falantes reais que interagem entre si de forma complexa,
obedecendo às regras das sociedades em que vivem. Assim sendo, é facultada a essa vertente
da Sociolinguística a utilização de métodos sociológicos quantitativos para relacionar
variáveis linguísticas com variáveis sociais, reconhecendo como imanentes à linguagem a
regra gramatical categórica, compartilhada e passível de ser analisada tradicionalmente (as
10
Es uma falacia y que es posible incorporar la descripción de fenómenos variables como parte de la descripción
de una lengua que se concibe como un sistema cuya heterogeneidade no es arbitraria ni errática, sino sometida
a reglas.
35
regras da gramática normativa, por exemplo), e a regra variável que utiliza a Linguística para
determinar o grau de variabilidade (como as gramáticas do uso da língua).
Contrário às correntes linguísticas que deixaram de fora o fator social da linguagem,
em especial o Gerativismo de Chomsky, Labov insiste na importância de se voltar para as
comunidades de fala e não para a competência linguística dos falantes, uma vez que não
compactua com a ideia de gramática como algo inato, localizado na mente do indivíduo, mas
a vê como algo compartilhado por grupos humanos.
Para o autor (2008, p. 21),
[...] não se pode entender o desenvolvimento de uma mudança linguística
sem levar em conta a vida social da comunidade em que ela ocorre. Ou,
dizendo de outro modo, as pressões sociais estão operando continuamente
sobre a língua, não de algum ponto remoto no passado, mas como uma força
social imanente agindo no presente vivo.
Diante da impossibilidade de compreender o desenvolvimento da variação e da
mudança fora do contexto em que se inserem, Labov (2008) empreende trabalhos pioneiros de
suma importância para a vertente quantitativa.
Seu trabalho inicial trata da “observação direta de uma mudança sonora no contexto da
vida da comunidade na qual ela ocorre” (LABOV, 2008, p. 19), em que analisa o inglês
falado na Ilha de Martha’sVineyard quanto à alteração na posição fonética dos elementos
inicias dos ditongos /ay/ e /aw/. Objetivando entender os mecanismos reveladores da variação
linguística, focava observar até que ponto a alteração dos costumes sociais ocorridos na
comunidade, por meio de influências extralinguísticas como idade, sexo, escolaridade,
religião, cultura, entre outros, podiam favorecer a mudança linguística.
Para alcançar seu intento, o pesquisador realizou entrevistas nas quais previa respostas
com palavras em que ocorriam os ditongos (ay) e (aw), de forma eventual, tanto na fala
monitorada, quanto na leitura especial, como também observando a comunicação dos
informantes em ambientes casuais.
Após a análise dos dados, observou a ocorrência da centralização moderada das vogais
(ay) e nenhuma centralização em (aw), por meio do que pôde concluir, como bem sintetiza
Calvet (2007), haver certa distribuição social dos ditongos, pois a pronúncia dos habitantes
que desejavam ficar na ilha era insular, ao passo que os que queriam deixar a ilha se
expressavam como os moradores do continente.
Buscando confirmar a hipótese de que “se dois subgrupos de falantes nova-iorquinos
estão dispostos numa escala de estratificação social, logo estarão dispostos na mesma ordem
36
por seu uso diferenciado do /r/.” Labov (2008, p. 65) empreendeu um estudo sobre a
estratificação /r/, em novembro de 1962, nas lojas de departamentos de Nova Iorque,
utilizando um método simples: alocado em uma loja de departamentos que atendia a
diferentes públicos, perguntava a funcionários onde ficava determinado produto, esperando
obter a resposta fourthfloor, para avaliar se o /r/ de ambas as palavras era ou não pronunciado,
uma vez que a pronúncia caracterizava a fala prestigiada, enquanto a ausência do fonema
indicava a estigmatizada. Estes funcionários pertenciam a três lojas: uma situada no térreo,
considerada popular, outra em andar intermediário e outra em um andar superior, mais
elitizada. Também os funcionários foram escolhidos de acordo com suas funções, a fim de
correlacionar a hierarquia de status da loja à hierarquia das funções desempenhadas e o
comportamento das pessoas que ocupavam os postos selecionados.
Ao final das análises, “os resultados do estudo mostraram a nítida e coerente
estratificação do /r/ nas três lojas” (LABOV, 2008, p. 71), já que 62% dos vendedores da loja
considerada de alto padrão pronunciavam o /r/, 51% da loja de status intermediário
apresentavam uso também intermediário e apenas 20% da loja mais popular pronunciavam o
fonema, concluindo que o principal efeito estratificador sobre os funcionários é o prestígio da
loja, uma vez que estudos11 já haviam mostrado que, entre trabalhadores de grandes lojas,
existe a tendência de estes se esforçarem para se apropriar do prestígio de seus clientes, além
da influência do cargo ocupado. O pesquisador também inseriu outros fatores para explicar o
padrão irregular do uso do /r/, utilizando, como variáveis independentes, etnia, ocupação e
idade do informante.
Além disso, realizou novo estudo neste sentido, por meio do qual foi medida a
avaliação social das variantes em análise. Conforme relata Calvet (2007, p. 95),
A pesquisa consistia em estudar as reações subjetivas à linguagem fazendo
200 testemunhas escutarem “falsos pares”, isto é, frases pronunciadas
diferentemente (por exemplo, com ou sem os r) pelo mesmo falante sem que
as testemunhas se dessem conta de que se tratava do mesmo falante [...]
Por intermédio desta nova pesquisa, foi possível observar que a totalidade dos
pesquisados reagiu positivamente quando houve a pronúncia do /r/, considerada como marca
de prestígio, o que veio não só ratificar a pesquisa anterior, mas também conduziu à sua mais
importante conclusão, a de que uma comunidade linguística não se define como um grupo de
11
De acordo com o que relata Labov (2008) sobre o trabalho: MILLS, C. W. White Collar. New York: Oxford University
Press, 1956
37
falantes que utiliza formas idênticas, mas sim como um grupo que compartilha a mesma
norma a respeito da língua.
De acordo com Calvet (2007), apesar de os estudos em Nova Iorque apresentarem uma
evolução nas pesquisas de Labov quando comparadas ao trabalho na Ilha de Martha’s
Vineyard, o amadurecimento do pesquisador somente foi dimensionado a partir das pesquisas
sobre o vernáculo negro americano, realizadas no Harlem, bairro nova-iorquino.
A pesquisa de Labov tinha como foco o fracasso escolar, no que tange à leitura, dos
jovens negros pertencentes à cultura vernacular das ruas e com severas dificuldades de
aprendizado, devido ao conflito entre o seu vernáculo e a fala padrão
O resultado mostrou as diferenças estruturais entre o falar afro-americano e o branco,
mas, especialmente, o esquecimento desses jovens pelo sistema educacional e o racismo
institucionalizado naquela sociedade, os quais impediam a ascensão social e o progresso
cultural dos usuários desse falar.
Em um novo trabalho, buscando localizar as forças motivadoras da generalização de
uso de certas formas linguísticas, Labov (2006) realizou uma pesquisa, em 2001, na
Filadélfia, com o objetivo de identificar os sujeitos e suas redes de relações, a fim de rastrear
as causas da mudança linguística por meio da busca da posição social dos indivíduos
inquiridos, ou seja, Labov buscou identificar os líderes da mudança linguística em certa
comunidade, focalizando a variação em amplos conglomerados populacionais, observando as
variáveis gênero, idade, escolaridade, classe social e formalidade na fala.
Nesse trabalho, o linguista observa que as mulheres, quando se trata de mudanças
vindas de cima12, utilizam mais as formas de prestígio do que os homens; em se tratando de
mudanças vindas de baixo, elas são líderes da mudança linguística, ou seja, quando se iniciam
as mudanças, a agilidade do sexo feminino é maior que a do sexo masculino em aderir e
utilizar o símbolo social recente.
Esses importantes trabalhos estão na gênese do modelo quantitativo de descrição e
interpretação do fenômeno linguístico no contexto social de comunidades urbanas, sendo
responsáveis por sublinhar o papel decisivo dos fatores sociais na explicação da variação
linguística.
12
Labov (2006) alega que as mudanças “de cima” têm a ver com a classe social dominante, de forma
consciente, ao passo que as “de baixo” são formas sistemáticas, primeiramente surgidas no vernáculo,
completamente abaixo do nível de consciência social. Um exemplo dessas mudanças vindas de baixo, no
português, estaria na queda do /r/ final das formas verbais no infinitivo.
38
Em paralelo a isso tudo, os estudos sociolinguísticos vão ganhando novos contornos,
voltando-se também para a análise dos comportamentos linguístico-sociais, em uma vertente
denominada Sociolinguística Qualitativa, de maneira a enfocar a relação dos sujeitos com a
linguagem e verificar como se dão as atitudes em relação às variedades de línguas utilizadas
por eles e por seus pares, considerando como relevantes, e mesmo imprescindíveis, os
aspectos culturais e sociais dos usuários da língua.
Calvet (2007, p. 65) relata que
Com efeito, existe todo um conjunto de atitudes, de sentimentos dos falantes
para com suas línguas, para com as variedades de línguas e para com aqueles
que a utilizam que torna superficial a análise da língua como simples
instrumento.
Ou seja, o que importa é o comportamento sociolinguístico dos sujeitos, o que torna a
Sociolinguística, nessa vertente, contrária à concepção de língua como instrumento de
comunicação, comum em estudos anteriores, visto que sua ocupação será desvendar os
preconceitos e estereótipos linguísticos, o comportamento social dos falantes em relação à
própria língua e a de seus pares, os efeitos que a norma pode provocar nos indivíduos.
O que difere os dois ramos é, sobretudo, o foco. Enquanto a Sociolinguística
Quantitativa busca desvendar as formas com que se dá a heterogeneidade e como se regula a
variação, a Sociolinguística Qualitativa objetiva apreciar o caráter e a função social da
linguagem e como isso pode repercutir no comportamento dos indivíduos, desvendando as
motivações ideológicas para usos e não usos, expressos nos discursos reais.
Em relação ao conceito de identidade, ao nível macro — vertente quantitativa —,
associa-se a noção laboviana de comunidade de fala, cuja explicação dos fatos linguísticos
tem foco mais no geral, não no individual. Ao contrário, no nível micro — vertente qualitativa
—, ligado às redes sociais e comunidades de prática, a identidade é determinante em todo o
processo de variação.
A vertente quantitativa, de nível macro, tem uma abrangência geral, baseando-se em
fatores estanques como a idade, etnia, sexo, classe social etc. A Sociolinguística Qualitativa,
em sua versão micro, abrange o individual e como se dá a interação com o grupo.
Uma dicotomia bastante adequada desses conceitos é feita por Gumperz. O linguista,
conforme se le em Bortoni-Ricardo (2005), separa os sociolinguistas em teóricos da ação ou
conflito e teóricos da ordem. Para os primeiros, em que se insere a Sociolinguística
Interacional e, com isso, uma visão micro, a interação é constitutiva da ordem social. Os
39
segundos, ao conceberem normas e categorias sociais como preexistentes e parâmetros dos
usos linguísticos, aliam-se à visão macro, como na Sociolinguística Variacionista.
Em 2014, Bortoni-Ricardo apresenta a distinção feita por Fasold em 1972, com a
publicação dos artigos “The Sociolinguístics of Society” (A Sociolinguística da Sociedade) e
The Sociolinguitcs of Language (A Sociolinguística da Linguagem). O pesquisador insere no
primeiro volume temas como multilinguismo, bilinguismo, diglossia, atitudes linguísticas,
manutenção e mudança linguística, estandardização da língua vernácula, provando que, ao
nível macro, podem estar associadas também questões qualitativas.
Ademais, os postulados de Fasold mostram que as vertentes não se obstam, antes se
completam e se amalgamam, como bem reflete Severo (2007, p. 3):
Deve-se atentar, porém, que, apesar dessas instâncias de estudo da
linguagem oscilarem de um nível macro para um nível micro de análise, é
comum encontrar nas pesquisas sociolinguísticas variacionistas uma
abordagem que reúne ambos os níveis, como mostram, por exemplo, os
estudos de Labov (1972) na comunidade de Martha´sVineyard, em que a
identidade local dos falantes nativos da ilha mostrou-se fortemente atuante
na manutenção do uso de certas variantes próprias daquele local.
E dentro de questões micro ou macro, os estudos vão sendo direcionados conforme as
necessidades apontadas pela comunidade. Nesse sentido, as investigações sociolinguísticas
voltaram-se para questões de ensino/aprendizagem, gerando uma nova ramificação em sua
gama de possibilidades analíticas. É sobre isso que trata o tópico seguinte.
2.2.2.1 Sociolinguística educacional
Ânsia assim e anfa, e poder de entender demais, nunca achei quem outro. O
que ele queria era botar na cabeça, duma vez, o que os livros dão e não.
(Guimarães Rosa)
Questionando o etnocentrismo existente nas explicações relativas à causa do fracasso
escolar de alunos das classes menos favorecidas ou alunos trabalhadores — déficit genético e
déficit cultural (SOARES, 2002) —, Labov (2008) contrasta a variedade praticada pelas
minorias e a variedade prestigiada socialmente, e os resultados levam-no a comprovar a
variabilidade da língua e a demonstrar a influência desse fator no aprendizado, corroborando
investigações realizadas por antropólogos no âmbito da escola, as quais identificaram
problemas externos ao indivíduo, por exemplo, a comunicação entre professores e alunos
como possíveis causas do fracasso escolar.
40
Consoante Labov (2008), tais problemas seriam solucionados mediante um
entendimento mútuo, por meio de um ensino bidialetal, cuja metodologia partiria da própria
variedade dialetal dos discentes, sendo inserido, paulatinamente, o ensino da variedade
padrão, já que os professores não dominavam a variedade praticada pelos alunos das classes
minoritárias, da mesma forma que os alunos não entendiam o dialeto docente.
Não obstante tal proposta não lograr êxito, as críticas à Sociolinguística Educacional
aumentaram consideravelmente.
Em meio a essa conturbação, Erickson (1987) insere nos estudos linguísticos o
conceito de culturally responsive pedagogy13, propondo serem levadas em conta a variedade e
a cultura dos alunos no ensino de língua materna, o que vai ao encontro dos proessupostos
sociolinguísticos.
Dessa maneira, compreendendo a especificidade da Sociolinguística para o
aperfeiçoamento dos processos de ensino, Bortoni-Ricardo (2005, p. 130) sintetiza:
É uma falácia acreditar que, com uma gramática de cunho variacionista,
ensino e a aprendizagem de língua vão automaticamente melhorar. O que é
preciso, de fato, é contribuir para o desenvolvimento de uma pedagogia
sensível às diferenças sociolinguísticas e culturais dos alunos e isto requer
uma mudança de postura da escola — de professores e alunos — e da
sociedade em geral. Para tal mudança de postura, todavia, a descrição de
regras variáveis é uma etapa preliminar e importante.
Diante disso e levando em consideração o objetivo de “construir novas metodologias
que auxiliem professores a desenvolver em seus alunos as habilidades cognitivas necessárias a
uma aprendizagem mais ampla, à expansão de sua competência comunicativa e à capacidade
de desenvolver tarefas escolares cotidianas” (BORTONI-RICARDO; FREITAS, 2009, p.
278), Bortoni-Ricardo (2005) propõe seis princípios fundamentais para a implantação de uma
efetiva Sociolinguística Educacional, de modo a determinar mudanças efetivas na cultura do
ensino brasileiro.
Como primeiro princípio, orienta para a necessidade de a escola focar nos estilos
formais do vernáculo dos alunos para promover o ensino da língua materna, uma vez que é no
campo da linguagem monitorada que a influência das ações de planejamento linguístico surte
efeito.
No segundo princípio, a autora refere-se ao caráter sociossimbólico das regras
variáveis, cuja avaliação interfere no processo educativo, porquanto regras que não
13
Traduzido por Bortoni-Ricardo (2005) como “uma pedagogia culturalmente sensível”.
41
apresentam cunho negativo não são objeto de correção em sala de aula, ao passo que usos
estigmatizados, como “eu vi ela”, sofrem maior pressão na escola e pela sociedade.
O terceiro princípio trata da inserção da variação linguística na matriz social, por meio
da aplicação da pedagogia culturalmente sensível referida anteriormente, de modo que as
ações do professor ratifiquem no aluno o estatuto de falante legítimo, favorecendo o uso
alternado entre a variedade de origem e a norma-padrão, uma vez que tal estratégia facilita o
ajuste do aluno à cultura escolar, além de favorecer a aquisição dos estilos monitorados da
língua.
Instituir a dicotomia entre letramento e oralidade, abnegando a comumente realizada
entre português culto e não culto, é o mote do quarto princípio. Por meio dessa instituição, o
aluno poderá perceber e usar a língua como dois momentos distintos: um para o dia-a-dia
social e familiar; outro para o trato com desconhecidos, em que formalidade é exigida.
No quinto princípio, aborda-se a importância da associação entre a descrição da
variação e a investigação etnográfica e interpretativa de seu uso em sala de aula, consoante
importar a análise meticulosa da interação, na qual se avalia o significado assumido pela
variação.
Por fim, o sexto princípio orienta para a importância da conscientização crítica dos
professores e alunos em relação à variação e à desigualdade social por ela refletida, por meio
de um diálogo efetivo entre linguistas e professores, de modo a promover, no docente, a
prática da reflexão e análise crítica de suas ações.
Necessário se faz que o professor repense seu método de ensino, de modo a colocar
em prática tais princípios. Não obstante, urge uma mudança de cultura e comportamento do
ensino de português como língua materna, de modo a proceder a prática escolar com base
nesses princípios.
Não se trata de um novo método de ensino, de uma nova categoria, de um novo objeto
de ensino. Toda essa discussão trata de mudança de concepções, de hábitos. Repensar o
ensino, deixando de focar apenas naquilo que se vai ensinar, importando mais o como se vai
ensinar e onde se quer chegar com tal processo de ensino/aprendizagem.
Esse viés dos estudos linguísticos concebe a escola como uma instituição que respeita
o aluno e a variedade que lhe é identitária, instrumentando-o para ampliar o seu repertório
linguístico por meio do conhecimento de outras variedades, mas nunca pela substituição de
uma pela outra.
42
Há uma realidade da qual todos nós fazemos parte, que julga e condena de acordo com
usos linguísticos e traz em seu bojo os “fiscais da língua” a ditarem o certo e errado,
perpetuando o preconceito e impetrando a discriminação linguística.
Diante disso, a Sociolinguística Educacional tem encontrado nos estudos do
Letramento um caminho para a efetivação de seu papel social, ou seja, conscientizar o aluno
da necessidade de adequar sua expressão linguística em momentos cuja interação pede uma
fala monitorada. Ao se apoderar da escrita e das normas regentes de seus processos, o aluno
transfere esse conhecimento para a fala, já que tem consciência da existência de normas
adequadas aos diferentes contextos de seus atos de interação.
O conceito de Letramento e sua relação com a abordagem da variação em sala de aula
são apresentados e discutidos no próximo item.
2.2.3 Letramento
Foi o primeiro desses que encontrei, de romance,
porque antes eu só tinha conhecido livros de estudo.
Nele achei outras verdades, muito extraordinárias.
(Guimarães Rosa)
Na epígrafe, um dos tipos de letramento é destacado: o letramento adquirido por meio
dos livros, o letramento literário. Entretanto, as perspectivas dos novos estudos de letramentos
– no plural – compreendem-nos como múltiplos e historicamente situados.
Os estudos sobre o Letramento tomaram maior dimensão em minha trajetória a partir
da inserção no Projeto Pontes, coordenado pela professora Stella Maris Bortoni-Ricardo,
desenvolvido na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
Tendo o propósito de construir “pontes” entre o produto da pesquisa sistemática da
Sociolinguística Educacional e a formação de professores, o projeto investiga o processo de
familiarização de professores em formação inicial ou continuada com os estudos de
Sociolinguística de viés educacional, de modo a promover o empoderamento desses
profissionais.
Transpor as barreiras que separam o saber acadêmico do trabalho pedagógico é a
intenção do Projeto. Na busca por estabelecer ligações entre a pesquisa e a prática efetiva,
pretende habilitar os professores a abordarem adequadamente a variação linguística em sala
de aula, bem como a agirem no sentido de favorecer aos alunos a apropriação de requisitos
43
próprios da cultura letrada. Visa propiciar meios de os educadores estenderem esses meios aos
seus alunos, tornando-os sujeitos letrados.
Como se vê em Bortoni-Ricardo e Machado (2013), os procedimentos pedagógicos
para o ensino de língua materna, da maneira como vêm se efetivando, não favorecem o
Letramento, pois enfatizam o ensino da gramática normativa per si. Com isso, a variação
linguística é apagada, a dinamicidade da língua é camuflada e o acesso ao conhecimento é
prejudicado, atos que, juntos ou separadamente, impedem a progressão dos alunos e o acesso
à cultura letrada. O resultado do ensino atual é observado na mínima porcentagem de
indivíduos capazes de transitar seguramente entre os domínios sociais.
Uma prova disso está nos resultados do PISA (Programa Internacional de Avaliação
de Alunos), exame que avalia os alunos em sua capacidade de envolver-se de uma forma
geral com textos escritos, compreendendo-os, utilizando-os e refletindo sobre eles.
Em relação ao anterior (2009), os resultados de 2012 apresentaram piora. Quase
metade (49,2%) dos alunos brasileiros não é capaz de deduzir informações do texto, de
estabelecer relações entre suas diferentes partes e de compreender nuances da linguagem.
O país somou 410 pontos em leitura, dois a menos que a pontuação de 2009 e 86
pontos abaixo da média dos países da OCDE (Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico), o que nos coloca em 55ª lugar do ranking de leitura. Em
relação ao letramento, encontramo-nos em posição inferior à de países como Chile, Uruguai,
Romênia e Tailândia14.
O termo Letramento, originado do vocábulo inglês literacy, foi utilizado pela primeira
vez no Brasil por Mary Kato, em 1986, como o domínio da escrita na variedade culta da
língua.
Para Soares (2004, p. 18), trata-se do “o resultado da ação de ensinar ou de aprender a
ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como
consequência de ter-se apropriado da escrita”.
Kato (1986, p. 7), considerando letrado aquele que domina a variedade culta da língua,
enfatiza:
14
Conforme “Relatório Nacional PISA 2012 Resultados Brasileiros”. Disponível no Portal do INEP, em
http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2014/relatorio_nacional_pisa_2012_resultad
os_brasileiros.pdf
44
A função da escola, na área da linguagem, é introduzir a criança no mundo
da escrita, tornando-a um cidadão funcionalmente letrado, isto é, um sujeito
capaz de fazer uso da linguagem escrita para sua necessidade individual de
crescer cognitivamente e para atender às várias demandas de uma sociedade
que prestigia esse tipo de linguagem como um dos instrumentos de
comunicação. Acredito ainda que a chamada norma-padrão, ou língua falada
culta, é consequência do letramento, motivo por que, indiretamente, é função
da escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem falada
institucionalmente aceita.
Essa noção de Kato de cidadão funcionalmente letrado tem ligação estreita com os
modelos mentalizados por esse cidadão da realidade que o cerca, uma vez que ser letrado
funciona como um diferencial para interagir numa cultura em que o letramento dominante é
prestigiado, já que ele deve obter competência para assim agir.
Tratando de competência, chegamos ao conceito proposto por Hymes (1966-1972), de
competência comunicativa. Vemos, em Bortoni-Ricardo (2014), que tal conceito é derivado
da noção de aceitabilidade proposta por Goodenough (1957, p. 36), para quem a cultura “is
not a material phenomenon; it does not consist of things, people, behavior, or emotions15”
mas, sim o conjunto de coisas que as pessoas precisam conhecer e acreditar para interagir em
sociedade.
Ou seja, ser letrado relaciona-se àquilo que a sociedade julga aceitável, significa
dominar a linguagem institucionalmente aceita, a variedade linguística eleita por grupos
dominantes como a mais correta, cuja preferência não é eventual, mas, dependente de fatores
sócio-históricos.
Bortoni-Ricardo e Oliveira (2013, p. 53), nesse sentido, concluem que “em cada
situação, em cada evento ou ato de fala, os interagentes têm expectativas culturalmente
definidas sobre o que falar e como falar, o que aprofunda a responsabilidade da escola ao
trabalhar com a pedagogia linguística.”
Tfouni (1988), ao contrário de Kato, centraliza o letramento nas práticas sociais de
leitura e escrita e nas mudanças que podem ser sentidas em uma sociedade cujo letramento é
atingido por essas práticas.
Dessa maneira, a autora distingue letramento e alfabetização ao situar aquele na esfera
do social, enquanto esta se aloca no âmbito individual. Para a autora (1988, p. 9), letrar “tem
como objetivo investigar não só quem é alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado e,
neste sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social mais amplo”.
15
Não é um fonêmeno material; não consiste de coisas, pessoas, comportamento ou emoções (tradução minha)
45
Kleiman (1995), após comentar a complexidade em definir o termo, esclarece que o
conceito dependerá do pesquisador, já que, em estudos voltados para a comparação da
capacidade reflexiva linguística de sujeitos alfabetizados e não alfabetizados, ser letrado pode
tanto significar o domínio da metalinguagem da língua como ser capaz de agir em práticas
sociais cotidianas.
Para fins metodológicos, em publicação de 1995, Kleiman define Letramento como
“um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistemas simbólicos e como
tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos” (KLEIMAN, 1995, p.18-19).
Caracterizando essas práticas e correlacionando-as ao sucesso ou fracasso escolar, por
exemplo, letramento “significa uma prática discursiva de determinado grupo social, que está
correlacionada ao papel da escrita para tornar significativa essa interação oral, mas que não
envolve, necessariamente, as atividades específicas de ler ou de escrever” (KLEIMAN, 1995,
p. 18).
Ou seja, o letramento é um conjunto de práticas relacionadas ao uso, à função e ao
impacto social da escrita, utilizando esta como sistema simbólico em contextos específicos,
para determinados objetivos.
Mediante tal concepção, mesmo indivíduos sem contato com a educação formal e sem
dominarem o código escrito podem ser considerados letrados, desde que usem a escrita em
suas interações no contexto social. Em nova publicação, em 1998, apresenta o letramento
“[...] como as práticas e eventos relacionados com uso, função e impacto social da escrita”
(KLEIMAN, 1998, p.181).
Rojo (2009) apresenta três práticas sociais envolvendo sistemas de signos: a
alfabetização, o alfabetismo e o letramento. Por alfabetização, entende a “ação de alfabetizar,
de ensinar a ler e a escrever, que leva o aprendiz a conhecer o alfabeto, a mecânica da
escrita/leitura, a se tornar alfabetizado” (ROJO, 2009, p. 10-11, grifos da autora). Em relação
ao alfabetismo, a autora reflete:
Já alfabetistmo é um conceito bastante complexo, sócio-historicamente
determinado. Complexo, em primeiro lugar, porque envolve tanto as
capacidades de leitura como as de escrita. Em segundo lugar, essas
capacidades são múltiplas e variadas. Para ler não basta conhecer o alfabeto
e decodificar letras em sons da fala. É preciso compreender o que se lê, isto
é, acionar o conhecimento de mundo para relacioná-lo com os temas do texto
[...], interpretar, criticar, dialogar com o texto [...] Além disso, o que se
define como alfabetismo muda de uma época para outra, porque essas
definições refletem as mudanças sociais
46
Esse conceito de alfabetismo proposto pela autora pode ser considerado similar ao que
outros autores veem como letramento. Entretanto, ao aludir a situações em que há práticas de
letramento, como uma aula, uso do caixa eletrônico, bilhete ou uma letra de rap, Rojo (2009,
p. 11) diferencia ambos os conceitos, esclarecendo ser o letramento uma busca por “recobrir
os usos e práticas sociais de linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira,
sejam elas valorizadas ou não valorizadas, locais ou globais, recobrindo contextos sociais
diversos [...], numa perspectiva sociológica, antropológica e sociocultural”.
Explicando esse conceito, Rojo (2009) considera as práticas sociais de letramento
exercidas em todos os contextos passíveis de serem alcançados pelos indivíduos, como
responsáveis pela construção dos índices de alfabetismo e de desenvolvimento de leitura e
escrita. Dessa maneira, não concede exclusividade às praticas escolares, uma vez que
indivíduos analfabetos também participam de práticas de letramento.
Tal entendimento pode ter sido orientado por postulados que têm origem na década de
1980 e são consolidados nos anos 1990: The New Literacy Studies (Novos Estudos do
Letramento), definidos por Street (2003, p.77) como um campo de pesquisa que
represents a new tradition in considering the nature of literacy, focusing not
so much on acquisition of skills, as in dominant approaches, but rather on
what it means to think of literacy as a social practice (Street, 1985). This
entails the recognition of multiple literacies, varying according to time and
space, but also contested in relations of power. NLS, then, takes nothing for
granted with respect to literacy and the social practices with which it
becomes associated, problematizing what counts as literacy at any time and
place and asking "whose literacies" are dominant and whose are
marginalized or resistant.16
Em Kleiman (1995), vemos que as práticas de letramento na escola escoram em um
modelo parcial e equivocado, corroborando a concepção de Street (1984). Segundo o autor,
essa concepção, que prevê apenas uma maneira de desenvolver o letramento e, por isso
chamada de modelo autônomo, é a que prevalece em nossa sociedade.
Contrapondo-se a esse modelo, Kleiman (1995) apresenta o modelo ideológico,
igualmente proposto por Street, proposta que concebe “letramentos”, no plural, como práticas
16 Representa uma nova visão da natureza do letramento que escolhe deslocar o foco dado à aquisição de
habilidades, como é feito pelas abordagens tradicionais, para se concentrar no sentido de pensar o letramento
como uma prática social. Isso implica o reconhecimento de múltiplos letramentos, variando no tempo e no
espaço, e as relações de poder que configuram tais práticas. Os NLS, portanto, não tomam nada como
definitivo no que diz respeito ao letramento e às práticas sociais a ele relacionadas, preferindo, ao contrário,
problematizar o que conta como letramento em um espaço e tempo específicos e questionar quais letramentos
são dominantes e quais são marginalizados ou resistentes (tradução minha).
47
social e culturalmente determinadas e, como tais, pressupõem uma interface entre práticas
orais e letradas.
Kleiman (1995) alerta para as mudanças por que passam as práticas de letramento
conforme o contexto. O letramento é construído por meio de práticas sociais diversas
permeadas de eventos de letramento, “situações em que a escrita constitui parte essencial para
fazer sentido da situação, tanto em relação à interação entre os participantes como em relação
aos processos e estratégias interpretativas” (KLEIMAN, 1995, p. 40), eventos esses que se
personificam nos relacionamentos diários de cada indivíduo, realizados em suas redes de
interação social.
São diversas as práticas de letramento, coroadas de eventos letrados, dentro das redes
de interação, nas quais os adolescentes se engajam no seu dia a dia, como mensagens no
celular, sites da internet, redes sociais, cursos extracurriculares, blogues, lista de compras,
currículos, entre uma lista imensa de outros.
Dessa maneira, redes que envolvem possibilidade maior de eventos de letramento
podem influenciar a conformação da fala em favor da norma urbana, em especial de
adolescentes, dada a abertura para o novo, ao passo que as redes cuja orientação se volte para
eventos não letrados podem favorecer a manutenção do falar rural.
Todos os adolescentes investigados têm em comum a integração à rede escolar. Como
já mencionado, a escola é tida como a agência de letramento por excelência, mesmo que,
consoante Kleiman (1995), preocupe-se apenas com um tipo de prática de letramento, a
alfabetização.
Dessa maneira, é possível supor que todos os informantes aqui analisados tenham
relativa autônomia no uso da língua, no que se refere a ler, escrever e interpretar textos ou
usar a oralidade letrada, uma vez que todos têm na escola o acesso a eventos e práticas de
letramento que favorecem esse alcance.
Nesse sentido, importa analisar o grau de eventos de letramento de outras redes em
que se inserem e qual o peso dessas redes para a mudança ou a manutenção linguística, mas,
antes, convém especificar melhor qual o tipo de letramento analisado.
Algumas agências de letramento, como a escola, a universidade, a igreja, o local de
trabalho, entre outros, podem favorecer ou não o acesso ao letramento dominante ou de
prestígio, entretanto, fora desses espaços, há eventos com diferentes sentidos e distintas
maneiras de engajar os sujeitos ou grupos sociais, por meio de formas alteranativas de
letramento.
48
Dentro dessa verificação, vale observar alguns conceitos-chave, como variação,
mudança e manutenção linguística, sobre quais passo a discutir no item seguinte.
2.2.4 Variação, Mudança e Manutenção Linguística
Afinal, se uma língua tem de ser estruturada, a fim de funcionar eficientemente,
como é que as pessoas continuam a falar enquanto a língua muda?
(William Labov)
Se a Dialetologia encontra respaldo divino, também a variação pode corroborar feitos
celestiais. No livro bíblico Ato dos Apóstolos, narra-se uma festa cristã para celebração da
colheita, na qual línguas de fogo desceram dos céus, representação simbólica do Espírito
Santo, e pousaram sobre os apóstolos, tornando-os aptos, com isso, a falarem as diferentes
línguas dos povos diversos reunidos em Jerusalém para aquela festividade. Dessa maneira, ao
contrário do castigo simbolizado pela Torre de Babel, bem lembrado por Camacho (2010), a
intervenção divina marca a capacidade de entendimento dentro da diferença, a possibilidade
de interagir com o outro, mesmo havendo raças, condições sociais, idades e povos diferentes.
Ainda que constitutiva das línguas e respaldada pela santidade, a variação não é de
todo aceita, em especial pelo senso comum, sendo execrada como um pecado ou um veneno
letal.
Em relação a isso, Camacho (2010, p. 141) pondera:
A universalidade e a ubiquidade da variação deveriam sugerir que sua
existência é motivada pela satisfação de algum tipo de necessidade humana.
Paradoxalmente, entretanto, a espécie humana nega a existência da variação
e onde quer que ela ocorra faz o maior esforço para reduzir seus efeitos,
como se exorcizasse uma criatura indesejável, como se reconhecer sua
existência equivalesse a reconhecer uma culpa que merece expiação.
Por sua vez, Castilho (2010, p. 197) certifica: “As línguas são constitutivamente
heterogêneas [...]”, assim sendo, a variação é um fato.
De sua parte, Calvet (2007) afirma a característica evolutiva mutável das línguas, em
que a mudança pode ser vista em progresso, num mesmo momento sincrônico, tendo a
variação geracional a capacidade de ser indício de mudança. Isso vem completar o
pensamento de Camacho (1988), o qual credita essa característica também aos graus de
contato entre os indivíduos integrantes da comunidade universal.
49
Ou seja, é possível perfeitamente o uso de um vocábulo, uma expressão ou uma
estrutura em lugar de outra, sem alteração semântica, sem que os sentidos sejam modificados.
Destarte, a variação linguística é possível.
A palavra menino pode ser pronunciada, no português do Brasil, como [mɛninu],
[mininu], [menino]. Posso tanto guardar minhas canetas em um estojo, como em um penal. É
possível expressar-se formal ou informalmente, seguindo rigidamente as regras gramaticais ou
utilizando uma variedade popular. “Nós andamos de bicicleta” ou “Nóis anda de bicicreta”
têm o mesmo conteúdo semântico e a mesma capacidade comunicativa.
Definindo variação linguística como a possibilidade de usos linguísticos permutáveis,
importa, também, esclarecer que ela pode acontecer relacionada a alguns fatores externos,
como o local em que se produz a fala, a classe social ou a escolaridade dos falantes, o
momento ou o tempo em que os atos de interação acontecem.
Alguns autores preocuparam-se em classificar e nominar a Variação Linguística de
acordo com os fatores mencionados. É o caso de Coseriu (1982), Camacho (1988), Ilari e
Basso (2006) e Castilho (2010)17. Para este estudo, optei pela classificação de Camacho
(1988), o qual organiza a Variação em Variação Histórica ou Diacrônica, Geográfica ou
Espacial, Social e Estilística.
Variação Histórica ou Diacrônica refere-se às mudanças linguísticas resultantes da
evolução histórica, desde que seja possível reconhecer, consoante Camacho (1988, p. 30),
dois estados sucessivos na língua, em que “duas variantes diacrônicas, a substituta e a
substituída” coexistam ao mesmo tempo, até que uma caia desuso e a outra passe a acontecer
de maneira única.
A Variação Geográfica ou Espacial é a mais perceptível. Embora não dificulte a
intercompreensão, como já dito, a simples apresentação a um desconhecido já nos oferece
meios para identificar sua origem. Usou um “tu”, carregou no “erre”, nos “esses” ou alçou
uma vogal e já podemos situá-lo em alguma região do Brasil ou identificá-lo como
estrangeiro, pois se trata dos diferentes modos de falar relacionados à região. Camacho (1988,
p. 29) assegura que “sem sair das fronteiras políticas brasileiras, é possível também identificar
um nordestino e distingui-lo de um paulista pelo seu modo característico de falar”.
A Variação Social, “resultado da tendência para maior semelhança entre os atos
verbais dos membros de um mesmo setor sociocultural da sociedade” (CAMACHO, 1988, p.
17Coseriu classifica a variação em diacrônica, diatópica, diastrática e diafásica; Ilari e Basso, em diacrônica,
diatópica, diafásica e diamésica; por fim, Castilho classifica em geográfica, sociocultural, individual, temática
e de canal.
50
32), relaciona-se às diferenças de ordem socioeconômica, sociocultural e sociobiológica, por
conseguinte, traz em seu bojo o estigma e o preconceito.
A capacidade verbal de cada membro de uma comunidade linguística
homogênea do ponto de vista geográfico é, com efeito, adquirida num meio
— o ambiente familiar e, num sentido mais geral, a classe social —
caracterizado por normas de conduta e padrões culturais e, portanto,
linguísticos, diferentes aos de outros membros pertencentes a um setor
distinto.
Já a Variação Estilística relaciona-se ao registro, ao papel social desempenhado no
momento da interação linguística. Como bem apregoa Camacho (1988, p. 33),
Efetivamente, não há falante de região e meio social homogêneos que fale
sempre da mesma forma. Numa comunidade linguística em que todos os
membros tenham nascido e vivido no mesmo local e no mesmo âmbito
social, a simples observação de sua atividade revela diferenças notáveis de
estilo, de acordo com a variação das circunstâncias em que o ato se produz.
Sabendo que toda mudança implica necessariamente a variação, ao passo que nem
toda variação acarreta em mudança, já que a mudança é gradual, imbricada em um período
necessário de variação, algumas questões fazem-se pertinentes. Que fatos ocasionam a
determinada variante “vencer a luta” com outra e se tornar estável, a ponto de estabelecer a
mudança? Por que as línguas mudam? O que compreende a mudança?
Silva-Corvalán (1989) alerta para a variabilidade de escolas linguísticas que podem
responder a tais perguntas: neogramática, estruturalista e sociolinguista, e Mattos e Silva
(2006) acrescenta ser possível perceber a mudança em seu sentido estrito e lato. Estritamente
analisados, orientam-se pela Linguística Histórica e Diacrônica; no sentido lato, a orientação
se dará pelo viés da Dialetologia, da Sociolinguística Variacionista, da Etnolinguística e
mesmo da teoria da conversação, quando utilizar corpora.
Interessa-me, nesta pesquisa, a visão sociolinguística, por meio da qual Weinreich,
Labov e Harzog (2011) sugerem como início da mudança a generalização de determinada
variante em um subgrupo de uma comunidade, de modo a conquistar certa direção até adquirir
significação social. Para os autores, a mudança estará concretizada quando tal variante se
converter em elemento linguístico categórico no cerne daquela comunidade de fala.
Em Silva-Corvalán (1989, p. 164), conhecemos a importância das reações subjetivas
dos usuários da língua, uma vez que
51
En las etapas finales de un cambio, las reacciones subjetivas hacia el rasgo
innovador tienden a ser altamente positivas, tanto en la evaluación del habla
de otros hablantes como de la propia; es decir, la variante que está en vías de
imponerse se considera un rasgo de prestigio o al menos no estigmatizado.
La actitud opuesta podría conducir a un cambio desde arriba y a un processo
regresivo de supresión de la variante estigmatizada.18
Labov (2008) acredita que, na explicação da mudança linguística, três problemas estão
envolvidos: a origem da variação, a difusão e propagação, e a regularidade da mudança
linguística. Também esclarece haver um ponto de partida para tal tripartição: a variação em
um ou mais termos na expressão oral de um ou mais falantes, cuja indução pode ocorrer por
assimilação ou dissimilação, analogia, empréstimo, fusão, contaminação, variação aleatória
ou outros processos em que haja interação entre o sistema linguístico e as características
fisiológicas ou psicológicas dos usuários da língua. Dentre essas possíveis variantes, umas se
extinguem rapidamente, ao passo que outras são recorrentes, até o ponto de serem imitadas,
difundindo-se e contrastando com formas antigas, para, em outra etapa, sobrepujarem-se as
antigas, alcançando a regularidade e o uso constante pelos falantes.
O pesquisador (2008) observa a precariedade de explicações relacionadas à
propagação e à regularidade da mudança, contrastando com o grande número de fatos que
tratam de sua origem, mas afiança a importância do tempo e do lugar para as alterações na
língua, uma vez que “nenhuma mudança acontece num vácuo social” (LABOV, 2008, p. 20),
já que a vida social de uma comunidade, para o autor, é primordial para o entendimento da
mudança linguística.
Dessa maneira, estabelece a observação de duas gerações de falantes com
características sociolinguísticas idênticas, como o meio mais fácil para detectar a mudança
linguística.
Outro fator importante está na manutenção linguística. Silva Neto (1976) concede ao
contato a responsabilidade pelo desenvolvimento e pela evolução das sociedades, por ele ser
repleto de visões de mundo, ideias e atitudes díspares, sendo, assim, o responsável pela
mudança cultural e linguística. Em contrapartida, assevera que “o isolamento condiciona um
tipo arcaico da vida e, conseguintemente, uma linguagem mais conservadora” (SILVA
NETO, 1976, p.186).
18
Nos estágios finais de uma mudança, as reações subjetivas ao recurso inovador tendem a ser altamente
positivas, tanto na avaliação da fala de outros oradores como de sua própria; isto é, a variante que está em vias
de se impor é considerada de prestígio ou, pelo menos, não estigmatizada. A atitude oposta poderia conduzir a
uma mudança a partir de cima e uma processo regressivo de supressão variante estigmatizada. (tradução
minha)
52
Labov (1994) corrobora tal pensamento ao ressaltar a importância do contato, pois,
quanto maior for a frequência relacional entre os falantes, maior será a expansão da mudança.
Consoante tal assertiva, é possível entender o distanciamento entre falantes de repertórios
linguísticos diferenciados como fator de inibição da variação, restringindo-a a determinada
comunidade de fala, favorecendo a manutenção linguística.
Em se tratando da questão da difusão ou manutenção/focalização linguística, o papel
das Redes Sociais de interação, tema da próxima seção, é crucial.
2.2.5 Redes Sociais de interação
Diga-me com quem andas e direi quem és.
(Ditado Popular)
A existência social de um indivíduo, geralmente, é dinâmica. De um adolescente
padrão, é, mais que isso, vivaz e intensa.
Conquanto os relacionamentos locais sejam mais frequentes e o conhecimento entre
membros de uma mesma comunidade de fala seja mútuo, as pessoas movem-se, aderem a
diferentes movimentos, engajam-se a variados empreendimentos, inserem-se em outros
grupos, adentram outras sociedades nas quais as relações identitárias têm lugar. Ou seja, há
um sensível e tenaz vínculo entre as relações sociais e variação e mudança linguística.
Há três conceitos-chave em Sociolinguística, no âmbito questão interação-variaçãomudança: comunidades de fala, redes sociais de interação e comunidades de prática, mas
todos abarcam a interação.
Os trabalhos com base na Sociolinguística Variacionista estruturaram-se a partir do
conceito de comunidade de fala proposto por Labov19. Por esse viés, o que torna diferente a
expressão oral de uma classe ou de outra é a frequência de uso de determinada variante
estigmatizada durante processos linguísticos não monitorados, o que concerne entender que os
integrantes de uma mesma comunidade de fala, não importando sua classe social, utilizariam
com a mesma frequência um uso estigmatizado. Cabe aqui ressaltar que tal conceito é
bastante questionável.
Como tais normas seriam avaliadas valorativa e conscientemente pelos usuários da
língua, a percepção de Labov leva-nos a conceber Nova Iorque como uma única comunidade
de fala, como explica Milroy (1987, p. 13) “Todos os falantes de Nova Iorque, do mais alto ao
19
“a comunidade de fala não é definida por nenhuma concordância marcada no uso de elementos linguísticos,
mas sim pela participação num conjunto de normas compartilhadas” (LABOV, 2008, p. 150).
53
mais baixo status, são vistos como constituindo uma única comunidade de fala porque, por
exemplo, eles concordam ao considerar como prestigiosa a presença do [r] pós-vocálico20”
(MILROY, 1987, p. 13, tradução minha).
Mediante isso, Severo (2007, p. 10) destaca que Labov “ao priorizar a noção uniforme
e ampla de um grupo de indivíduos que compartilham normas sobre a língua, ignora as
diferenças individuais”. Milroy (1987) igualmente critica a pressuposta unidade laboviana,
pois entende que, em vez de compartilhar da mesma variante, a classe social menos
favorecida sofre a imposição dos valores do grupo dominante, representante da classe
privilegiada.
Gumperz (1972), relavitivizando a generalização feita por Labov, concebe
comunidade de fala como qualquer conjunto humano que se caracteriza por interagir regular e
frequentemente por intermédio de um corpo compartilhado de signos verbais, diferenciado de
conjuntos parecidos por meio de diferenças significativas de uso linguístico.
Ou seja, divergindo de Labov, prioriza os usos linguísticos compartilhados por
indivíduos que mantêm certa frequência de interações, já que, como afiança Severo (2007, p.
4), “aciona outros aspectos, como as interações face a face, as semelhanças linguísticas e a
lealdade linguística para definir a comunidade de fala”.
Tendo essa perspectiva voltada para as interações sociais, os estudos posteriores de
Gumperz levaram-no a definir comunidade de fala como uma coletividade de encadeamentos
sociais. Dessa maneira, aproxima-se da concepção adotada em estudos cuja metodologia visa
clarificar o vínculo existente entre padrões sociolinguísticos gerais e práticas locais, como os
realizados por Milroy (1987).
As pequisas de Milroy (1987) propõem uma nova conceituação para a comunidade de
fala, alicerçada pelas interações sociais entre pessoas e as conexões estabelecidas nessas
interações, visto que, vivendo em sociedade, os indivíduos comumente adotam condutas
paritárias às dos integrantes de seus grupos de interação, incluindo aí o comportamento
linguístico. A pesquisadora usa, portanto, o conceito de Redes Sociais.
A noção de comunidade de prática, proposto por Eckert (2000), alude às relações
interindividuais dinâmicas e complexas, mas que são, concomitantemente, homogêneas e
estáticas, de constituição de identidades.
Eckert (2000, p. 35) define comunidade de prática como um ajuntamento de pessoas
cujo objetivo é o mesmo, interferindo na identidade pessoal, uma vez que “unidas por esse
20
All New York speakers from the highest tolowest status are said to constitute a single speech community
because, for example, they agree in viewing presence of postvocalic [r] as prestigious.
54
empreendimento comum, as pessoas passam a desenvolver formas de fazer as coisas, formas
de falar, crenças, valores — resumindo, práticas —, como uma função do engajamento mútuo
deles na atividade”.
Interessa-me, neste trabalho, a noção de Redes Sociais, conforme modelo proposto por
Milroy (1987).
2.2.5.1 O conceito de redes
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
(“Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade)
As pessoas se frequentam cotidianamente, daí estabelecem contatos, interações
concretas que se efetuam e se constituem por meio de redes de interação. Inicialmente base de
estudos antropológicos, a sistematização desse conjunto de vínculos estabelecidos entre as
pessoas chega à Sociolinguística pelas mãos e pelo estudo de Lesley Milroy.
Entretanto, ainda que mais focado em estudos quantitativos e tendo a visão de
comunidade de fala mais fechada, como mencionei anteriormente, mesmo Labov operou com
a noção de redes sociais. Um estudo realizado na Filadélfia, com o intuito de identificar os
líderes da mudança linguística, levou o pesquisador a reconhecer a importância dos vínculos
sociais, quando percebeu que a explicação de certos fenômenos de mudança dependia mais da
história e das relações do indivíduo do que própria e unicamente do indivíduo.
Estudos das Redes Sociais de interação, termo traduzido do inglês Social Networks,
apresentam uma abordagem complementar sobre as questões da variação e da mudança
linguística, visto que as concebem como resultado da interação entre falantes inseridos em
determinados contextos sociais e situacionais, fatores essenciais que não podem ser
descartados na medição e mensuração da variação/mudança, bem como secundarizam a
importância de variáveis linguísticas e sociais descontextualizadas, favorecendo a
aproximação das análises à dimensão do cotidiano, fugindo, com isso, de generalizações
universais.
Além disso, quando aplicadas ao estudo da linguagem, servem como auxiliares para o
esclarecimento dos mecanismos sociais cotidianos favoráveis à manutenção ou mudança da
55
expressão linguística de indivíduos, pois visam explicar por que sujeitos com características
tão próximas, como é o caso dos alunos pesquisados neste trabalho — ou seja, mesma idade,
escolaridade, estrato social e história de vida aproximados, entre outros fatores — apresentam
diferenças tão marcantes em sua expressão oral.
Severo (2007, p. 5) esclarece que
A noção de redes sociais foi desenvolvida por antropólogos sociais durante
os anos 1960 e 1970, tendo sido importada para os estudos sobre a
variação/mudança com a finalidade de explicar a relação entre os padrões da
manutenção do vernáculo e os padrões de mudança linguística, no decorrer
no tempo.
Dentro disso e como já mencionado, foram as investigações empreendidas por Milroy
(1987), rastreando os grupos de interação aos quais os indivíduos em suas comunidades
decidiram pertencer, em três comunidades proletárias da cidade de Belfast, na Irlanda,os
marcos introdutórios dos estudos das Redes Sociais de interação, bem como os elementos
conjuntivos dessa metodologia aos estudos da Sociolinguística.
Bortoni-Ricardo (2011, p. 15) define Redes Sociais de interação como “um conjunto
de vínculos de todos os tipos entre os indivíduos em um grupo”. Na visão de Severo (2007),
são meios de averiguação dos mecanismos presentes nas comunidades que facilitam ou
dificultam a mudança, os quais também servem para analisar o modo como os indivíduos
usam os recursos da variabilidade linguística que lhes são disponíveis.
Essas redes representam os graus de contato entre indivíduos que se relacionam
cotidianamente de acordo com propriedades como density (densidade), relacionada à estrutura
da rede, e multiplexity (multiplexidade), condizente com o conteúdo da rede.
Em Milroy (1987, p. 50), lemos que “uma rede é considerada relativamente densa se
um grande número de pessoas se liga umas às outras de diferentes formas21” (tradução
minha). Fator de suma importância para descrever adequadamente comportamentos sociais, a
densidade pode ser calculada por uma fórmula simples (Figura 1), cujo resultado expressa as
totais possibilidades de ligações, mediante as aderências atuais dos indivíduos dentro de suas
redes, em que Na significa as ligações atuais e N, o valor de possibilidades:
21
A network is said to be relatively dense if a large number of the persons to whom ego is linked are also linked
to each other.
56
Figura 1 – Fórmula densidade
Fonte: Milroy (1987)
Quanto maior for o número de pessoas que se conhecem entre si internamente em um
grupo, maior a densidade da rede, informa ainda Milroy (1987), pois, ao se relacionarem
avidamente em sua rede, o contato com o exterior é minimizado, uma vez que cada indivíduo
tem poucas possibilidades de usar suas relações para contatar pessoas e ser contatado por
pessoas de fora dos limites do grupo. Em contrapartida, uma rede em que poucas pessoas se
conhecem mutuamente é uma rede de tessitura frouxa, com pouca densidade.
Em relação à multiplexidade, a autora considera as características dos laços dentro das
redes tão importantes quanto as próprias redes, uma vez que, mesmo estando dentro da
mesma ordem, alguns laços podem ser mais influenciáveis que outros. Tal noção também
pode ser calculada por uma formula simples (Figura 2), em que Nm representa o número de
laços multiplex e N, o número de elos atuais:
Figura 2 – Fórmula multiplexidade
Fonte: Milroy (1987)
Dentro desse conceito, Milroy (1987) faz uma bipartição entre multiplexidade e
uniplexidade. Um vínculo será uniplex quando um integrante da rede representar um papel
apenas em relação ao outro, por exemplo, apenas patrão e empregado. O grau de
complexidade aqui é baixo, já que os papéis sociais exercidos pela mesma pessoa não são
diversificados, devido aos restritos domínios de atividades sociais.
Será multiplex quando assumir uma gama de papéis, ou seja, sendo patrão, pode ser
também vizinho, tio, pastor, entre outros. Milroy (1987, p. 51) comenta: “o mesmo homem
57
pode ligar-se a uma pessoa como colega de trabalho, vizinho, parente ou em outras formas22”
(tradução minha). Entre os alunos pesquisados, há casos de redes das duas tessituras, como
mostrarei adiante.
Dentro desse conceito, em uma de suas investigações, Labov (2006) observou que o
status ocupado na rede é central para a mudança, uma vez que pessoas em alto status em suas
comunidades são as responsáveis pelas mudanças linguísticas; todavia, são os contatos dentro
e fora da rede que diferenciam os líderes da mudança quando se encontram no mesmo
patamar de importância dentro da rede.
Bortoni-Ricardo (2011) frisa a importância dos papéis sociais para a distinção entre
rural e urbano, uma vez que, em localidades rurais, é comum o indivíduo exercer diversos
papéis numa mesma comunidade de fala, o que gera uma dependência linguística entre os
membros dessa comunidade, ao passo que, em localidades urbanas, os conhecidos podem ser
vários, cada um com um papel bem marcado. A autora (2011, p. 94) esclarece: “enquanto o
meio urbano caracteriza-se por um alto nível de densidade de relações de papéis, o ambiente
em vilarejos apresenta um baixo nível desse tipo de densidade”.
Milroy e Milroy (1985) afirmam a proeminência destes fatores e reiteram a relevância
da força dos laços interindividuais e da configuração da própria rede. Para os autores, há laços
fortes e fracos conectando indivíduos em rede. Laços fortes, caracterizados por ligações
multiplex, tendem a se concentrar em grupos particulares, pois unem indivíduos em diferentes
tipos de interação, como colegas de trabalho, vizinhos, aluno/professor, cunhado/patrão, etc.,
ao passo que laços fracos conectam indivíduos entre grupos, e, por essa razão, propiciam a
propagação da inovação.
Já nos estudos em Belfast, Milroy (1987) atenta para a configuração das redes sociais
mediante laços sociais fortes ou fracos. O estabelecimento de laços fortes acontece por
intermédio de vínculos rotineiros e contínuos com parentes, vizinhos e amigos, de modo que o
alto nível de intimidade assegure contatos cotidianos. Laços fracos, em outra mão, decorrem
de atividades várias, não intensas e sem ligas extremadas.
A autora (1987, p. 50, tradução minha) também menciona que
Clusters são segmentos ou compartimentos de redes cuja densidade é relativamente alta, já
que as relações inseridas nestes clusters são mais densas do que as existentes no exterior, por
serem, geralmente, de conteúdo semelhante, já que as redes pessoais da maioria das pessoas
consistem em uma série de clusters em que os laços são, por exemplo, as de parentesco,
ocupação, participação em grupo específico e muitos outros.23
22
23
The same man may be connected to ego as co-employee, neighbour, kin and in many other capacities.
Clusters are segments or compartments of networks which have relatively high density: relationships within the cluster are
denser than those existing externally and may also be considered as being relationships of like content. Most people's
58
Por meio da definição dos laços, a pesquisadora estabelece uma seriação distintiva
entre as redes, ordenando-as em redes de primeira e de segunda ordem. Entre as de primeira
ordem, aloca as redes formadas pela família e por amigos; de segunda, as constituídas por
pessoas cujo convívio acontece uma boa parte do tempo, sem que haja intimidade para, por
exemplo, pedir conselho ou segredar algo.
O produto da soma desses laços resulta na tessitura da rede, a qual, nos aspectos
estruturais estabelecidos por Milroy (1987), envolve a densidade e a multiplexidade. Essa
tessitura estabelece os elos entre as redes, pois, como mostra a autora, uma rede de alta
densidade possui pontos interconexos, inclusive entre de primeira e segunda ordem, ao passo
que a redes de baixa densidade apresentam pontos difusos, com grande espaçamento e sem
elos de coesão. Essas ligações serão mais bem explicitadas, em minha análise, com a
utilização do programa Egonet, que será detalhado no capítulo 4.
Discorrendo sobre a questão, Bortoni-Ricardo (2011) fala de isolamento e integração
de redes. Em seus estudos, constatou que as redes em que há um limite territorial demarcado,
restrito à família e aos vizinhos, podem se isolar, ao contrário daquelas em que não há
limitação territorial e os integrantes se relacionam em variados contextos sociais, cuja
tendência é para a heterogeneidade e, com isso, tornam-se integradas.
Importante destacar que “relatively dense networks are generally considered to
function effectively as norm enforcement mechanisms” (MILROY,1987, p. 50), ou seja, é
característica inerente a certos tipos de rede funcionar como reforço normativo.
Nesse sentido, Bortoni-Ricardo (2005, p. 85) argumenta:
Quando as redes apresentam uma “tessitura densa”, isto é, quando há um
alto grau de densidade, seus membros atingem grande consenso normativo e
exercem consistente pressão informal uns sobre os outros, visando à
conformação das normas consensuais. Por outro lado, quando a rede
apresenta “tessitura frouxa”, há maior probabilidade de variação das normas
(grifos da autora).
Com isso, observa-se que há um liame entre redes de interação, conservação de
variedades e assimilação da língua padrão.
Esses espaços de interação entre os indivíduos são fundamentais para a depreensão da
mudança e da manutenção, pois abarcam mecanismos que podem ser tendenciosos tanto para
facilitar como para dificultar a mudança linguística. Serem densas ou frouxas implica
personal networks consist of series of clusters where ties are, for example, those of kinship, occupation, specific group
member ship and many others.
59
diretamente nos costumes linguísticos, sobretudo no que concerne à manutenção e à inovação
linguística.
Os alunos analisados neste trabalho podem ser inseridos dentro da mesma classe
social, notadamente entre os menos favorecidos, entretanto, como bem observa BortoniRicardo (2011), essa classificação não é adequada, pois não considera as diferenças de renda,
ocupação, entre outras, por isso o foco em suas redes de interação, que pode trazer luz a
diferenças sutis e indicar redes referenciais dos indivíduos em relação ao grau de adesão à
cultura hegemônica.
Se laços fortes, inseridos em redes densas, podem reforçar o falar local e laços fracos,
traços de redes frouxas, propagar mudança, a fala dos alunos do Colégio Estadual de Paiquerê
em direção à norma urbana ou fixada no falar rural encontra aqui uma explicação
fundamental. Dentro dessa perspectiva, as noções de difusão e focalização têm papel
importante.
Le Page (1980, p. 15-16) estabelece que
Envolvemo-nos em atividades que eu chamo de projeção e de focalização:
por meio da fala, projetamos para o grupo social os conceitos que formamos,
de modo a fornecer o nosso universo e tentar levar os outros a reconhecerem
do que somos feitos. Depois, tentamos trazer os nossos conceitos para foco
alheio, de modo a que haja um feedback a partir do tecido social por meio da
linguagem.24
Dessa maneira, o autor propõe o conceito de difusão como resultado da mobilidade
física e social dos falantes que se encontram em área de contato dialetal. Contrariamente, em
comunidades estabelecidas há longo tempo onde não há contato dialetal, ocorre a focalização.
Esses conceitos, intrinsecamente ligados às caracterizações das redes sociais, têm
implicação direta nos usos linguísticos, especialmente em relação à manutenção e à mudança
linguística. As pesquisas citadas (MILROY, 1987; BORTONI-RICARDO, 2011; OLIVEIRA,
2014) apontaram disposição para a manutenção e focalização do falar identitário em
comunidades cujas redes são isoladas, devido à resistência pela mudança linguística. Em
contrapartida, em redes integradas e abertas à mudança foi caracterizada maior difusão.
24
We engage in activities I call projection and focussing: we project on to the social screen the concepts we
have formed, by talking about them, so as to furnish our universe and try to get others to acknowledge the
shape of the furniture; we in turn try to bring our concepts into focus with those of others, so that there is
feedback from the social screen through language.
60
Podem ser definidas como redes isoladas aquelas restritas à família extensa e a
vizinhos próximos e como redes integradas as que são constituídas em contextos sociais
amplos.
Dessa maneira, redes isoladas podem ser potenciais favorecedoras do falar identitário;
com alto grau de densidade, sua configuração passa a funcionar como mecanismo de
resistência à mudança. Essa seria característica, de acordo com Milroy (1987) de redes em
áreas rurais, caso do Distrito de Paiquerê, as quais tendem à alta densidade e multiplexidade,
conceitos sobre os quais já discorri anteriormente.
Bortoni-Ricardo (2011) certifica a conexão entre o isolamento das redes e a
manutenção linguística, tanto em pequenos lugarejos como em localidades metropolitanas
territorialmente definidas, cuja coesão social, étnica ou religiosa é alta. E, ainda, a associação
existente entre redes de tessitura miúda e a preservação da linguagem minoritária, tanto
quanto a ligação entre redes abertas e a linguagem dominante.
Entre alguns adolescentes aqui analisados, em especial os que trabalham fora do
distrito, foi possível notar a difusão do falar rural, como ocorrido em Brasília e observado por
Bortoni-Ricardo (2011), no sentido de afastamento, como utilizado pela autora, já que não
houve, necessariamente, aquisição da norma culta, mas de um falar menos estigmatizado,
mais distante do falar rural.
Os informantes INF1, INF6, INF23, INF24 inserem-se em redes externas às
comumente rurais, pois trabalham fora do distrito, indo para a cidade diariamente. Já a
informante INF7 tem seu trabalho no distrito, mas pode apresentar alguma mobilidade de
redes, visto que sua atividade profissional admite contato com pessoas de toda sorte.
Informantes como INF15, INF18, INF20, INF21 e INF22, como trabalham apenas no sítio,
quase todos tendo seus pais como patrões e sem carteira assinada, marca do trabalho urbano,
apresentam contatos mais restritos. Dessa maneira, com os primeiros, a possibilidade de
difusão é maior que para os últimos, os quais podem apresentar maior focalização, visto que,
como bem observa Bortoni-Ricardo (2005, p. 123), “a fala em comunidades rurais isoladas
pode ser considerada como uma forma altamente focalizada do vernáculo rural”.
A questão da focalização e da difusão tem muita relação com a identidade do
indivíduo e ao papel social representado. Alguns falantes podem usar uma variedade
linguística difusa em suas interações exteriores à sua comunidade de origem, mas manterem
um falar focalizado ao interagirem com os seus. Bortoni-Ricardo, comentando estudo de
Blom e Gumperz (1972 apud BORTONI-RICARDO, 2011), lembra que a variedade local
61
representa a língua do lar e é uma marca identitária e cultural local, ao passo que o padrão
representa valores externos.
Mas não são só comunidades de fala rurais as propícias a promover a focalização de
uma variedade linguística. Os estudos de Milroy (1987) mostram que a focalização cultural e
a linguística estão associadas a uma estrutura de rede de malha estreita, podendo acontecer se
as condições forem adequadas e em qualquer estrato da sociedade. Ou seja, é comum os
integrantes das altas classes sociais participarem de grupos extremamente coesos, cujas redes
de interação tornam-se de estrutura densa, estática e multiplexa, favorecendo a focalização da
variedade urbana.
Não obstante esses fatos, a mobilização social, ainda que pequena, é possível.
Mediante isso, Bortoni-Ricardo (2005) coloca a ascensão social como outro fator
preponderante para a difusão de uma variedade não padrão, uma vez que, ao ascender
socialmente, esse processo é intensificado, pois o falante tende a integrar-se simbolicamente a
uma rede referencial da cultura dominante. Estancando socialmente, entretanto, suas redes
serão de textura densa, o que favorece a focalização, destacando os efeitos da combinação da
imobilidade geográfica e imobilidade social, geradores, ao longo de algumas décadas, de
condições para focalização do falar rural.
A esse respeito, vemos em Battisti (2014, p. 79) que “a concentração das relações
sociais nas redes, em um dado território, concorre para o desenvolvimento do sentimento de
pertença da identidade local, construída através da relativa homogeneidade de comportamento
[...]”.
Esse ponto é tratado no próximo tópico.
2.2.5.2 Mobilidade territorial e o sentido de pertença (localismo)
Aqui findo esta verdade
Toda cheia de razão:
Fique na sua cidade
Que eu fico no meu sertão.
Já lhe mostrei um ispeio,
Já lhe dei grande conseio
Que você deve tomá.
Por favô, não mexa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.
(Patativa do Assaré)
62
Labov (2008), ao investigar o comportamento linguístico dos moradores de Martha’s
Vineyard, constatou a relação de pertença dos falantes com a ilha. Moradores orgulhosos de
suas origens tendiam a usar determinada variante para marcar seu espaço, firmar sua condição
de morador local, demonstrando aquilo que o pesquisador denominou de “orientação para a
identidade”. Em contrapartida, desejosos de sair desse espaço tendiam a usar a variante
comum aos turistas, em uma tentativa de se misturar, mostrar-se do mundo, não relacionado
àquele local, ou voltados para uma “orientação para o prestígio”, nas palavras de Labov.
Milroy (1987, p. 14), em Belfast, também observou a relação de pertença a uma
comunidade, ou a identificação a determinado grupo como fator preponderante para
determinados usos, o que é corroborado por Le Page (1980, p. 15, tradução minha) quando diz
“Criamos nossas próprias regras, de modo a nos assemelharmos ao grupo ou aos grupos com
os quais desejamos nos identificar25”. A esse sentimento de pertença e o valor social positivo
atribuído ao território de pertencimento Milroy denomina localismo.
Bortoni-Ricardo (2011), em sua pesquisa antológica sobre migração e redes sociais,
constatou a relação de identidade ao grupo entre seus informantes, em especial entre as
mulheres, as quais, por manterem-se em redes mais densas, sofriam menos influência das
agências hegemônicas, ou instituições que, consoante Camacho (2010, p. 142), “têm como
uma de suas funções primárias ou secundárias a redução da diversidade linguística em favor
da norma-padrão”, mantendo-se, portanto, fiéis ao grupo original e à variante rural que lhes
era identitária.
Em trabalho realizado em 2010, ao analisar o porquê de os adolescentes, mesmo
conhecendo as regras de uso formal da concordância verbal, não a utilizarem, também
constatei o peso da identidade e o sentimento de pertença, em especial entre os adolescentes
integrantes das classes desfavorecidas e estudantes em escolas públicas, categoria cuja
porcentagem de informantes com essa característica foi muito alta.
Nesta tese, há a possibilidade de os adolescentes moradores das áreas rurais do distrito
serem mais propensos à manutenção do falar rural em favor do grupo em que se fixam, por
estarem inseridos em redes de maior densidade e multiplexidade, diferenciando-se dos que
moram na área mais central e que mantêm contato mais arraigado com a cidade e, com isso,
unirem-se a redes frouxas.
O fato pode estar relacionado ao que Milroy (1987, p. 14) promulga “there are social
units to which people feel they belong”, ou seja, há certas unidades sociais nas quais as
25
That we create our rules so as there is emble as closely as possible those of the group or groups with wish to
identify.
63
pessoas sentem-se pertencer, o que pode determinar o emprego do falar rural ou urbano, pois
a identidade de grupo, nascida de uma coesão originada pelas próprias condições de
sobrevivência grupal, de suas práticas sociais, dão-se basicamente em um único território.
Os protagonistas do trabalho de Milroy (1987) foram informantes moradores em
bairros de classe trabalhadora, os quais, por suas condições socioeconômicas, não se moviam
territorialmente, interagindo majoritariamente no próprio bairro, o que funciona como reforço
para o sentimento de pertença, gerando o localismo. A autora conclui que “É provável que
indivíduos que se movimentam social e geograficamente não apresentem essa lealdade local e
padrões de interação caracteristicamente densos dentro de área limitada26” (MILROY, 1987,
p. 16, tradução minha).
O localismo é produto da necessidade de autoafirmação, em que a vida em
comunidade, principalmente a relação com a vizinhança e as interações sociais ali realizadas
diariamente, sustenta as normas sociais, entre elas as de uso linguístico. Citando Milroy
(1987, p. 61, tradução minha),
A densidade extrema produz homogeneidade das normas e valores. Desde
que essa homogeneidade possa se estender às normas de interação e
especificamente linguísticas, a densidade dessas redes pode, em parte, ser
responsável pela grande consistência com que os falantes apresentam como
característica a lealdade às normas do discurso vernacular, ainda que haja
estigma social ligado a esse vernáculo.27
Tal entendimento pode explicar as motivações para a manutenção do vernáculo em
certas localidades e grupos, principalmente das classes desfavorecidas, a despeito da pressão
para adoção do falar urbano, pois o localismo agiria como um sinal da identidade grupal,
indicando lealdade à comunidade.
Referindo-se às classes privilegiadas, Milroy (1987) atesta a ligação entre a
densidade/multiplexidade das redes e a mobilidade. Interagindo em redes de laços frouxos e
movendo-se de maneira constante para além das fronteiras de seu território, os membros de
uma rede não conhecem uns aos outros, gerando um não pertencimento, ou uma consciência
de grupo difusa, não orientada por um localismo.
26
It seems that socially and geografically mobile individuals lack these local loyalties and characteristically
dense patterns of interaction within a limited area.
27
Extreme density produces a homogeneity of norms and values. Since this homogeneity of norms might be
expected to extend to interactional and specifically linguistic norms, the density of these networks may partly
account for the great consistency with which speakers characteristically show loyalty to vernacular speech
norms, despite the social stigma attached to them.
64
Bortoni-Ricardo (2011) percebe as comunidades com base territorial, caso do Distrito
de Paiquerê, como cisões sociais menos abstratas, fato que ocasionaria maior sentido de
pertença nas pessoas.
Outro fator relevante para o localismo está na própria consciência do falante, como
afirma Milroy (1987). A pesquisadora observou que a percepção do falante em relação à
densidade do grupo em que se insere constrange consideravelmente seu comportamento,
citando como exemplo a mudança na fala de um de seus informantes. Durante uma das
gravações, um dos jovens integrantes de um grupo musical mudou sua fala em busca de
aproximação do padrão, e foi, automaticamente, instigado pelos colegas a deixar de fazê-lo.
Em outro momento de interação com esse falante, sua expressão já se mostrava completa no
vernáculo do grupo.
Considerando o perfil de meus informantes — em transição identitária — e
orientando-me por Le Page (1980), para quem o falante cria sua expressão linguística com
vistas a assemelhar-se ao grupo que visa integrar, vejo a identidade inteiramente associada à
variação e à mudança linguística. Portanto, tratar das idiossincrasias dos adolescentes se faz
mister. Faço isso na próxima seção.
2.2.6 A identidade Adolescente
A perplexidade é um mal juvenil, como a anorexia.
(Agualusa)
A adolescência foi a fase por mim escolhida para investigação desde que me senti
pesquisadora. Gosto desse período de transição, de inquietação, tão bem traduzida por
Agualusa (2010, p. 103):
A adolescência talvez seja a mais cruel das idades. Anos terríveis, quando
tudo em nós explode em mudanças. Sentimo-nos alheios àquele corpo no
qual de súbito se começam a desenvolver arestas, florestas, misteriosas
ocorrências, como Gregor Samsa despertando certa manhã na sua cama, de
sonhos inquietos. Uma bela madrugada, também nós despertamos e sai-nos
da garganta a voz do nosso pai. Andamos meses com aquela voz emprestada,
aterrorizando o resto da família. Ao mesmo tempo, confrontamo-nos com as
grandes questões da vida e com a ignorância dos adultos. Queremos
respostas que ninguém consegue dar.
O artigo 2º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, cujo teor dispõe sobre o Estatuto
da Criança e do Adolescente – ECA, considera adolescente o indivíduo com idade entre 13 e
65
18 anos, um período, consoante o Comitê sobre a adolescência do grupo para o adiantamento
da psiquiatria dos Estados Unidos (1976) (doravante Comitê), de alterações de características
externas, tanto físicas, como emocionais e comportamentais, por que passam todos os seres
humanos, cujo início se dá com a puberdade.
Para Waddel (1995)
Esse é um período de novos tipos de amizade, do desabrochar da
sexualidade, de interesses mutáveis e consciência incipiente. É um tempo de
transição de um espaço na família para um espaço no mundo exterior: um
tempo de ansiedade, receio e expectativa, do medo e da excitação em face do
desconhecido. É um tempo em que, fisicamente, o crescimento acontece
mais rápido do que em qualquer outra fase, exceto no útero, ao passo que as
mudanças no crescimento mental e emocional são mais comuns e mais
prementes. Os limites estão sendo experimentados, os princípios são
questionados, as perdas causam sofrimento.
Caracterizada por conflitos e confusões, a adolescência compreende duas fases
principais. A primeira se inicia com o aumento do vigor instintivo e pode terminar próximo
aos dezesseis anos, período em que se inicia a segunda fase, marcada pelo domínio do ego
sobre o id.
Na primeira fase, a sociedade vê o ser humano ainda como uma criança em formação,
criando, com isso, o que é denominado de status de hiato: adolescentes não são crianças, nem
adultos (COMITÊ, 1976). Não têm as vantagens de uma criança e não lhes são cobradas as
responsabilidades de adulto, como se vê nos PCN (1998),
Na cultura brasileira, a diferença entre criança e adulto tende a ser
profundamente acentuada e reforçada por instituições legais e sociais. Em
geral, parece existir descontinuidade entre os papéis do adulto e da criança,
sobretudo no que se refere à conquista da independência e autonomia. A
passagem do universo infantil para o adulto costuma gerar conflitos para o
adolescente, que está, por assim dizer, a meio caminho (BRASIL, 1998, p.
46).
Além das ansiedades típicas, da relação conturbada com os pais, da questão da
sexualidade descoberta, a adolescência é marcada pela busca da identidade, em especial na
segunda fase. Mudanças físicas acentuadas, assim como importantes alterações psicológicas,
auxiliam no processo de desconhecimento, gerando ainda mais confusão e perturbação, uma
vez que o indivíduo já não sabe mais quem ele é, como já mencionei com a citação de
Agualusa.
66
A fim de resolver essa questão do outro em sua identidade, o adolescente busca
amparo e, de acordo com o Comitê (1976, p. 81),
Na caminhada da infância para o estado adulto, o adolescente encontra uma
parada temporária com outros da sua espécie. O grupo de iguais lhe
proporciona um sentido de relação íntima e um sentimento de força e poder
muito importante pare ele. A fim de ingressar no grupo, o jovem tenta,
amiúde, conformar-se completamente com a indumentária, o corte de cabelo,
o gosto musical e coisas semelhantes. O grupo de iguais [...] constitui um
“cultura” adolescente, com sua linguagem, seus costumes, suas instituições
sociais, seus modos e métodos de resolver problemas e suas filosofias (grifo
do autor).
Este grupo passa a ser uma extensão do adolescente, que tende a transferir para ele os
sentimentos até então dedicados à família, e a destinar-lhe uma importância vital nesse
período de sua vida. Em Outeiral (2003, p. 24), vemos que “a fragilidade egóica determina a
procura de outras identidades similares que, unidas, transmitem ao ego uma vivência de
‘poder’ pelo grupo” (grifo do autor), fazendo o adolescente ver esse grupo como uma
instituição, atitude fundamental para a estruturação de sua identidade.
O Comitê (1976) expõe que a formação do caráter e o que compõe a natureza humana
baseia-se não só nas heranças genéticas, na cultura ou no habitat, mas também na influência
que a cultura do grupo ao qual pertencemos exerce sobre nós.
Em Labov (1974, p. 66), encontramos corroboração a essa assertiva, pois, para o autor,
“neste estágio, as características do dialeto das vizinhanças tornam-se reações
automaticamente estabelecidas no padrão da fala cotidiana, e a influência dos pais é submersa
sob a influência do grupo de amizade”.
Nesse ponto, Camacho (2010) aponta a imposição da norma padrão como um processo
ideológico que interfere no domínio da linguagem, o que me parece ser mais intensivo na fase
de vida em que se encontram os meus informantes, pois estão construindo sua identidade
linguística com base nos grupos, na família, mas têm a escola apresentando, ou ainda,
impondo uma forma de falar como única.
De acordo com o autor (2010, p. 41) “[...] há uma demanda especial, em certos grupos,
por forte coesão social, cuja consequência é a exclusão, via linguagem, dos que não fazem
parte do grupo. Esse tipo de motivação para a criação de gíria caracteriza especialmente a
linguagem do adolescente”. É sobre a relação linguagem e identidade adolescente que
discorro no próximo tópico.
67
2.2.6.1 Identidade linguística do adolescente
Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo... Eu
quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
(Guimarães Rosa)
Como mecanismos de identidade (Scherre, 2008), as línguas humanas têm valor
demasiado na construção do indivíduo, principalmente na fase formativa adolescente.
O adolescente, como já observado, é vulnerável a qualquer tipo de influência no
decorrer das etapas de sua formação e, como a língua também se mostra como um
instrumento para balizar sua identidade, cada fase ultrapassada será representada por formas
diferenciadas de usar a língua, formas que, por vezes, poderão, inclusive, ser divergentes.
Neste sentido, Mothes e Rosa (2009, p. 95) compreendem que
a linguagem dos adolescentes e sua variação linguística está diretamente
relacionada aos espaços interacionais em que se constroem as identidades
sociais destes sujeitos. Assim, essa categoria é construída a partir de práticas
sociais e contribui para enriquecer essa diversidade, uma vez que se
apresenta com certa relevância e significativo poder de interferência na
comunidade de fala dos indivíduos.
De acordo com Pagotto (2004), há dois movimentos relacionados à identidade. O
primeiro refere-se à identidade histórica ideológica, por meio da qual o sujeito se coloca como
integrante de determinada época, modo de ver o mundo e suas relações. Por este ângulo,
pode-se observar que a camada mais jovem da população usa uma variedade que contrasta
consideravelmente com o usado pelos mais idosos. Os adolescentes, sejam eles da cidade ou
do campo, absorvem novidades e adotam uma linguagem mais informal, ao passo que os mais
velhos se utilizam de vocábulos e formações mais conservadoras. A adoção do moderno,
característica dos mais novos, costuma promover mudanças na língua.
O segundo movimento é aquele em que o “sujeito da ideologia se encontra passando
de posição a posição, de uma formação a outra” (PAGOTTO, 2004, p.89), ou seja, variando
de acordo com o papel assumido na sociedade.
Goffman (1998), no que diz respeito a esta alternância de papéis, introduz o conceito
de footing, desconstruindo as noções tradicionais de falante e ouvinte, por julgar que tais
noções encobrem relevantes aspectos da identidade social na interação, e evidencia que “os
participantes constantemente mudam seus footings ao longo de suas falas, sendo estas
mudanças uma característica inerente à fala natural” (GOFFMAN, 1998, p. 75). Em outras
68
palavras, o autor frisa que os falantes mudam seu alinhamento, ou seu enquadre de eventos, a
fim de incorporar características linguísticas que facilitarão a conversação com o outro,
emoldurando sua fala à fala do outro, adaptando-se a ele na projeção da identidade social
correspondente ao papel social assumido no momento.
Essa variação de papéis é implícita ao convívio. Viver em sociedade acarreta seguir as
normas, mas também os valores e as crenças que perpassam as redes com as quais
interagimos, de modo a definir, com base nos papéis sociais assumidos, nossa identidade
individual.
Severo (2007, p. 12-13) bem exemplifica essa alternância:
Um mesmo indivíduo é atravessado por uma série de identidades, que não
são estáticas, mas dinâmicas e interligadas: uma mesma pessoa se constitui
como mulher, brasileira, profissional liberal, oriunda de uma determinada
região do país, negra, etc. Ressalta-se que essas identidades são construídas
em relação às diferentes pressões sociais (política, econômica, institucional e
histórica) e interações sociais, o que significa que não são “categorias”
fechadas em si mesmas, mas que permanecem em processo de transformação
constante, assim como a língua.
Battisti (2014) também entende a socialização como a matriz de nosso
comportamento, de nossas atitudes e pensamentos, e, com isso, de nossa identidade
linguística, contudo não de maneira estanque ou limitadora, visto que essa socialização não é
sempre a mesma, resultando, portanto, em uma identidade passível de ajustamentos e
mutações que vão ao encontro das diversas redes que perpassam por nossas relações.
É nesse sentido que compreendo terem as redes sociais de interação peso relevante
para a atuação dos adolescentes em seus diferentes papéis, haja vista as regras diferentes em
cada domínio social, uma vez que “nossas identidades são fruto de nossa filiação social, das
posições que ocupamos nos grupos de que fazemos parte, esses estruturados em relação aos
campos ou classes sociais distintas (BATTISTI, 2014, p. 81).
Não obstante, independentemente de qualquer papel assumido, um sujeito é
identificado por seu modo de falar, por meio do que é possível reconhecer diferentes
agrupamentos, idade, os estratos sociais, grau de escolaridade, entre outros aspectos, já que,
no ato da fala, são apresentadas aos ouvintes indicações sobre as origens do falante e o tipo de
pessoa que ele é.
Pela escolha lexical, mostro minha idade e minha origem, sou do campo ou da cidade.
Demonstro meu liberalismo ou conservadorismo, minha cultura, minha educação. Aguilera
69
(2008, p. 105) comprova tal afirmação ao mencionar que “a atitude linguística assumida pelo
falante implica a noção de identidade”.
Oliveira e Almeida-Baronas (2011), analisando a fala de seis adolescentes inseridos
em classe social desfavorecida socialmente, concluíram que o uso da gíria bem alocava esses
adolescentes dentro de sua faixa etária, ao passo que o não uso da concordância verbal os
identificava em um determinado estrato social, “mostrando o uso dos recursos variacionais
para afirmação, num processo dinâmico, das diversas dimensões da identidade social”
(OLIVEIRA; ALMEIDA-BARONAS, 2011, p. 205).
Dentro de tal perspectiva, a identidade reflete-se no uso da linguagem, já que, como
foi apontado, o sujeito é constituído por seu intermédio. Não obstante, sendo a fala “o aspecto
individual da linguagem humana” (TERRA, 1997a, p.16), é ela a expressão identitária por
excelência, e, constitutivamente sujeita a variações, representa uma diversidade de
identidades, sendo nesse sentido que Bortoni-Ricardo (2006. p. 273) concede à língua oral o
estatuto de “província da variação inerente”, por meio da qual os falantes marcam suas
identidades.
Le Page (1980, p. 13), ao proferir “my thesis is that in essence each and every speech
act is like this: an act of identity towards an audience28 [...]”, considera cada ato de fala como
um ato de identidade, considerando a linguagem como o índice identitário por excelência,
visto que as regras linguísticas utilizadas pelo falante na busca de aproximação com os
membros do grupo com o qual deseja se identificar são criadas no momento da enunciação,
por meio de escolhas linguísticas inconscientes que se associam às múltiplas dimensões
formadoras da identidade social e aos papéis que assumem dentro da gama de redes sociais de
interação em que se inserem.
Bortoni-Ricardo (2005. P. 176) afirma:
O comportamento linguístico está permanentemente submetido a múltiplas e
co-ocorrentes fontes de influência relacionadas aos diferentes aspectos da
identidade social, tais como sexo, idade, antecedente regional, inserção no
sistema de produção e pertencimento a grupo étnico, ocupacional, religioso,
de vizinhança etc. Quando falamos, movemo-nos num espaço
sociolinguístico multidimensional e usamos os recursos da variação
linguística para expressar esta ampla e complexa gama de identidades
distintas.
28
Minha tese é que, em essência, cada ato de fala é assim: um ato de identidade para uma audiência. (Tradução
minha)
70
Para a autora (2005, p.178), os falantes selecionam as regras de seu repertório de
modo a assemelharem-se ao grupo de referência a que desejam se associar, classificando a
acomodação promovida pelo falante em sua fala como voltada “aos membros de uma rede
virtual, com quem o falante deseja identificar-se e de quem ele ou ela espera receber
ratificação ou aprovação”.
Sendo assim, considerando-se cada ato de fala uma marca identitária, faz-se necessário
levar em conta também o contexto em que são geradas as regras linguísticas, uma vez que a
construção do indivíduo está completamente relacionada ao ambiente no qual ele se
desenvolve.
Como a opção por uma variedade em detrimento de outra abrange significados que
nascem do conjunto de práticas integrantes do uso da língua, pensar o indivíduo como
integrante de uma rede de contatos que influencia sobremaneira sua expressão linguística,
como toda sua formação cultural, é essencial.
No caso desta pesquisa, os adolescentes sofrem, além das influências inerentes à sua
condição fisiológica natural, a pressão da dicotomia campo/cidade, rural/urbano,
caipira/citadino. Redes voltadas para uma das pontas dessas dicotomias poderão ditar a
conformação linguística desses indivíduos, demonstrando sua identidade por meio de uma
relação de pertença ou não a um determinado território.
Mas há limites entre o rural e o urbano? Isso, de fato, existe? Explano sobre a questão,
visando obter respostas, na seção seguinte.
2.2.7 Rural e Urbano. Existe tal Dicotomia?
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos;
onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador;
e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade.
(Guimarães Rosa)
Meu trabalho não busca o adolescente citadino, mas o do campo, poeticamente
chamado de sertanejo, de caipira29. Patativa do Assaré, poeta caipira, expressou o que é o
sertão, a zona rural, em várias de suas canções:
29
Como vemos em Bortoni-Ricardo (2011, p. 56), “a palavra ‘caipira’ está relacionada, em sentido estrito, à
cultura rústica do estado de São Paulo. [...] Amplo sensu, caipira é presentemente um adjetivo que descreve o
modo rústico e tradicional dos habitantes do campo, independentemente de região geográfica” (grifo da
autora).
71
Só canta o sertão dereito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem proteção de ninguém,
Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciença de Jó,
Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada,
Moiadinho de suó.30
E o que é a zona rural? Existe uma dicotomia entre o rural e o urbano?
Para tratar desse tema e buscar respostas às questões propostas, necessário se faz
iniciar abordando certos elementos históricos, considerando a ligação estreita que há entre a
configuração linguística de nosso país e sua constituição demográfica, social e histórica,
devido à sua intrínseca relação com a distribuição populacional.
Uma das abordagens iniciais do Brasil rural, Raizes do Brasil, de Sérgio Buarque de
Holanda (1995), analisa a importância da vida rural na formação social brasileira, já
destacando a relação rural-urbano como marca, em vários níveis, da fisionomia do Brasil.
Antonio Candido, com sua obra “Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira
paulista e a transformação dos seus meios de vida”, escrita em 1954 e publicada anos mais
tarde, traça um retrato do homem do campo e, com isso, da realidade rural e urbana do Brasil
em meados do século passado.
A obra (1971) sofreu uma espécie de redescoberta para os estudos sociais devido à
ampla interpretação da formação social do país, dando aos caipiras, em especial aos pobres
homens do campo, que viviam à margem dos latifúndios, uma importância vital na construção
nacional.
Exprime uma concepção de cultura rústica, no sentido de tradição do homem do
campo, constrastante com a modernização e urbanização, processos que estariam
desestruturando os modos de vida dos caipiras, rompendo o equilíbrio que, mesmo precário,
seria essencial para a sociabilidade e as interações em um bairro rural.
Bairro rural é, para Candido (1971), uma unidade social entre a família e outras formas
mais complexas de interação social. Caracteriza-se, basicamente, pela reunião de um grupo de
vizinhos para a ajuda mútua e comemorações. Em relação à sua dimensão, um bairro rural
seria maior que uma família e menor que uma vila.
30
Estrofe do poema “Cante lá que eu canto cá”. ASSARÉ, Patativa do. Antologia Poética. 2 ed. Fortaleza:
Edições Demócrito Rocha, 2008. Organizado por Gilmar de Carvalho. p. 66.
72
No caso de Paiquerê, para além de sua dimensão, o Distrito pode ainda ser
caracterizado como um Bairro rural, uma vez que apresenta traços caracterísiticos dessa
conceituação, como a Festa do Milho, ajudas em colheitas, organização basicamente familiar,
entre outros.
O sociológo ainda alega não ser possível estudar o universo rural – ou caipira, como
ele designa –, sem levar em conta a sua posição no conjunto da vida do estado e do país.
Diante disso, Cândido (1971), ao longo da obra, apresenta uma dicotomia, mais que isso, uma
oposição entre persistências e alterações como marcadoras do campo e da cidade. Ou seja,
para o autor, o que delimita um espaço ou outro é muito mais social que local, dado que as
dicotomias campo e cidade, economia de subsistência e comercial, tradição e modernidade,
autonomia na terra e trabalho assalariado, e, até mesmo, passado e presente, marcam
historicamente as transformações da sociedade caipira brasileira.
Entretanto, para o pesquisador (1971, p. 259), “a oposição entre campo e cidade só
pode existir no quadro da propriedade privada”, uma vez que essa é uma das principais
instâncias de ancoragem do sistema da sociedade, com relações muito tênues com a dimensão
do mercado, temas não abarcados em meu estudo.
Entende-se, portanto, como rural o espaço que agrega tanto os moradores
permamentes, sitiantes e fazendeiros, como os transitórios, cultivadores nômades, agregados e
posseiros, que compõem, que se situam nessa unidade básica de sociailidade que é o bairro
rural.
No que concerne à alocação das pessoas nos espaços geográficos e sociais, Teyssier
(1982) aponta o período colonial como predominantemente marcado pela ocupação rural,
cenário que começa a sofrer alterações a partir da estada da Corte Portuguesa em terras
fluminenses, o que ganha mais força a partir da Independência e tem seu ápice na primeira
metade do século XX.
A cidade do Rio de Janeiro compreende um marco para os processos urbanizatórios ao
ser alçada à condição de capital do Reino, em 1808, pois tal acontecimento deu vazão a um
desenvolvimento relâmpago, propiciando crescimento cultural sem precedentes. Até mesmo a
língua é afetada, conforme ilustra Bortoni-Ricardo (2011), uma vez que, à urbanização aliouse um processo ferrenho de difusão da variedade padrão da língua, notadamente de sotaque
lisboeta, desencadeado pela difusão dos meios de comunicação de massa.
Outro processo marcante no século XX está na migração dos moradores das pequenas
cidades e zonas rurais para os centros urbanos. Com a urbe representando possibilidades de
73
ascensão social, cultural e econômica, o homem do sertão, o caipira, passou a deixar sua terra,
dando início ao um grande êxodo rural.
Bortoni-Ricardo (2011, p. 33) assegura ser esse um dos processos mais influenciáveis
na questão linguística, visto originar-se dele “o declínio dos vernáculos que se transformam
em dialetos urbanos de classe baixa, acentuando-se provavelmente a estratificação vertical da
língua”.
Não obstante toda essa ação migratória, no Brasil há ainda expressiva parcela da
população vivendo em áreas rurais, com o Censo de 2010 apontando para algo em torno de
29.830.007 caipiras, ou 15,60% da população31. No estado do Paraná, são 1.551.834 homens
vivendo na zona rural, ou 14,67% de todo o povo paranaense. Na cidade de Londrina, a
segunda maior do estado, 3% da população vivem em distritos rurais, como Paiquerê, palco
de minha pesquisa.
Tal assertiva encontra respaldo em López-Monné (2000), o qual assevera o significado
simbólico que zonas rurais vêm conquistando, especialmente a partir do final do século
passado, como espaço de reencontro, com o homem evocando suas origens e o contato com o
tradicional e a natureza.
Hespanhol (2013, s/p.) esclarece:
[...] a deterioração das condições de vida nas cidades brasileiras, sobretudo
nas metrópoles — mas, não exclusivamente nelas —, [...] tem levado a uma
revalorização do campo, não apenas como lugar de desenvolvimento das
atividades agropecuárias, mas também como espaço para se viver e
desenvolver outras atividades, emergindo novas ruralidades derivadas da
presença de atividades não agrícolas, como o turismo, a prestação de
serviços, etc.
As considerações da dicotomia rural/urbano remetem-me a Bourdieu (1987), para
quem a delimitação regional é fluida, sem parâmetros únicos, já que é pautada e direcionada
pelo foco do interessado na divisão, ou seja, cada estudioso divide consoante sua perspectiva.
Buscando uma definição mais didática, Hespanhol (2013) apresenta três abordagens
nas quais se alicerçam os estudos sobre o tema: dicotomia, noção de continuum e de
permanência das ruralidades.
Em se tratando de dicotomia,visão marcadamente setorial, Le Goff (1988) não vê
oposição rígida, atualmente, entre rural e urbano, a não ser no imaginário popular, por meio
do “endeusamento” do campo e “deteriorização” da cidade. É nesse sentido que Locatel
31
A população, segundo o Censo 2010, totaliza 190.755.799 habitantes na data de referência.
74
(2013) expõe as contradições dessa dicotomização. Para o autor, rural e urbano, conceitos que
encontram alicerce em Marx, devem ser entendidos como partes orgânicas complementares,
perfazendo a mesma totalidade, e assevera não ser possível pensá-los em separado, pois essa
forma não explica a realidade territorial de um município, de uma região ou de um país.
Tendo isso claro, o geógrafo também menciona a noção de continuum para a
discussão, nos moldes de Bertrand (1973), noção que aproxima o espaço rural e a realidade
urbana, dado que, segundo a concepção de Reis (2006, p.7)
as relações dicotômicas existentes entre as áreas urbanas e rurais tornam-se
cada vez mais distantes de representar de forma adequada a realidade. Sendo
assim, a ideia de continnum rural-urbano se apresenta como a formulação
teórica mais coerente para o caso brasileiro, indicando a crescente
necessidade de se abolir de vez qualquer perspectiva dicotômica.
Hespanhol (2013) considera problemática a noção de continuum, dada sua
radicalidade, por advogar o fim do rural com base em argumentos como a homogeneização
dos espaços ocasionada pela industrialização e pela globalização. Para a autora, houve
intensificação das articulações entre os espaços urbanos e rurais, sem, no entanto,
comprometer as particularidades específicas de cada um, conquanto as diferenças nos valores
e nos níveis de informação dos habitantes das zonas rurais e urbanas sejam cada vez menos
sentidas.
Dessa maneira, Hespanhol (2013, s/ p.) vê como mais procedente “a permanência de
diferentes ruralidades derivadas de particularidades de cada lugar e da maneira como cada
fração de espaço participa dos processos econômicos e sociais”. Essa concepção considera,
como Carneiro (1997), a existência de grande aproximação entre o mundo urbano e o rural,
tornando ainda mais tênue a delimitação fronteiriça, sem que, no entanto, gere
homogeneização.
A discussão vai crescendo sem que se chegue a um recorte espacial adequado, o que
faz compreender a dificuldade em delimitar o que é rural e o que é urbano, ainda mais diante
da complexa realidade composta por distintos coeficientes de integração e distanciamento
entre os espaços.
Ademais, a tenacidade separatória entre rural e urbano assevera-se com os
questionamentos tangíveis aos critérios utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE, órgão de pesquisa que, consoante Hespanhol (2013, s/p.), “ainda se utiliza
da delimitação criada em 1937 durante o Estado Novo e, que, por consequência, não leva em
consideração as recentes mudanças que ocorreram nesses espaços e que redefiniram suas
75
formas e conteúdos neste início de século”. O IBGE, em sua publicação de 2011, relativa ao
Censo Demográfico de 2010, assim interpreta a dicotomia:
Em situação urbana, consideraram-se as áreas, urbanizadas ou não, internas
ao perímetro urbano das cidades (sedes municipais) ou vilas (sedes distritais)
ou as áreas urbanas isoladas, conforme definido por lei municipal vigente em
31 de julho de 2010. [...] A situação rural abrangeu todas as áreas situadas
fora desses limites. Este critério também foi utilizado na classificação da
população urbana e da rural.
O que se lê nesse excerto possibilita compreender como urbano um perímetro
delimitado em legislação municipal, consoante Art. 30 da Constituição Federal, pois essa lei
delega aos municípios “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Rural seria,
por essa leitura, toda a porção encontrável para além desses limites.
A caracterização de rural para a taxação do ITR32 – Imposto Territorial Rural tem a
mesma fonte: porção de terras fora dos limites urbanos.
O Município de Londrina tem, na lei 7484/1998, as especificações acerca do assunto,
delimitando categoricamente e instituindo a Zona Urbana e a Zona de Expansão Urbana do
Distrito Sede do Município de Londrina33.
O artigo 2º da referida Lei assim especifica: “A Zona Urbana compreende as áreas
urbanizadas ou em vias de ocupação e as glebas com potencial de urbanização que ainda não
sofreram processo regular de parcelamento.” Ao mesmo tempo, caracteriza a Zona de
Expansão Urbana como “aquela externa à Zona Urbana onde se prevê ocupação ou
implantação de equipamentos e empreendimentos considerados especiais e necessários à
estrutura urbana” (Art. 3º Lei 7484/98).
Além disso, a Lei n° 10637/2008, sobrepondo uma subdivisão à divisão
macrossazonal, em seu Art. 87, estabelece seis compartimentos territoriais, dentre os quais
inclui núcleos de desenvolvimento rural/urbano, alocando, de forma clara, o Distrito de
Paiquerê dentro de um espaço rural, mas que traz em si um também espaço urbano. Ou seja, a
parte central do distrito pode ser denominada urbana, dentro do entendimento de urbano como
“Área rural de extensão urbana – Setor rural situado em assentamentos situados em área
externa ao perímetro urbano legal, mas desenvolvidos a partir de uma cidade ou vila, ou por
32
Conforme Luiz Fernando Pereira Advocacia. Imposto territorial rural: estudos direcionados. Disponível
em:
<http://drluizfernandopereira.jusbrasil.com.br/artigos/111971320/imposto-territorial-rural-estudosdirecionados>.Acesso em: 05 out. 2014.
33
A delimitação completa está contida no Artigo 6º e no anexo da Lei 7484/98, disponível em <http://camaramunicipal-da-londrina.jusbrasil.com.br/legislacao/372253/lei-7484-98> e no anexo da Lei.
76
elas englobados em sua extensão” (IBGE, 2010), ao passo que os arredores caracterizam-se
por “área externa ao perímetro urbano” (IBGE, 2010).
Além da caracterização de Bairro Rural dada por Candido (1971), na qual vejo muito
do Distrito de Paiquerê, já que preserva a ajuda mútua entre vizinhos, é na classificação do
IBGE e na lei Lei n° 10637/2008 do município de Londrina que me baseio para conferir a
Paiquerê um caráter rural, e, dentro dessa ruralidade, atribuir às moradias dos alunos
pesquisados o traço rural ou urbano, dependendo da alocação de suas residências. Portanto,
para fins analíticos, concebo aqui a ideia de rural como aquela apresentada nos dados do
IBGE.
2.2.7.1
O rural e o urbano em relação à linguística
Sertanejos, mire veja: o sertão é uma espera enorme.
(Guimarães Rosa)
Em termos linguísticos, parece-me que a linha que separa o rural e o urbano é também
bastante tênue. Bortoni-Ricardo (2005) informa haver regiões metropolitanas cujo contato
entre o vernáculo e o falar das classes desprivilegiadas gerou uma diglossia, ao mesmo tempo
em que há aquelas cujo isolamento se equipara ao século dezoito, inclusive em sua expressão
oral.
Isquerdo (1998, p. 105), a esse respeito, radicaliza: “percorrendo diuturnamente os
mesmos caminhos, realizando uma atividade que não exige inovação tecnológica, o homem
da mata, assim como não inova seu ritmo de vida, não necessita também inovar sua
linguagem”.
A importância dessa delimitação se baseia em Bortoni-Ricardo (2005, p. 86), pois
No Brasil, como de resto em toda a América Latina, a variação linguística
relaciona-se não só à estratificação social, mas também à dicotomia rural
(folk) versus urbano. Na verdade, os dois critérios — estratificação social e
oposição rural/urbano — se interpenetram, uma vez que grande parte da
população rural ou egressa do campo constitui também o estrato mais pobre
na pirâmide social [...].
Como linguista, eleger como linha demarcatória da diferença entre o falar rural e o
urbano, consoante marcas estabelecidas por Amaral (1982) em relação ao dialeto caipira,
poderia ser um passo. Contudo, considerando a diglossia citada há pouco, o falar do “homem
da mata” aludido por Isquerdo é encontrado, hoje, “rurbanizado”, com os termos de Bortoni-
77
Ricardo (2005, p.85), visto que podemos encontrá-lo “também em comunidades urbanas
estabelecidas há muito tempo, principalmente as de classe baixa”.
Amaral (1982) estabelece também como marcas do dialeto caipira, que eu chamo,
embasada por Bortoni-Ricardo (2005), de falar rural, as variantes analisadas por mim nesta
pesquisa, a saber: a falta de concordância verbal da 1ª e 3ª pessoa do plural, iotização e
rotacismo. Bortoni-Ricardo (2011), analisando a fala de migrantes radicados em Brazlândia,
também constatou essas marcas entre seus informantes.
Mas essas marcas são particularidades tão somente de um falar rural?
Para obter essa resposta, Bortoni-Ricardo (2005), depois de conceituar o falar rural, ou
vernáculo, como variedade regional-rural cujas características diferem na fonética,
morfossintaxe e no léxico do falar urbano, ou as variedades estratificadas usadas nas zonas
urbanas que tanto se aproximam do falar culto como do rural, sugere uma nova proposta
analítica: um continuum de urbanização.
Para a autora, ao longo desse continuum dialetal podem ser alocados todos os falantes,
mediante sua aproximação ou seu afastamento dos polos, estando em um extremo os falares
rurais isolados e, em outro, o falar urbano padrão das classes mais prestigiadas, encontrandose no meio dessa linha os falares rurbanos, variedades “usadas por falantes de classes mais
baixas, não alfabetizadas ou semialfabetizadas, que vivem na cidade, mas que, na maioria dos
casos, têm antecedentes rurais, e pela população que vive em áreas rurais, onde já se vê
introdução de tecnologia” (BORTONI-RICARDO, 2011, p. 21). A Figura 3 traz a
representação desse continuum:
Figura 3 – Continuum de urbanização
Fonte: Bortoni-Ricardo (2009)
Apresentado o continuum, Bortoni-Ricardo (2009) alerta para as fronteiras fluidas a
separar os três marcos e para a sobreposição dos falares, postulando existirem dois tipos de
regras variáveis ao longo desse contínuo: graduais e descontínuas.
Regras descontínuas são marcas que apontam os falares regionais e sociais mais
estigmatizados, passíveis de preconceito e discriminação. Já graduais são regras presentes no
78
repertório linguístico de praticamente todos os brasileiros, dependendo do grau de
monitoramento conferido à fala.
A expressão linguística do londrinense, além de ter como marca identitária o -R
retroflexo, marca de um falar caipira e, por isso, muitas vezes estigmatizado, também
apresenta, obviamente, marcas graduais e descontínuas vistas abundantemente na expressão
dos adolescentes pesquisados.
Entre as variáveis linguísticas a serem analisadas neste trabalho, a não realização da
concordância verbal na 1ª pessoa do plural (Nós vai na festa), na 3ª pessoa do plural (Eles vai
na festa), a iotização (muié, trabaio, paiaço) e o rotacismo (bicicreta, prano) são traços
descontínuos, pois discriminam os usuários dessas variáveis. Já a não concordância nominal e
a assimilação do /d/, essa última muito produtiva na fala do Londrinense, podem ser
consideradas um traço gradual, marca de uma fala mais relaxada de qualquer cidadão em
momentos de descontração.
Entretanto, como a situação da entrevista deste trabalho foi um momento não muito
descontraído, analiso como se dá esse traço gradual no início e no final das entrevistas,
principalmente em relação à assimilação, hipotetizando que, no início, havia maior
monitoramento da fala, pois, além do cuidado, sempre há uma escolha estilística em função
do interlocutor (BELL, 1984), o que foi diminuindo com o decorrer da conversa, para, no
final, obtermos o vernáculo real do entrevistado.
Essa proposta de alocação dos falantes no continuum vem ao encontro daquilo que foi
possível conhecer por meio de minhas análises, uma vez que, como atesta Bortoni-Ricardo
(2005, p. 51), “a localização do falante ao longo do continuum depende mais de sua rede de
relações sociais que de sua própria história social”.
Importa, nesse sentido, conhecer um pouco das particularidades da região em que
vivem os adolescentes-alvo de minhas análises.
79
3
CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS
3.1
O DISTRITO DE PAIQUERÊ
Longe, longe, até ao fim, como o sertão é grande...
(Guimarães Rosa)
Um distrito pode ser caracterizado como a divisão administrativa de um município ou
cidade, compreendendo um ou mais bairros, como também um território pertencente a um
município ou cidade.
Ferreira (1990, p. 56;59) assim define distrito:
[...] pequenos centros de mercado, pontos de coleta dos produtos exportados
e pontos de suprimentos de bens e serviços para a população que nele reside,
os interesses externos da classe mais poderosa são representados pelo dono
da pequena loja, que geralmente exerce ambas as funções de coleta e de
distribuição. [...] os Distritos, não tendo uma autonomia administrativa,
funcionam como um local de organização da pequena produção e
atendimento das primeiras necessidades da população residente no seu
entorno, comandadas pelas respectivas sedes dos municípios.
Assim, o distrito ao qual me refiro entroniza-se na definição apresentada, em especial,
na segunda parte do conceito do autor, visto ser uma extensão territorial sem autonomia,
comandada, regida e fomentada por um município, nesse caso, a cidade de Londrina.
O Distrito de Paiquerê, distante trinta e cinco quilômetros, e um entre os oito ligados a
Londrina, foi criado em 1964, a partir do ajuntamento de pessoas motivadas pela fertilidade
do solo, iniciado nos anos de 1950, tendo seu ápice populacional e produtivo nos anos de
1970. Predominantemente rural, como há cinquenta anos, o distrito mantém suas
características, mas vem, aos poucos, integrando marcas urbanas, notadamente entre a
população jovem.
O Censo Demográfico de 2010 computou um total de 2.995 habitantes, sendo 14
habitantes por quilômetro quadrado de seus 211,96 km², o que representa 0,60% da população
do município (Gráfico 1) e 23% da população rural da cidade (Gráfico 2).
80
Gráfico 1 – Representatividade de habitantes do Distrito de Paiquerê em
relação ao Município
Fonte: a própria autora
Gráfico 2 – Representatividade de habitantes do Distrito de Paiquerê em
relação ao número de habitantes rurais do Município
Fonte: a própria autora
Essa população concentra-se, em sua maioria, na área rural do distrito. A distribuição
populacional pela dicotomia rural/urbano é bem expressada pelo Gráfico 3:
81
Gráfico 3 – Habitantes de Paiquerê dicotomizados Rural/Urbano
Fonte: a própria autora
Como já abordado, essencialmente rural, Paiquerê se destaca com vários cultivos,
tendo o milho como carro-chefe, o que veio promover certa peculiaridade à região. Todos os
anos, nos primeiros dias do mês de fevereiro, o distrito promove uma festa típica com todos
os produtos derivados do milho, aquecendo a economia e integrando culturalmente sua
comunidade aos visitantes do centro urbano de Londrina, como também de outras regiões.
A população local se faz forte quando se refere à busca de mais benefícios dos órgãos
governamentais. Prova disso está na mobilização para a implantação do Ensino Médio,
concretizada no ano de 1994.
Como a região era atendida apenas com o Ensino Fundamental, mantido pela
prefeitura municipal, os alunos concludentes da 8ª série não prosseguiam os estudos devido à
grande dificuldade de deslocamento do distrito até a mais próxima instituição de ensino que
atendesse essa necessidade. Diante disso, a comunidade mobilizou-se, unida como bairro rural
(Cândido, 1971), e conseguiu a implantação do Colégio Estadual de Paiquerê.
82
3.2
O COLÉGIO ESTADUAL DE PAIQUERÊ
O sertão está em toda parte.
(Guimarães Rosa)
A população jovem, em que se inserem os adolescentes-alvo deste estudo, moradores
da zona central do distrito (ZCD) e dos sítios e fazendas da região ou, zona rural do distrito
(ZRD), divide-se entre o Distrito de Paiquerê e a cidade para trabalhar, entretanto, com a
conquista da implantação do Ensino Médio, desde 1994, seu período escolar é todo,
majoritariamente, empreendido no local.
A grande maioria dos alunos provém da zona rural, oriunda de famílias de baixo poder
aquisitivo, com alguns exercendo atividades durante o dia para ajudar no orçamento familiar.
Todavia, vê-se uma disposição em adotar essa dupla jornada, seja para o seu próprio
sustento pessoal e familiar ou para granjear enriquecimento cultural que propicie, no futuro,
melhores condições de vida social e econômica.
De acordo com a atual diretora da entidade, tanto o aluno como os seus familiares
concebem a escola como uma chance de melhorar as condições em que se encontram no
momento, pois uma generosa porcentagem desses alunos, precipuamente os do período
noturno, são trabalhadores formais ou informais no mercado de trabalho.
Uma marca vista nas entrevistas e confirmada pela diretora é o não acesso, por grande
parte dos quinhentos e noventa e cinco alunos do colégio, a jornais, livros ou revistas, ou
outros bens culturais promotores do desenvolvimento do letramento de prestígio ou
apropriação de repertórios de cultura letrada. Tal cenário tem respaldo no ambiente familiar
que abarca pais analfabetos ou semialfabetizados, portanto, com baixos graus de letramento
escolar.
E foi esse colégio que abriu as portas, altruisticamente, para que eu realizasse meu
trabalho. Os trinta e oito professores do corpo docente foram solidários e, sempre que
solicitado, colaboraram sobremaneira com a pesquisa. O mesmo posso dizer de todos os
funcionários.
Em relação aos alunos selecionados para a entrevista, todos participaram
satisfatoriamente, tornando os momentos de inquirição se não prazerosos, dado o ranço do
formato, ao menos agradáveis.
E são eles que apresento a seguir.
83
3.3
OS INFORMANTES: UMA CARACTERIZAÇÃO
Eduardo e Mônica eram nada parecidos
Ela era de Leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês
Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus
Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol de botão com seu avô
Ela falava coisas sobre o Planalto Central
Também magia e meditação
E o Eduardo ainda tava no esquema
Escola, cinema, clube, televisão
(Legião Urbana)
Como já mencionei em outras partes deste trabalho, são 24 os informantes aqui
analisados. Doze adolescentes do sexo feminino, denominadas INF1 a INF12, e doze
adolescentes do sexo masculino, nomeados de INF13 a INF24, todos selecionados por meio
de um questionário socioeconômico cultural inicial.
A INF1 tem 18 anos, estudante do 1º ano do Ensino Médio, período noturno. Mora na
ZCD de Paiquerê, com o marido. É casada há dois anos. Tem três irmãos e morava, antes do
casamento, com a avó. Trabalha como diarista, de segunda a sexta, em Londrina. Nunca fez
cursos, tem celular, possui computador em sua casa, cujo uso é frequente para pesquisas e
digitação de trabalhos escolares. Não participa de redes sociais virtuais como Facebook ou
Twitter. Nas férias, suas viagens se limitam a idas a sítios próximos. Não vai à igreja. Nos
finais de semana, costuma ficar em casa e, invariavelmente, vai a bares e festas em Londrina.
Gosta de ler e lê, com certa frequência, romances, jornais e revistas. O avô contava histórias
em sua infância. Nunca foi a teatro, mas costuma ir ao cinema. Assiste à televisão paga
diariamente, menos de três horas, a filmes, entrevistas, documentários, desenhos e noticiários.
Às novelas não assiste por estudar à noite, mas gosta. Não tem muitos amigos, gosta de rock
nacional e MPB. Pretende cursar uma faculdade na área de Humanas, mas ainda não sabe
qual. Estudou parte do Ensino Fundamental e um ano do Ensino Médio em colégios de
Londrina. Parou por dois anos com o estudo regular. O marido iniciou faculdade de
Administração, mas parou. Avó é semianalfabeta. A mãe, também semianalfabeta, julga o
estudo perda de tempo. Sua relação com a cultura e com a variedade urbana é alta34.
34
Faço, aqui, uma classificação do contato, acesso e convívio de cada informante ao falar urbano em alto,
mediano e baixo. Considero alto quando percebo influências como empregadores falantes dessa variedade,
leitura e acesso a programas da cultura urbana, contato diário com a cidade pelo trabalho, desde que seja uma
84
A INF2 tem 15 anos, está no primeiro ano do Ensino Médio, matutino, mora com os
pais e dois irmãos na ZCD. Na data da entrevista, estava para começar a trabalhar em uma
loja de departamentos do maior shopping da cidade. Tem celular, usa o computador de casa
para pesquisas e acessar o Facebook, costuma viajar nas férias para a praia. É católica não
muito praticante, nos finais de semana passeia em Londrina, gosta de ler livros e revistas, já
assistiu a peças de teatro durante o Festival Internacional de Teatro de Londrina – FILO, diz
que não viveria sem televisão, assistindo frequentemente a filmes, novelas, programas de
humor, programas de auditório e desenhos. Fez o Ensino Fundamental no distrito vizinho,
passando para a escola atual neste ano. Com os seus bastantes amigos, gosta de ouvir musica
sertaneja, pagode e funk. Pretende fazer faculdade de Administração. Os pais têm uma
mercearia, além de o pai transportar alunos de áreas rurais para o distrito. Os pais leem e liam
para ela na infância. Seu contato com a variedade e a cultura urbana é alto.
A INF3 tem 18 anos, está no terceiro ano do Ensino Médio, noturno, mora na ZCD
com os pais. Tem irmãos casados, não trabalha, não tem celular, nem computador, por isso
não o usa com frequência, apesar de ter Facebook. Sempre estudou no mesmo colégio. Não
viaja, não vai muito à igreja. Aos finais de semana, fica mais em casa, pois curtir a família é
seu passatempo preferido. Diz ler, mas não menciona um livro lido por inteiro. Nunca foi a
teatro e à cinema. Assiste à televisão todos os dias por mais de três horas, vendo novelas e
noticiários, basicamente. Tem muitos amigos, gosta de música sertaneja e funk. Pretende fazer
faculdade na área biológica, mas não sabe o que. A mãe, analfabeta, não trabalha e o pai,
pedreiro, a que ela chama de construtor, tem escolaridade baixa. Sem contato com a leitura na
infância, não lê e foi a adolescente que apresentou maior dificuldade com a leitura em voz
alta. O contato com a variedade urbana é baixo.
A INF4 está no primeiro ano do Ensino Médio, tem quinze anos, estuda pela manhã e
trabalha à tarde no mercadinho dos pais. Mora na ZCD com os pais e dois irmãos. Tem
celular, computador em casa e o usa com frequência para os trabalhos da escola e acesso ao
Facebook. Nas férias costuma ir à praia, é evangélica praticante, aos finais de semana vai à
igreja, gosta de ler gibi. Já foi ao FILO e ao cinema. Assiste à televisão diariamente, mas por
curto período de tempo: vê desenhos, novelas, programas de humor e filmes. Gosta de música
sertaneja, faz aulas de órgão, tem namorado. Cursou o Ensino Fundamental no distrito
vizinho, não pretende fazer faculdade, mas sim um curso de costura. A mãe não estudou e
vende roupas. O pai graduou-se, já adulto, em Pedagogia e, além de cuidar da mercearia da
posição permeada por eventos de letramento. Mediano é quando há um contato aleatório a qualquer um dos
eventos citados, ao passo que baixo é o contato apenas em sala de aula.
85
família, é diretor na escola municipal. A leitura foi entronizada na primeira infância, por meio
de leitura de historinhas pelo pai. O contato com a variedade urbana é alto.
A INF5 tem 16 anos, estudante do 2º ano do Ensino Médio, no período matutino.
Mora na ZRD de Paiquerê, com a mãe, avós, tio e um irmão. Não trabalha, nunca fez nenhum
curso, não usa computadores com frequência, mas, aleatoriamente, vai a lan house para fazer
pesquisas, trabalhos escolares e acessar o Facebook. Vai pouco à cidade. Nas férias, costuma
viajar para a casa de familiares em cidades próximas. Costuma ir à igreja evangélica, mas não
com frequência, pois não há igreja na localidade em que mora e sua família não possui meio
de transporte próprio. Gosta de ler revistas, principalmente, e, esporadicamente, a Bíblia.
Nunca foi a teatro e raramente vai a cinema. Assiste à televisão aberta todos os dias por mais
de três horas, preferencialmente filmes, novelas, entrevistas, humorísticos, programas de
auditório e desenhos. Não tem muitos amigos, gosta de música sertaneja, pop internacional e
pagode. Não tem e nunca teve namorado. Pretende cursar uma faculdade, mas está em dúvida
entre Medicina e Engenharia civil. A mãe é empregada doméstica na casa de Médicos em
Londrina. Não tem contato com o pai. Intensa admiração pela mãe, que fez até o 3º ano do
Ensino Médio e lê muito. Relação de contato com a cultura urbana é mediano.
A INF6 tem 18 anos, está no terceiro ano do Ensino Médio, mora na ZCD com o
marido e a filha. Trabalha como atendente de call center, tem computador em casa, cujo
acesso é, principalmente, para as redes sociais. Não costuma viajar, é evangélica praticante,
não gosta de ler, não costuma frequentar cinema, teatro. Assiste à televisão, quando pode,
privilegiando filmes, novelas, entrevistas e desenhos, por causa da filha. Gosta de música
sertaneja e gospel. Morou em Londrina por um tempo, estudando como bolsista no Colégio
SESI. A mãe é diarista, mas já trabalhou para a Prefeitura em alguma área referente à
assistente social. O pai é mestre de obras. Teve contato com a leitura na infância, pois a mãe
lia historinhas para ela. A mãe é frustrada por incentivar tanto a leitura, sem êxito. Tem um
leve sotaque mineiro, adquirido pelo contato com falantes do estado de Minas Gerais por
meio do trabalho. O contato com a variedade urbana é alto.
INF7 também é casada e mora com o marido e a filha na ZCD. Tem dezoito anos, está
no primeiro ano do Ensino Médio, trabalha no maior mercado do distrito, tem computador em
casa, utilizando-o para pesquisas, trabalhos e conexão ao Facebook. É católica, não muito
praticante, fica mais em casa nos finais de semana, acha que lê pouco e culpa a falta de tempo.
Ganhou um livro de autoajuda que a faz procurar mais esse gênero quando pensa em leitura.
Assiste à televisão de vez em quando, nomeadamente filmes e noticiários, gosta de música
sertaneja e pop nacional. Não pretende cursar faculdade, mas desde já incentiva a filha de dois
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anos e meio a fazê-lo. Parou dois anos de estudar. Fez o Ensino Fundamental em várias
escolas. Os pais são analfabetos e o marido não terminou o Ensino Médio. Morou a maior
parte da vida no sítio. Seu contato com a variedade urbana é mediano.
A INF8 mora com a mãe e os irmãos na ZRD, tem 16 anos, está no segundo ano do
Ensino Médio matutino. Morou e estudou em Londrina até o sexto ano do Ensino
Fundamental. Não trabalha, nem ajuda no comércio que a mãe tem no sítio em que moram.
Tem computador em casa e utiliza com frequência para acesso ao Facebook e também para
pesquisas e trabalhos escolares. Viaja nas férias para a casa de familiares na região, não
frequenta a igreja, lê com frequência, nunca foi ao teatro, mas vai ao cinema uma vez ou
outra. Assiste à televisão acima de três horas diariamente, escolhendo filmes, novelas,
entrevistas, programas de humor, programas de auditório e desenhos. Não tem muitos amigos,
gosta de música sertaneja, pop internacional e pagode. A mãe, apesar de ter feito só até a
quarta série, lê bastante, e a introduziu o mundo letrado, por meio da literatura, na primeira
infância. O acesso à variedade urbana é mediano.
A INF9 tem dezoito anos, mora com os pais e uma irmã na ZRD. Cursa o segundo ano
do Ensino Médio, trabalhou por um período em uma loja de roupas na ZCD, utiliza o
computador de casa para trabalhos e acesso ao Facebook. Há dois anos foi para Paiquerê,
oriunda de uma cidade pequena do interior do Paraná, Manoel Ribas, também de caráter
maximamente rural. Suas viagens limitam-se a casa de familiares, é católica praticante desde
a infância, costuma ler. Os pais, apesar do pouco estudo, têm uma relação boa com a leitura e
liam para a informante durante a sua primeira infância. Nunca foi ao cinema ou ao teatro, diz
que não viveria sem a televisão e assiste sempre a filmes, novelas, programas esportivos, de
entrevistas, de humor e de auditório. Gosta de música sertaneja, pretende cursar faculdade de
Biologia. A variedade urbana é alcançada por meio da leitura.
A INF10 tem dezesseis anos, está no segundo ano do Ensino Médio, mora com a mãe,
o padrasto e os irmãos na ZRD. Não trabalha, não acessa o computador com frequência. Nas
férias, costuma viajar para a casa do pai, na capital do estado, não vai muito à igreja, adora
ler, foi ao cinema apenas uma vez. Assiste à televisão todos os dias: filmes, novelas,
programas de humor, programas de auditório e desenhos. Gosta de música sertaneja e pagode
junto de seus bastantes amigos e do namorado. Pretende fazer Direito. Mora somente há oito
meses no distrito, oriunda de uma cidade do norte do Paraná, também de característica rural,
onde também estudou. Mudou com a mãe, dona de casa e semianalfabeta, e o padrasto,
semianalfabeto e administrador de fazenda, a contragosto, no início. O contato com o pai,
87
montador de carros na capital, é regular, mas recente. Não teve acesso à leitura na primeira
infância e seu contato com a norma urbana é mediano.
A INF11 tem quinze anos, está no primeiro ano do Ensino Médio, matutino, mora no
ZRD com os pais e os irmãos. Trabalhou em uma lojinha na ZCD e, no momento da
entrevista, estava se preparando para iniciar o trabalho em uma empresa grande de revenda de
caminhões na cidade de Londrina. É católica fervorosa, acessa a internet para as redes sociais,
nomeadamente o Facebook. Nas férias, costuma visitar parentes em cidades próximas. Nos
finais de semana, vai à igreja, nunca foi ao teatro, assiste muito a filmes, novelas, programas
de auditório e desenhos. Gosta de música sertaneja, pop internacional e funk. Não costuma ler,
mas já leu com certa frequência com menos idade. Não teve contato com a leitura durante a
primeira infância. A mãe, diarista, terminou o Ensino Fundamental. O pai, operador de
empilhadeira, terminou os primeiros anos do Ensino Fundamental, nosso antigo primário, mas
fez muitos cursos relativos à sua profissão, o que o fez galgar novos postos na empresa em
que trabalha. Essa mudança de situação devida aos estudos foi apresentada à informante, que
não tinha conseguido fazer essa relação. Sua reação foi de surpresa, como se descobrisse algo
realmente novo! O contato com a norma urbana é mediano.
A INF12 tem quinze anos, mora na ZRD com os pais e uma irmã, de onde nunca saiu.
Os dois irmãos mais velhos não moram com ela. O irmão é casado e a irmã mora com uma tia
na cidade. Está no primeiro ano do Ensino Médio, período matutino. O Ensino Fundamental
foi concluído no distrito vizinho. Nunca trabalhou, não tem computador em casa, mas acessa
as redes sociais como o Facebook. Suas viagens de férias limitam-se à casa de parentes em
cidadezinhas próximas. É católica praticante, gosta de ler coisas sobre moda, assistir a filmes,
novelas, entrevistas e ouvir pagode e funk. Pretende fazer faculdade de Moda. Os pais
estudaram apenas até a quarta série, sendo o pai agricultor e a mãe dona de casa. O acesso à
variedade padrão é restrito.
De agora em diante, os informantes são todos do sexo masculino.
O INF13 tem dezessete anos, mora na ZCD, está no primeiro ano do Ensino Médio
matutino, tem um irmão e mora com os pais adotivos. Não trabalha por falta de
documentação, já que há uma briga judicial pelo direito ao seu registro, impetrada pela
família biológica contra a adotiva. Há um computador em sua casa e usa com frequência para
pesquisas, trabalhos da escola, e redes sociais virtuais como Orkut, Facebook e MSN. Não
costuma viajar nas férias, é católico praticante, costuma ler a Bíblia e gibis. Não teve contato
com histórias na infância, lidas ou contadas. Nunca foi ao teatro e raramente vai ao cinema.
Assiste à televisão aberta por mais de três horas ao dia, vendo filmes, novelas, programas
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esportivos, humorísticos e desenhos. Tem bastantes amigos, gosta de música sertaneja, rock
nacional, pagode, funk, rap e batidão. Não tem namorada, mas já teve. Pretende cursar
faculdade de Administração de Empresas. Já morou no sítio, tem uma relação de intenso
respeito e admiração pelos pais adotivos. O pai é pedreiro, analfabeto. A mãe é dona de casa,
cursou até a 5ª série (atual 6º ano Ensino Fundamental). A relação de contato com a cultura
urbana é extremamente baixa.
O INF14 tem quatorze anos e está no primeiro ano do Ensino Médio matutino. Mora
com os pais e uma irmã na ZCD, não trabalha, não tem celular, não tem computador, não
acessa as redes sociais virtuais, só vai à igreja de vez em quando e viajou apenas duas vezes,
em uma delas, para a praia. Sempre estudou no mesmo colégio, sai pouco de casa nos finais
de semana. No momento da entrevista, acabara de ganhar uma enciclopédia. Assiste à
televisão por mais de três horas diárias: filmes, novelas, programas de esportes, de humor e de
auditório. Tem bastantes amigos, com os quais gosta de jogar futebol e ouvir música
sertaneja, pagode e funk. O pai, operário, e a mãe, faxineira, leem e escrevem o básico.
Ninguém lia ou contava-lhe histórias na infância. O acesso à variedade urbana é baixo.
O INF15 tem 15 anos, está no segundo ano do Ensino Médio, período matutino. Mora
na ZRD com os pais, uma irmã e um irmão gêmeo. Trabalha com o tio na roça diariamente,
nunca fez cursos, não tem computador e não costuma usar, por isso, não participa de redes
virtuais. Não costuma viajar nas férias, a não ser idas à casa de familiares em sítios vizinhos.
É católico e frequenta a igreja, sendo esse o seu único compromisso aos finais de semana.
Não gosta de ler. Nunca foi ao teatro, nem ao cinema. Assiste à televisão aberta todos os dias
por menos de três horas, preferencialmente filmes, humorísticos e desenhos. Tem muitos
amigos, gosta de rap. Não tem e nunca teve namorada. Não pretende cursar faculdade.
Raramente vai à cidade. O nível de escolaridade dos pais é mediano. O pai é motorista do
ônibus do transporte escolar municipal. Seu contato com o falar urbano é baixo.
O INF16 tem 15 anos, está no primeiro ano do Ensino Médio, mora na ZCD com os
pais. A única irmã é mais velha e casada. Não trabalha, mas faz curso na Guarda Mirim na
cidade. Já fez curso básico de Espanhol em Londrina, não tem computador em casa e,
raramente, utiliza o equipamento na casa de amigos para acessar o Facebook e fazer trabalhos
escolares. Fez o Ensino Fundamental no distrito vizinho. Em suas férias, não costuma viajar,
não vai a igreja, nos finais de semana costuma ficar em casa, não gosta de ler, nunca foi ao
teatro e apenas poucas vezes ao cinema. Gosta de assistir à televisão, em especial a programas
de humor, de esportes, filmes e documentários em canais pagos. Gosta de funk e rap, pretende
fazer faculdade de Engenharia, sem especificar. Filho de pai pedreiro e mãe faxineira, teve
89
contato com a leitura na primeira infância proporcionado pela mãe. O contato com a
variedade urbana é alto.
O INF17 tem 16 anos, está no primeiro ano do Ensino Médio matutino, mora na ZCD
com os pais, não trabalha, nunca fez cursos, não tem computadores em casa, mas tem
Facebook. As férias são passadas, geralmente, na casa de familiares. Não vai à igreja, nos
finais de semana costuma ir a barzinhos e reuniões com amigos no Distrito de Paiquerê.
Costuma ler gibis, gosta de ir ao cinema e não viveria sem televisão, pois assiste sempre a
filmes, novelas, programas esportivos, de humor, de auditório, desenhos e noticiários. Gosta
de funk e música eletrônica. Morou e estudou no Japão por dois períodos. O pai é mecânico e
a mãe é faxineira. Quando criança, a mãe lia para ele. O contato com o falar urbano é
mediano.
O INF18, com dezesseis anos e no segundo ano do Ensino Médio matutino, mora na
ZRD com os pais e um irmão, e trabalha ajudando o pai nos afazeres do sítio. Não tem
celular, não tem computador, não acessa as redes virtuais, não costuma viajar, mas ama jogar
videogame. É católico e vai às atividades de sua religião frequentemente. Aos finais de
semana, fica mais em casa e, invariavelmente, encontra os amigos para uma conversa na praça
central de onde mora. Não gosta de ler, nunca foi ao cinema ou ao teatro, assiste na televisão a
filmes, desenhos e programas de humor por mais de três horas diárias. Gosta de música
sertaneja e funk, não se decidiu ainda em relação a fazer ou não uma faculdade. O pai,
trabalhador rural, e a mãe, dona de casa, estudaram até a quarta séria do antigo primário35. Os
pais não costumam ler, mas, na primeira infância, o menino teve contato com as histórias de
assombração contadas pelos mais velhos em reuniões à noite. Tem baixo contato com o falar
urbano.
O INF19 reside com os pais na ZRD, está no segundo ano do Ensino Médio, no
período matutino, e tem dezesseis anos. Tem computador em casa, mas não é acessado
frequentemente, a não ser para trabalhos escolares. Não costuma viajar nas férias, aos finais
de semana vai a festas e encontro com amigos residentes na região. Não gosta de ler, não vai
ao cinema ou teatro. Diz não viver sem televisão, pois passa quase todo o tempo livre vendo
filmes, novelas, programas de humor, de auditório e desenhos. Gosta de música sertaneja, pop
nacional e internacional, pagode, funk, rap e samba. Não pretende fazer faculdade. Trabalha
ajudando o pai na lavoura, que estudou até a quarta série, como sua mãe. Não teve contato
com a leitura na primeira infância. O falar urbano é bem distante de sua realidade.
35
Na atual nomenclatura, essa etapa corresponde ao II ciclo do ensino fundamental.
90
O INF20 tem 15 anos, está o primeiro ano do Ensino Médio, mora na ZRD com os
pais. Não tem irmãos. É oriundo de uma cidadezinha do interior, em que a agricultura e a
pecuária são as bases econômicas, morando no distrito há cerca de três anos. Trabalha com o
pai em todos os afazeres da fazenda em que moram. Não tem computador em casa, mas tem
conta no Facebook. Nas férias, costuma visitar sua cidade de origem, não vai à igreja, gosta
de jogar futebol nos finais de semana, não gosta de ler, não vai a cinema e nunca foi a teatro.
Assiste sempre a filmes, novelas, programas de esporte, de humor e desenhos em canais
abertos da televisão brasileira. Gosta de música sertaneja, sonha em ser Engenheiro
Agrônomo, para continuar trabalhando com a terra, algo de que gosta muito. O pai,
trabalhador rural, e a mãe, trabalhadora doméstica na sede da fazenda, têm baixo grau de
escolaridade. O pai sabe decodificar, mas a mãe é analfabeta. Na infância, lembra-se apenas
de que o pai o ajudava nas tarefas escolares que tratavam de números. Seu contato com a
variedade urbana da língua é baixo.
O INF21 tem dezessete anos, está no terceiro ano do Ensino Médio período noturno,
mora na ZRD, trabalhou um período na fábrica de lonas em Londrina, mas, no momento da
entrevista, estava desempregado e, por isso, ajudando o avô nas tarefas do sítio. Fez curso de
computação, tem computador em casa, cujo uso varia entre trabalhos escolares e acesso à
internet, especialmente ao Facebook. Suas férias são passadas em casas de parentes em locais
próximos, não costuma sair de casa nos finais de semana para festas, mas gosta de dirigir e
pilotar moto, passeando sozinho pelo sítio. Os pais são servidores gerais, têm pouco estudo,
não costumam ler e não liam para o informante em sua tenra idade. Não gosta de ler, não
pretende fazer faculdade, pois acredita não ser capaz de arcar com essa despesa financeira.
Assiste à televisão de vez em quando, privilegiando programas de humor e jornais. Gosta de
música sertaneja, rap, funk e hip hop. A variedade urbana é um pouco distante de seu
cotidiano, por isso, o contato é baixo.
O INF22 é irmão gêmeo do INF15. Tem 15 anos, está no segundo ano do Ensino
Médio, período matutino. Mora na ZRD com os pais, uma irmã e um irmão gêmeo. Trabalha
com o tio na roça diariamente, nunca fez cursos, não tem computadores e não participa de
redes virtuais. Trabalha ora ajudando o tio no sítio em que moram, ora ajudando o pai em
obras. Não costuma viajar nas férias, apenas visitando familiares em sítios vizinhos. É
católico e frequenta a igreja. Jogar futebol e andar de moto são os seus compromissos aos
finais de semana. Não gosta de ler. Estava odiando ler “Dom Casmurro”, a pedido da
professora. Nunca foi a teatro, nem a cinema. Assiste à televisão aberta todos os dias por
menos de três horas, preferencialmente filmes, humorísticos e desenhos. Gosta de ouvir
91
música sertaneja e funk. Não pretende cursar faculdade. Raramente vai à cidade. Os pais têm
maior nível de escolaridade. O pai é pedreiro, mas também transporta alunos no transporte
escolar municipal. Seu contato com o falar urbano é baixo.
O INF23 tem dezesseis anos, está no terceiro ano do Ensino Médio noturno, mora com
os pais e um irmão na ZCD, trabalha no Departamento de auditoria da administradora do
maior centro de compras de Londrina, fez diversos cursos, inclusive de Espanhol, utiliza o
computador com frequência, tendo conta no Facebook e no Twitter. Suas férias são passadas
na praia, é católico assíduo, inclusive acólito36. Gosta muito de ler e de sair com os amigos, já
assistiu às peças de teatro encenadas no FILO, algo de que gosta muito. Gosta de televisão,
mas não assiste muito, privilegiando filmes, novelas, programas esportivos, documentários e
noticiários. Gosta de rock e pop nacional e internacional. Terminando o Ensino Médio, irá
para a capital para se preparar para cursar Engenharia Civil na Universidade Federal e
pretende, tão logo seja possível, obter um intercâmbio para estudar nos Estados Unidos. O pai
é mecânico, estudou até a quarta série, e a mãe é uma espécie de governanta em casa de uma
família de Londrina. Seu contato com a leitura vem da mãe, que não só lia para ele na
infância, como até hoje costuma ler a Bíblia em voz alta para que ele e os irmãos
acompanhem. O contato com o falar urbano é alto.
O INF24 tem dezessete anos, está no terceiro ano do Ensino Médio noturno, trabalha
no Departamento Jurídico da maior universidade particular da cidade, e mora na ZCD com os
pais. Filho único do casal, gosta de tocar guitarra, ir aos cultos e encontros de sua igreja, com
a qual tem uma relação intensa. O pai é mecânico e a mãe é empregada doméstica em
Londrina. Entrou na escola já sabendo ler e escrever. Sua mãe lia e contava muitas histórias,
segundo ele. Gosta de ler, mas prefere textos na internet, sobre variados temas, em especial
sobre Psicologia. Assiste pouco à televisão, preferencialmente ao Chaves. Gosta de “blues,
jazz, um pouco de country e folk. Rock com influência de música clássica também me
agrada”, conforme ele mesmo anotou no questionário socioeconômico a que respondeu. É um
informante com ideias bastante críticas e, por vezes, originais. Expressou-se, a maior parte do
tempo, utilizando um falar muito urbano e culto. Contato alto com a variedade urbana.
E são esses os meus informantes, os adolescentes que me ajudaram a compreender
melhor a expressão linguística desse grupo tão heterogêneo e, assim, tão representativo da
linguagem. Para especificar melhor esses meninos, no que concerne a alguns dados pontuais,
36 “Acólito é aquele ou aquela que, na celebração da liturgia católica, precede, vai ao lado ou segue outras
pessoas, para as servir e ajudar.” Disponível em: <http://acolitos.liturgia.pt/curso/curso04.php>. Acesso em:
12 ago. 2014.
92
apresento alguns gráficos e quadros, os quais me ajudam a detalhar com mais exatidão os
informantes.
Entre os 24 adolescentes, há três casadas (INF1, INF6 e INF7), e duas delas têm filhos
(INF6 e INF7), cujo papel é interessante na configuração de sua fala. As duas relataram se
preocupar mais com a forma de articular a linguagem a partir do momento em que as filhas
passaram a copiar suas falas. A INF6, respondendo se havia alguém que a levasse a se
preocupar em falar de uma maneira mais padrão, disse “coa minha filha, pra ela aprendê a falá
certo”(L.574;75). A INF7 também: “quando eu tive minha filha também, porque falava
errado, eu percebi qui ela tava começano a falá errado, eu falei ‘não podi’, começá a falá
certo” (L.733).
Quase todos os adolescentes, 71% , encontram-se no ano escolar adequado, e apenas
21% não pretendem cursar faculdade. O INF24 iniciaria, no ano seguinte ao da entrevista, o
curso de Psicologia na universidade particular em que trabalha.
Começando pelo gráfico 4, trago a visualização do acesso à variedade das agências
hegemônicas representativas do falar urbano:
Gráfico 4 – Acesso ao falar urbano
Fonte: a própria autora (2014)
Fica clara, nessa sistematização, a predominância do baixo contato dos informantes do
ZRD com o falar urbano, gerado, muitas vezes, pelo trabalho localizado, por pais
semianalfabetos ou analfabetos, pela pouca leitura ou por questões identitárias. Falarei mais
sobre isso na análise das redes individuais desses adolescentes. O INF20, por exemplo,
esclarece seu pouco contato com a urbanização ao alegar ir muito pouco para a cidade, o que
justifica “num curto muito Londrina, mais uma vez por meis só, mais im casa.” (L.2292)
93
O gráfico 5 representa o contato dos informantes com a leitura na primeira infância,
atitude que, como veremos adiante, é fundamental para a construção de um leitor no futuro.
Gráfico 5 – Leitura ou contação de histórias por pais ou cuidadores na
primeira infância
Fonte: a própria autora (2014)
O acesso às histórias infantis ou contos populares por meio da leitura, ou mesmo da
contação não sistematizada, durante a primeira infância, é refletido no gosto pela leitura agora
na adolescência e também é um diferencial que aproxima a fala desse adolescente do padrão
culto, urbano.
A INF1 não teve quem lesse para ela em sua idade tenra, mas o avó contava histórias
populares, como as de terror, por exemplo, o que pode ter despertado nela o gosto pela leitura,
que lhe é um hábito atualmente, como ela me conta “Ah eu leio di tudo um poco, mais eu
gosto mais di livros meio qui di suspensi, essas coisa assim” (L.58,59). A INF11 também teve
contato com esse tipo de literatura oral e manteve o hábito pela leitura até um período, o que
já não faz com frequência atualmente, pois, segundo ela, “agora qui eu fiquei mais um poco
mais sonera, é muita coisa pra fazê, aí deixei di lado, [...] quando eu era criança eu lia mais.”
(L.1340,41). O INF18, entretanto, apesar de ter contato com a contação de histórias e ter com
a mãe uma leitura assídua da Bíblia, não gosta de ler, como ele mesmo diz “Ah, importanti,
mai num gosto di lê não. (L.2171,72)”
As INF3, INF7, INF10, INF12 e os INF13, INF14, INF15, INF19, INF20, INF21,
INF22 e INF24 não tiveram qualquer tipo de contato com a literatura, quer oral, quer escrita,
durante a sua tenra idade.
94
Desses, a INF3 diz, na entrevista, que costuma ler. Entretanto, no decorrer das
perguntas, percebo que ela não tem esse hábito, que representava um papel de leitora, talvez
por achar que aquilo seria importante. Vi, aqui, uma salvaguarda de sua imagem, naquilo que
Brown e Levinson (1987) chamam de preservação da face, visto que ela tenta me apresentar
uma face de leitora assídua, que talvez achasse ser mais bem aceita por mim, no papel social
que assumi ao entrevistá-la.
Ela foi, entre todos os entrevistados, a pessoa que mais mostrou dificuldades na leitura
em voz alta, extremamente precária, e na compreensão das perguntas, revelando-se totalmente
despreparada em relação ao letramento crítico e à postura de cidadã capaz de agir socialmente
em todas as circunstâncias, como se esperava, já que estava na metade do 3º ano do Ensino
Médio na ocasião da entrevista. Além de tudo isso, os traços descontínuos são marcantes em
sua expressão linguística.
A INF10 adora ler, apesar de não ter tido contato com a leitura na infância, e a INF12
lê matérias sobre moda na internet. O INF14, mesmo na era da informática, no dia de nossa
conversa, acabara de ganhar um presente que o faria ler. Ele mesmo afirmou “agora eu ganhei
uma enciclopédia do Decamerão, agora eu vô lê por causo qui principalmenti cai im
vestibular” (L.1760, 61)
O INF24 afirma ter tido muito contato com a leitura na infância, o que, inclusive,
favoreceu sua alfabetização precoce, pois, segundo ele, “até porque quando eu, quando eu
comecei na iscola, eu mesmo lia minhas histórias” (L.2884), e hoje “Gosto, leio tudo, di tudo
um poco” (L.2877). Interessante esse informante. Ele usa a língua muito próxima do falar
urbano, não apresentando marcas descontínuas. No início, achei que estava apenas se
adequando ao entrevistador, atitude comum, entretanto, permaneceu fiel ao estilo até em
momentos de maior descontração ou emoção.
Por fim, a INF2, INF4, INF5, INF6, INF8, INF9 e os INF16, INF17 e INF23 tiveram
contato com a leitura por meio de seus pais ou cuidadores na primeira infância. Interessante
aqui é a diferença entre os meninos e as meninas, pois, entre aqueles para quem os pais liam
na infância, a maioria é de mulheres. Além disso, apenas a INF9 não está na idade condizente
ao ano na escola, ou seja, tem 18 anos e está no segundo ano.
A INF5 hoje em dia lê frequentemente uma revista juvenil (“Capricho”), estimulada
pela mãe que não só lia na infância para a informante, como hoje se mantém uma leitora
assídua. A INF6, apesar de ter contato com a leitura na infância e sua mãe ainda incentivá-la
ao hábito, odeia ler. Acha a prática tediosa e algo que “só servi pa dá sono” (L.618). O INF23
também tem contato com mãe leitora, a qual, inclusive, promove momentos de leitura em voz
95
alta da Bíblia para os filhos ouvirem. Acólito na igreja católica, o informante tem contato com
muitos textos religiosos.
Os demais informantes têm particularidades, entretanto, nada relevantes que
merecessem um comentário especial.
O que resulta disso é a constatação do desinteresse por leitura pela maior parte dos
informantes. Dos vinte e quatro, dez não leem nunca e nada. Quando o fazem é por obrigação,
livros impostos pela escola, dos quais não tiram nenhum proveito. 33% leem com certa
frequência, mas apenas três disseram ler por prazer, entretenimento, para busca de cultura
geral e aprendizagem, que são a INF1, INF5 e o INF24. Os demais, 25%, leem
esporadicamente, incluindo aí páginas da internet.
Em se tratando da imposição de livros pela escola, foi possível constatar, pelas falas
dos informantes, um procedimento metodológico da professora de Língua Portuguesa.
Não é o foco deste trabalho analisar o trabalho da professora, entretanto, necessário se
faz uma breve consideração. Todos os alunos do Ensino Médio têm a mesma professora de
Língua Portuguesa. Como avaliação do Bloco, ela solicitou aos alunos que lessem o livro de
Machado de Assis “Dom Casmurro”. Trabalho válido, pois tenciona incutir o gosto pela
leitura por meio do que há de melhor em nossa literatura. Entretanto, de acordo com os alunos
entrevistados, em conversas fora da entrevista para a tese, não houve um trabalho de préleitura, uma discussão preliminar sobre a obra, ou qualquer coisa do gênero.
Considerando, ainda mais, a densidade da obra lida, em vez de proporcionar o gosto, a
professora poderá estar perpetuando maior desinteresse, já que o único trabalho a ser feito, ao
final, seria uma ficha de leitura, com os personagens, e um breve resumo da obra, sem que
houvesse qualquer discussão crítica, posicionamento social, psicológico. Alguns alunos já
estavam terminando a leitura e sequer tinham percebido o cerne do romance, que é a dúvida
em relação a uma traição de Capitu, obra de tanta discussão nos círculos literários. A
professora não cumpriu o papel de agente de letramento, uma vez que não proporcionou a
seus alunos a mediação leitora necessária para que percebessem o livro.
Ler e apreciar uma obra, atribuir sentido a ela, reler, comentar, comparar com outras leituras,
cotejar com sua realidade, seus atos cotidianos, ouvir o que dizem outras pessoas sobre o livro e
ampliar seu olhar são ações que a escola pode desenvolver com os alunos em diferentes faixas
etárias, mas, como já mecionado, essa discussão, apesar de relevante, não é o foco deste trabalho.
Por fim, por meio desses meninos e meninas, de sua fala jovial, de sua expressão
descompromissada, obtive dados para buscar respostas às questões propostas, as quais passo, então,
a apresentar no capítulo seguinte.
96
4
A ANÁLISE
Nos capítulos anteriores, estabeleci as considerações teóricas e metodológicas que
direcionam e orientam o que se encerra como o coração de toda a pesquisa: a análise.
Colhidos os dados, estabelecidos os caminhos a trilhar, as fontes a embasar, testo
minhas hipóteses, cruzo teorias e a realidade, dentro dos objetivos propostos, buscando uma
análise eficiente no sentido de descrever, de fato, a expressão linguística do público a com que
me propus trabalhar.
De acordo com Bortoni-Ricardo (2009, p. 34)
Entre os indivíduos de origem rural, encontramos aqueles que, por meio do
ensino sistemático da língua na escola ou pelo convívio da cultura de
letramento, já estarão adiantados no processo de conformação de sua
linguagem aos padrões citadinos de prestígio, enquanto outros conservarão,
ainda quase inalterados, seus hábitos linguísticos originais.
Assim sendo, levando em consideração terem em comum a rede social escola, e,
portanto, o conhecimento sistemático da língua, o que leva meus informantes a expressaremse utilizando o falar urbano ou o falar rural?
Focar no que isso representa na configuração linguística dos informantes é o que
concerne. Para tanto, desenhar as redes de interação dos adolescentes pesquisados se faz
mister. É o que faço por meio do método da ARS, que detalho no subitem que seguinte.
4.1
ANÁLISE DE REDES SOCIAIS (ARS): UM MÉTODO ANALÍTICO
A ARS, devido à “tipologia dessas redes (em sua relativa multiplexidade e densidade)
guarda uma estreita relação com a mobilidade social do indivíduo e, portanto, desempenha um
papel decisivo nos processos de extensão da mudança.37” (CARAVEDO, 2003, p. 45, grifos
do autor, tradução minha), assume sua importância como método de análise nesta tese.
Além disso, segundo Hegel, o que a verdadeira ciência sempre buscou foi exatamente
entender as relações, como se dá a interação, os processos sociais em que se envolvem os
seres humanos.
Originalmente utilizada nos sistemas de telecomunicações e computação, procura
estabelecer um meio objetivo de identificar conexões (laços ou relações) e pontos (nós ou
37 La tipología de tales redes (en su relativa multiplicidad y densidad) guarda una estrecha relación con la
movilidad social del individuo y, por lo tanto, desempeña un papel decisivo en los procesos de extensión del
cambio.
97
atores) dentro de um sistema determinado e, com isso, representar padrões estruturais de
relações, os quais tanto podem se apresentar como constantes, ou totalmente imprevisíveis e
não lineares
É uma metodologia aplicada ao estudo das relações entre entidades e objetos de
qualquer natureza, em especial no que tange aos problemas complexos, como a manutenção e
mudança linguística, por exemplo, e por isso viável para os estudos sociais.
De acordo com Hanneman e Ridle (2005), a ARS caracteriza-se fundamentalmente
por sua ocupação com dados que expressam relações (conexões ou laços) entre objetos (nós,
indivíduos, grupos) diversos, ocasionando um deslocamento de foco analítico. Ou seja, a
abordagem tradicional nas ciências humanas centra-se nos atributos individuais, ao passo que
a ARS vislumbra as relações estabelecidas por esses indivíduos com demais participantes em
determinado contexto social.
Barry Wellman (1999, p. 11) afirma que “a essência da análise de redes sociais está no
foco sobre as relações e estruturas sociais — onde quer que possam ser localizadas e
quaisquer que sejam os atores envolvidos”.
Existem padrões de interação, os quais podem ser compreendidos como unidades,
estruturas de certa forma duráveis que seguem, teoricamente, determinações lógicas
intrínsecas do sistema do qual fazem parte.
A ARS considera as relações como blocos de construção da estrutura social e entende
que o ambiente social se expressa pelos padrões ou regularidades presentes em tais relações. É
um conjunto de métodos voltado para o estudo sistemático das estruturas sociais e visa à
descrição e à análise dos padrões relacionais presentes nas redes.
Para a ARS, não há a dicotomia sincronia/diacronia, dada a dinamicidade das redes e o
foco se volta, justamente, para esse dinamismo, visto ser a realidade social resultado de
decisões individuais, autônomas, por isso a relação entre macro e micro é inerente.
Utilizar a ARS como método de análise é mais propício ao tratar da fala, ato
individual, pois os indivíduos não são tratados como equi-iguais, já que são, faticamente,
extremamente diferentes.
Em redes, tudo isso está relacionado, imbricado, sendo os dados dependentes uns dos
outros e a mensuração dessa imbricação pode se dar por meio de dois tipos de análise: as
sociocêntricas e as egocêntricas.
As redes sociocêntricas configuram-se por dados coletados dos membros de um grupo
sobre o contato com outros membros do grupo, de maneira a estabelecer as interações de todo
mundo com todo mundo.
98
Redes egocêntricas ou pessoais focalizam os efeitos da rede sobre as atitudes
individuais e comportamentos condicionantes, ou seja, preocupa-se com os efeitos de uma
rede sobre atitudes individuais, por exemplo, como o contexto e a estrutura social afetam as
liberdades individuais e, nesse caso em especial, como as redes afetam a configuração da fala
do adolescente que reside em Paiquerê.
A título apenas de ilustração, uma vez que não é foco desta tese quantificar todas as
redes dos informantes de maneira sistemática, desenhei, por meio do programa Egonet, a teia
interacional dos vinte e quatro informantes, as quais apresento a seguir.
4.1.1 Egonet38
Criado por Christopher McCarty, da Universidade da Flórida – EUA, é um software
livre, disponível para ser baixado na internet, que, além de outras funções não relevantes para
este trabalho, quantifica os contatos de pessoa determinada, por meio da identificação de
conexões (laços ou relações) e pontos (nós ou atores) dentro de sua rede egocêntrica ou
pessoal, estabelecendo os padrões estruturais de sua interação e, com isso, definindo a
constância e a aleatoriedade de suas relações.
4.1.1.1
Perfil dos informantes com o Egonet
Das respostas dadas a três perguntas39 adicionais ao questionário socioeconômico
aplicado aos informantes na primeira fase da coleta de dados para esta tese, obtive, com a
ajuda do programa Egonet, um mapeamento das redes de interação de meus informantes.
Obtidos os nomes, esses foram lançados no programa, em uma terceira fase da
entrevista, que se caracterizou pela definição de quem se relaciona com quem na rede. Cada
informante foi convidado a responder a afinidade que cada membro de sua rede pessoal tem
com o outro. Exemplificando pela INF1: ela citou marido, avó, patroa, mãe e irmão, nessa
ordem, como os membros de sua rede pessoal de interação. Questionei se o marido, primeiro
membro citado, interagia com avó, patroa, mãe e irmão; na sequência, se a avó se relacionava
38
Todas as informações aqui trazidas a respeito do programa Egonet e alguns dados sobre a ARS foram obtidos
por meio da participação em um curso promovido pelo Departamento de Sociologia da Universidade Federal
de Minas Gerais, em Outubro de 2013. Partem, portanto, de anotações das falas dos instrutores, por isso não
trazem referências sistematizadas.
39
Quais são as cinco pessoas mais importantes na sua vida? Quais foram as cinco pessoas com quem mais
conversou desde o início da semana? Se ganhasse um prêmio hoje, com quem o dividiria?
99
com o marido, patroa, mãe e irmão; assim sucessivamente e com todos os vinte e quatro
adolescentes.
O resultado, apresentado na sequência, permite caracterizar as redes desses
informantes, no que concerne à densidade e à complexidade, bem como a qualidade dos laços,
se densos ou frouxos, o que é de fundamental importância para a manutenção ou a mudança
do falar identitário em favor de um outro que se deseje alcançar, como a mudança do falar
rural para o falar urbano.
Ademais, conhecer os laços permite entender como as redes agem em relação ao
desejo, consciente ou não, que o falante tem pela manutenção ou mudança. Em relação a isso,
alicerço-me em Bortoni-Ricardo (2014, p. 130), quando assegura que “em comunidades de
tessitura miúda, onde praticamente todas as pessoas interagem entre si, a pressão normativa é
maior. Em comunidades de redes mais esparsas, de tessitura larga, a pressão normativa é
menor”.
Vejamos como ficaram esses mapas:
Mapa 1 – Rede Pessoal INF1
Fonte: a própria autora
100
Mapa 2 – Rede Pessoal INF2
Fonte: a própria autora
Mapa 3 – Rede Pessoal INF3
Fonte: a própria autora
Mapa 4 – Rede Pessoal INF4
Fonte: a própria autora
101
Mapa 5 – Rede Pessoal INF5
Fonte: a própria autora
Mapa 6 – Rede Pessoal INF6
Fonte: a própria autora
Mapa 7 – Rede Pessoal INF7
Fonte: a própria autora
102
Mapa 8 – Rede Pessoal INF8
Fonte: a própria autora
Mapa 9 – Rede Pessoal INF9
Fonte: a própria autora
Mapa 10 – Rede Pessoal INF10
Fonte: a própria autora
103
Mapa 11 – Rede Pessoal INF11
Fonte: a própria autora
Mapa 12 – Rede Pessoal INF12
Fonte: a própria autora
Mapa 13 – Rede Pessoal INF13
Fonte: a própria autora
104
Mapa 14 – Rede Pessoal INF14
Fonte: a própria autora
Mapa 15 – Rede Pessoal INF15
Fonte: a própria autora
Mapa 16 – Rede Pessoal INF16
Fonte: a própria autora
105
Mapa 17 – Rede Pessoal INF17
Fonte: a própria autora
Mapa 18 – Rede Pessoal INF18
Fonte: a própria autora
Mapa 19 – Rede Pessoal INF19
Fonte: a própria autora
106
Mapa 20 – Rede Pessoal INF20
Fonte: a própria autora
Mapa 21 – Rede Pessoal INF21
Fonte: a própria autora
Mapa 22 – Rede Pessoal INF22
Fonte: a própria autora
107
Mapa 23 – Rede Pessoal INF23
Fonte: a própria autora
Mapa 24 – Rede Pessoal INF24
Fonte: a própria autora
4.1.2 Característica das Redes com Base no Mapeamento do Egonet
Classificadas as redes em relação à importância, relevante se faz especificá-las quanto
à densidade das redes e da multiplexidade dos laços, como apresento no Quadro 1, pois,
consoante Bortoni-Ricardo (2014, p. 130), “as características desses vínculos podem ser
muito reveladoras das identidades dos membros do grupo”.
108
Quadro 1 – Classificação das redes quanto à densidade e multiplexidade
REDE
DENSA
REDE
LAÇOS
FROUXA MULTIPLEX FORTES
LAÇOS
UNIPLEX FRACOS
XX
INF1
XX
INF2
XX
XX
INF3
XX
XX
INF4
XX
XX
INF5
XX
XX
INF6
XX
XX
INF7
XX
XX
INF8
XX
XX
INF9
XX
XX
INF10
XX
XX
INF11
XX
XX
INF12
XX
XX
INF13
XX
XX
INF14
XX
XX
INF15
XX
XX
INF16
XX
XX
INF17
XX
XX
INF18
XX
XX
INF19
XX
XX
INF20
XX
XX
INF21
XX
XX
INF22
XX
XX
INF23
XX
XX
INF24
XX
XX
Fonte: a própria autora (2014)
O mapa do INF24 é o único a apresentar dois laços que não se cruzam. Dessa maneira,
sua rede pessoal pode ser caracterizada como frouxa, uma vez que não apresenta redundância
de vínculos e há mais de um laço fraco, multiplex, que se abre para o contato exterior. Essa
pode ser a causa da aproximação total com o falar urbano, que usa, entre outros exemplos,
“Nossa eu num faço ideia, até porque eu num participava muito” (L.2814,15), pois tais redes
favorecem a adesão à cultura de prestígio e, com isso, a aproximação ao falar urbano.
Bortoni-Ricardo (2005, p. 88) justifica tal postura ao relatar que
109
Quando o individuo consegue ascender socialmente, sua rede de interação
torna-se mais heterogênea, e, consequentemente, de tessitura mais frouxa. O
processo de difusão dialetal se intensifica, e o falante vai se aproximando da
norma culta, adquirindo uma gama mais ampla de registros [...].
As redes de INF1, INF6, INF7, INF9, INF10, INF11 e do INF23 trazem pelo menos
um laço fraco, aberto para o exterior, além de não haver ligação entre todos os membros de
sua rede pessoal. Podem, portanto, também se caracterizar como redes frouxas, uma vez que
há grandes possibilidades de interferência externa. Associo esse tipo de rede a uma prática
linguística rurbana, ou seja, é possível que, em uma alocação final desses informantes no
contínuo de urbanização, posicionem-se em pontos rurbanos, mais próximos de um extremo
ou de outro, mas não especificamente nas pontas da linha.
A rede trabalho, ainda que relevante, pode ter características distintas, o que afeta a
configuração linguística dos informantes. Como exemplo, cito a INF7 e INF23. A INF7, cujo
local de trabalho é o próprio distrito, apresenta traços do falar rural, como “Tem qui sê
compreto?” (L.699), ao passo que o INF23, que trabalha no maior centro comercial de
Londrina, expressa-se bem próximo do falar urbano, mesmo nos últimos momentos da
entrevista, em que, relaxado, já apresentava o seu vernáculo, como em: “aí ela dexô um pidido
qui era pra cuidarmos do filho mais novo dela qui é o qui mora im Santa Catarina”
(L.2792,93).
Tal discrepância na fala de informantes que têm a rede trabalho em suas interações
pode ser respondida por fatores conjugados. Ainda utilizando os INF7 e INF23, o local de
trabalho e o grau de letramento dessas redes influenciam uma mudança ou manutenção do
falar rural. A INF7 trabalha em um mercado localizado na área urbana do distrito, tendo a
função de remarcar preços e repor mercadorias. Ainda que seus patrões tenham um status
social superior, também moram no distrito, e as colegas de trabalho são todas de lá. O grau de
letramento dominante é mínimo. Já o INF23 trabalha na administração de um shopping
center. Todos os seus colegas de trabalho utilizam o falar urbano, quando não, um rurbano
situado bem próximo da ponta do contínuo de urbanização. Esses fatores são, de fato,
preponderantes na diferença marcante entre as falas desses dois informantes.
A INF1 tem no trabalho uma motivação para a alternância de norma. Ela mesma, em
sua entrevista, conta-me que uma de suas patroas, professora aposentada da UEL, cobra-lhe
um falar mais próximo do padrão. Em Bortoni-Ricardo (2011), vemos que é possível associar
este fato ao que Labov chama de “incongruência de status”, uma vez que a informante, na
busca pelo uso do falar urbano, está adotando os valores de um grupo externo ao seu, um
110
grupo que tem como referência, e, nessa busca, alterna entre o rural e o urbano, ficando no
rurbano, como se vê em “Intão, o qui eu assisto mais é os canais pagos, né, eu gosto do
History, eu gosto do di filmes, todos os canal di filmi.” (L.36,7). Devido a esse contato com
patroas diferentes, suas redes são frouxas e com laços uniplex.
A INF6 tem uma ligação com o trabalho, personificada na pessoa de sua supervisora,
bastante forte. Sua rede é frouxa, com laços uniplex na maioria das interações. A INF7 inserese em uma rede relativamente frouxa, já que existem laços frouxos, com pontos difusão.
Em relação às INF2, INF8, INF12 e aos INF16 e INF17, ainda que estejam alocadas
nos espaços do quadro, e que a maioria dos laços seja interligada, há pontos desconectados,
sem elos de coesão, como vimos em Milroy (1987), o que possibilita a intervenção externa
não categórica. Essa abertura caracteriza suas redes como relativamente densas e os laços
como relativamente fortes, o que pode ser responsável pelo falar rurbano, pois as expressões
ora estão mais próximas do falar urbano, ora aproximadas do rural. A INF2, por exemplo,
apresenta essa alternância, a exemplo de: “Ué, por causo qui eu acho bem bunito aquelas
praia, eu sempre tive vontadi di conhecê-las.” (L.182,83). A expressão “por causa qui” não é
bem aceita socialmente, por isso, um traço descontínuo, contrastando com o uso de acordo
com a prescrição da norma padrão do pronome oblíquo (conhecê-las). Ainda há a falta de
concordância nominal — de gênero e de número — em: “bem bonito aquelas praia”, traços
graduais, pois aparecem na fala não monitorada da grande maioria dos falantes.
Na fala de INF8, temos “é ligaro né pu um zero nove da pulicia e falo que tinha qui é
um bicho perigoso dentro da casa qui ia pegá ele” (L.956,57). No primeiro uso do verbo na
terceira pessoa do plural, há concordância, entretanto, ocorre a desnasalização, o que, de
acordo com Bortoni-Ricardo (2011), é uma das marcas do falar rural. Além disso, não ocorre,
no segundo verbo, a concordância com a terceira pessoa do plural subentendida. Essa
característica rurbana também é específica de zonas periféricas das grandes cidades, local em
que a informante residiu por um período antes de morar na ZRD.
Já as redes de INF3, INF4, INF5 e de INF13, INF14, INF15, INF18, INF19, INF20,
INF21 e INF22 são densas, já que todos os membros interagem entre si. A influência de
fatores exteriores é dificultada pelos laços fortes, multiplex. Todos os pontos são conectados.
Suas redes são, portanto, de tessitura miúda.
A INF4, por exemplo, tem um laço característico das redes densas, que é a
multiplexidade dos papéis: seu pai é também seu patrão. Mesmo fazendo cursos e tendo
namorado, essas redes são ligadas às outras, o que fixa a densidade total de sua rede de
interações. A mãe é seu modelo, sua referência profissional. Única mulher com essa
111
característica de vínculo, junta-se aos meninos, pois INF15, INF18, INF19, INF20, INF21 e
INF22 têm em comum os pais ou algum familiar representando mais de um papel em suas
interações, marca de redes de tessitura miúda.
A família tem um peso grande para a maioria desses informantes, como a INF3 que
tem na mãe seu grande modelo de vida, sendo a rede dominante não só nas interações, bem
como em relação ao referencial a ser seguido.
O INF19 tem a namorada como uma referência para um falar mais apurado e alega
“quando tô cum ela eu cuido mais do jeito di falá.” (L.2226)
Cada um dos informantes tem uma referência, um modelo a ser seguido, representado
pelo ponto central de suas redes de interação.
4.2
IMPORTÂNCIA DAS REDES, SOB O PONTO DE VISTA DOS INFORMANTES
Bortoni-Ricardo (2014, p. 73) assegura haver, além da escola, diversas intuições que
“podem ser referidas como promotoras da padronização linguística”, citando os cartórios,
sede dos bispados, lojas maçônicas, etc. Além dessas instituições, a própria autora (2011)
preconiza a facilitação ao acesso da cultura urbana por outros veículos institucionais, mais
uma vez frisando a relevância da educação formal nesse processo. Classifico esses veículos
institucionais em, além da escola, a família, o trabalho, a igreja e o grupo de amigos.
Classificadas as instituições, pedi a cada informante que quantificasse a importância
dessas entidades em sua vida, de uma forma geral. O resultado apresento no Quadro 2, a
classificação pelas mulheres, e no Quadro 3, como classificaram os homens.
Quadro 2 - Importância das redes – atribuição das informantes do sexo feminino
IGREJA
FAMÍLIA
INF1
Sem
ZCD
Importância
Importante
INF2
Muito
Muito
ZCD
Importante
Importante
INF3
ZCD
TRABALHO
Muito
Muito
Importante
Importante
Importante
AMIZADE
Importante
Muito
Importante
Muito
Importante
ESCOLA
Importante
Importante
Muito
Importante
Importante
Importante
112
Continuação Quadro 2 - Importância das redes – atribuição das informantes do sexo
feminino
IGREJA
FAMÍLIA
TRABALHO
ESCOLA
AMIZADE
INF4
Muito
Muito
Muito
Muito
ZCD
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
INF5
Muito
Muito
Muito
Muito
ZRD
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
INF6
Muito
Muito
ZCD
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
INF7
Muito
Muito
ZCD
Importante
Importante
INF8
Muito
Muito
ZRD
Importante
Importante
INF9
Muito
Muito
ZRD
Importante
Importante
Muito
Importante
Importante
Importante
Muito
Importante
Importante
Muito
Muito
Importante
Importante
Importante
Muito
Muito
Muito
Importante
Importante
Importante
Importante
INF11 Muito
Muito
Muito
Muito
Muito
ZRD
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
INF10
ZRD
Importante
Importante
INF12
ZRD
Importante
Muito
Importante
Importante
Fonte: a própria autora (2014)
O que o quadro traz de relevante é a quase unanimidade em relação à importância da
escola e da família, redes comuns a todos os informantes. Unicamente as INF1 e INF3
consideram a família apenas importante, ao mesmo tempo em que somente as INF6 e INF12
consideram dessa maneira a escola. A INF1 é a única a não dar importância à rede social
igreja, uma vez que não tem qualquer relação com ela. A INF11 dá importância igual a todas
as suas redes de interação.
Estratificando entre as moradoras da ZCD e a ZRD, não há traços marcantes em
relação à importância atribuídas às redes que possam diferir quanto ao local de moradia.
O quadro 3 traz essa visão, agora do ponto de vista dos meninos.
113
Quadro 3- Importância das Redes – Atribuição das Informantes do Sexo Masculino
IGREJA
FAMÍLIA
TRABALHO
ESCOLA
AMIZADE
INF13 Muito
Muito
Muito
Muito
Muito
ZCD
importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Muito
Muito
Muito
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Muito
Muito
Importante
Importante
Importante
Muito
Muito
importante
INF14
ZCD
Muito
Importante
INF15
ZRD
Muito
Importante
INF16
ZCD
Importante
Importante
Importante
INF19
ZRD
Muito
Importante
INF20 Muito
ZRD
Importante
Muito
INF18 Muito
ZRD
Importante
Muito
INF17
ZCD
Importante
Importante
Importante
Muito
Importante
INF21
ZRD
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
INF22
ZRD
INF23
ZCD
Muito
Importante
Importante
INF24 Muito
Muito
ZCD
Importante
Importante
Muito
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Importante
Fonte: a própria autora (2014)
Apenas aos INF13 e INF22 todas as suas redes de interação têm o mesmo peso, a
mesma importância. A rede família é também significativa para os homens, ao passo que a
rede amizade não tem a expressividade que eu esperava encontrar. O INF17 dá muita
importância apenas à família, talvez influência de sua descendência japonesa, povo que, em
geral, preza muito os valores familiares.
Estratificando entre as moradoras da ZCD e a ZRD, não há traços marcantes em
relação à importância atribuídas às redes que possam diferir quanto ao local de moradia.
Muito além da importância atribuída pelo próprio informante, cabe estipular sua
aproximação com cada rede, com qual delas o informante interage mais, cujo contato não só
114
determina sua identidade como lhe serve também de referência. Por meio da entrevista,
cheguei à seguinte categorização (Quadro 4):
Quadro 4 – Peso das redes – contato e referência
Rede de maior contato
Rede de identificação
INF1
Família
Trabalho (Patroa)
INF2
Família
Escola (Professora)
INF3
Família
Família (Mãe)
INF4
Família
Família (Mãe)
INF5
Família
Família (Mãe)
INF6
Família
Amizade (Vizinha)
INF7
Família
Amizade
INF8
Família
Amizade
INF9
Família
Escola (Professora)
INF10
Família
Família (pai separado)
INF11
Família
Amizade
INF12
Família
Família (Cunhada)
INF13
Família
Família (Pai)
INF14
Família
Família
INF15
Família
Família (Pai)
INF16
Família
Escola (Instrutor curso)
INF17
Família
Amizade (colegas escola)
INF18
Família
Amizade
INF19
Família
Família (Namorada)
INF20
Família
Família (Pai)
INF21
Família
Família (irmão)
INF22
Família
Família (Tio)
INF23
Família
Trabalho
INF24
Família
Trabalho
Fonte: a própria autora
Sabendo a importância que cada rede representa para o informante, é possível
identificar sua referência externa. Estimando o peso que cada uma encerra nas interações, é
presumível sua preponderância. Sendo relevante e preponderante, será alicerce para o
informante e sua expressão linguística cotidiana. Redes tecidas por mais ou menos eventos de
letramento são significativas para a difusão ou a manutenção do falar identitário.
115
Lembrando que conjecturo, neste trabalho, que redes em cuja tessitura não incide
grande letramento favoreceriam a manutenção do falar rural, ao mesmo tempo em que o
contrário favoreceria a mudança em favor do falar urbano.
O próximo subitem traz essas respostas.
4.3
CONFIGURAÇÃO DAS REDES DOS ADOLESCENTES EM RELAÇÃO AO LETRAMENTO
Bortoni-Ricardo (2005) afirma existirem indivíduos em nível mais avançado na ação
de transformação de seu falar original em favor dos padrões urbanos mais prestigiosos, o que
obtiveram por intermédio do saber sistematizado promovido pela escola, ou pelo contato mais
estreito com a cultura de letramento. Ao mesmo tempo, há aqueles que conservam seus
hábitos linguísticos praticamente inalterados.
Os adolescentes pesquisados, como já mencionei neste trabalho, têm vários pontos em
comum: idade, escola, moradia em uma região de caráter rural. A maioria nasceu na região, e,
quando não, migrou de cidades do interior do estado, todas com mais ou menos as mesmas
características sociodemográficas.
O que os difere e individualiza, portanto, são suas redes sociais de interação. A
maneira como usam a fala é marca de identidade, como já sabemos, e o uso de determinada
marca descontínua, como o rotacismo, por exemplo, pode assinalar uma necessidade de
afirmação em um grupo, ou mesmo a vontade de se parecer com algum membro referencial
na rede de maior peso em suas interações.
Na gênese da Sociolinguística, conforme alerta Bortoni-Ricardo (2014), o impacto de
qualquer espécie de letramento sobre as comunidades de fala não era discutido. Hoje, segundo
a pesquisadora, as diferenças em relação ao fraco desempenho escolar de crianças oriundas
das classes desfavorecidas socialmente pode ser explicado tendo como base o grau de
letramento escolar que perpassa o convívio familiar.
Diante disso, se faz primordial uma análise do acesso a eventos e práticas de
letramento propiciadas por agências hegemônicas e, portanto, de prestígio a que são
submetidos os informantes aqui analisados, visto que, nas palavras de Street (1984), tal acesso
relaciona-se estreitamente às estruturas de poder na sociedade.
A INF1, apesar de ter uma profissão em que os eventos de letramento prestigiosos não
são propícios, tem em uma das patroas uma referência. A própria informante admite se
espelhar nessa professora aposentada que lhe cobra um falar mais “certo”, de acordo com ela.
A ideia de aceitabilidade de Goudenoogh (1957) pode ser notada aqui, uma vez que a
116
informante baseia-se em um modelo estético de configuração linguística que lhe parece mais
adequado. Além disso, lê com frequência e tem, no seio familiar, dois cunhados, alvos de sua
admiração pelo fato de terem curso superior. Posso, com isso, entender sua rede de maior
contato, a família, como positiva nesse sentido, bem como sua rede de referência, que é o
trabalho.
A INF2 tem a família como rede de maior peso e a escola, na pessoa de uma de suas
professoras. Na família, os pais liam para ela na infância e há a perspectiva do trabalho, uma
nova rede social de interação que poderá abrir as portas para uma difusão dialetal. Tem redes
em que o letramento é mediano.
A INF3 tem a família como rede de contato assíduo e como rede de referência.
Admiradora incondicional da mãe analfabeta, que não trabalha e não lê, tem apenas a escola
como rede de letramento forte, mas, pelas condições em que atuou durante a entrevista, tal
condição não tem influenciado sua configuração linguística, nem mesmo outras áreas de sua
interação social. Redes com letramento quase nulo.
A INF4 trabalha com o pai, que é diretor na escola municipal do distrito vizinho a
Paiquerê. Faz curso de música fora do patrimônio e frequenta a igreja, todas as redes cujo
letramento é forte. Sua referência maior é a mãe, sacoleira, cujo trabalho informal deseja
seguir.
A INF5 tem a família como rede de contato constante e de referência. Contato diário
com redes de letramento é proporcionado pela leitura de uma revista juvenil, bem como pela
leitura de Bíblia e o contato frequente com a igreja. As agências de letramento atuam de
maneira forte na configuração linguística dessa informante.
A INF6 trabalha em uma central de atendimentos de uma empresa de telefonia. Atende
diariamente clientes de diversas origens linguísticas, mas tem um preparo técnico para isso.
Suas redes de contato diário e de referência, a família e o trabalho, mantêm eventos de
letramento constantes. Portanto, seu contato é forte com práticas de letramento variadas.
A INF7 trabalha em um mercado no próprio distrito, repondo mercadorias e
remarcando preços. Suas redes de interação diárias não são propícias às práticas de
letramento, inclusive, seu contato com a cidade, por meio de uma grande amiga, é mediado
pelo falar rurbano.
A INF8 tem em suas redes mais contundentes — a igreja e a família, em especial na
mãe leitora, além da amizade — a possibilidade de contatos mais estreitos com as práticas de
letramento, que podem ser considerados medianos.
117
Com a INF9 também há relação contundente entre as redes sociais — igreja e família
e escola, na pessoa de uma professora — e o letramento, acrescido de cursos de Secretariado e
a possibilidade iminente de adentrar no mercado de trabalho. Portanto, posso denominar de
alto o contato com o letramento em sua interação diária.
A INF10 tem a família como rede de contato diário e de referência, entretanto, com
um diferencial: o pai, separado da mãe, mora na capital do estado, para onde a informante
costuma viajar, de um período de sua vida para cá. Além disso, seu contato com a leitura é
diário. Eventos de letramento dominante permeiam suas práticas diárias.
As redes de interação da INF11 são de letramento médio. Não gosta de ler, mas lia na
infância. Trabalhou em uma loja de roupas no distrito e, quando da entrevista, suas redes
estavam se ampliando, pois se preparava para a entrada no mercado de trabalho.
A INF12 lê revistas de moda com frequência e pretende seguir carreira na área.
Também acessa sites do assunto esporadicamente. Suas redes de interação não proporcionam
eventos de letramento dominante cotidianos, portanto, seu acesso é mediano.
No gráfico 6, um resumo do grau de letramento dominante das redes das informantes
do sexo feminino:
Gráfico 6 - Grau de Letramento Dominante das Redes Sociais
de Interação Sexo Feminino
Fonte: a própria autora
Descrevendo o grau de letramento dos informantes do sexo masculino, temos o INF13,
cujas redes sociais de interação não proporcionam eventos de letramento dominante. Não
trabalha, integrante de uma rede densa, cuja referência maior é o pai analfabeto. Posso
concluir como fraco seu acesso aos eventos letrados, o que pode estar em mutação, visto que
118
se inseriu recentemente à rede igreja, tendo com ela uma identificação significativa. Esse
informante, possivelmente, será diferente se estudado daqui a alguns anos.
O INF14 tem a família como rede de contato diário e de referência, em cujas práticas o
letramento dominante é escasso. Também tem acesso baixo às práticas letradas, assim como o
INF15, o INF18, INF19, INF20, INF21 e INF22. Todos esses informantes têm em comum
redes densas, cujos vínculos são comumente estabelecidos com indivíduos não alfabetizados
ou semialfabetizados e falantes do dialeto caipira ou um rurbano muito próximo do rural.
Bortoni-Ricardo (2011, p. 25) vê essas situações como menos propensas a visualizarem a
variedade urbana como quadro referencial, vindo a favorecer a “preservação de profundas
diferenças dialetais”.
O INF16 faz curso na cidade e assiste a documentários diariamente. Sua rede de contato,
família, não é propícia ao letramento dominante, mas a rede de referência, escola — na pessoa de
seu instrutor — é. Portanto, posso considerar como mediana.
Práticas de letramento de grau mediano também são encontradas nas redes pelas quais
interage o INF17, em cujos passatempos se inserem a leitura de gibi e assistir a filmes.
O INF23 e INF24 têm redes de interação de práticas letradas cotidianas, ou seja, alto grau de
letramento dominante. O trabalho e a igreja, em especial para esses dois informantes, exercem um
papel primordial na configuração linguística. As práticas letradas permeiam todas as interações,
inclusive em casa, já que as mães costumam ler e incentivam essa prática em família.
O gráfico 7 apresenta o resumo disso:
Gráfico 7 - Grau de Letramento Dominante das Redes Sociais de Interação
Sexo Masculino
Fonte: a própria autora (2014)
119
Há uma diferença considerável no grau de letramento forte entre meninos e meninos.
Tal fato pode ser acidental, como pode também expressar uma característica dos jovens do
interior do Brasil. Cabem, aqui, estudos posteriores.
Com esses detalhes especificados, analiso, por fim, a configuração linguística desses
informantes, com vistas às variáveis independentes elegidas para este trabalho: concordância
verbal, iotização e rotacismo.
4.4
A FALA EM FOCO – ANÁLISE
Antes de entrar nas variantes-alvo deste trabalho, quais sejam: a concordância verbal
(doravante CV) 1ª e 3ª pessoa do plural, a Iotização e o Rotacismo, cabe relatar a ocorrência
de vários traços graduais na fala de meus informantes, como a não concordância nominal, a
desnasalização em palavras como viagem – viage; a ditoganção da vogal final seguida de /s/
em palavras como mês; o apagamento do /r/ em final de palavra, como em: trabalhar –
trabalhá; ausência do /s/ em final de palavra, a exemplo de: vamos – vamo; a monotongação
em palavras como caixa – caxa, deixa – dexa, otro – outro.
Essas marcas, comuns à fala de todos os meus informantes, em especial nos momentos
finais das entrevistas, são chamadas de traços graduais por serem marcas que “ocorrem na fala
de todos os grupos sociais variados, independentemente de seus antecedentes rurais ou
urbanos” (BORTONI-RICARDO, 2011, p. 23).
Ainda que a autora considere ser essa tendência mais produtiva no falar rural, ela é
encontrável, nesta tese, tanto em falantes cujo contato se faz com redes de interação mais
letradas, como também em informantes com pouco acesso a eventos de letramento, como se
vê em “pra você consegui experiência, tê seu próprio dinhero, depois cê consegui passá pra
otras coisa, coa sua experiência, né (INF2 – L. 157,58)”; “Ela fala pa mim o qui deve fazê, é,
na manera di gastá o qui cê devi fazê” (INF3 – L. 276,77); “Pareci qui o pai terminô, daí ele
feiz cartera, ele tem cartera di motorista, a mãe eu num sei si ela foi até o sexto ano ou sétima
série” (INF22 – L. 2600,01); “Vários motivos, qui eu sô uma pessoa naturalmenti casera”
(INF24 – L. 2815,16); entre outros vários exemplos.
Outro traço gradual bastante produtivo no português brasileiro e no português europeu
não padrão, consoante Naro e Scherre (2007), e uma das marcas dialetais de Londrina — a
assimilação do /d/ e /b/ em gerúndios e na palavra também — ocorre de forma muito fecunda
com todos os informantes, sendo ainda mais recorrente no final das entrevistas.
120
A INF1 foi a que menos apresentou essa marca, mas ainda assim há momentos, como
em: “daí eu fico meio qui medino [...] qui ela fica pegano no meu pé” (L.28,26). A INF2 traz
uma forma ainda mais marcada “Ah, ultimamenti eu num tô ino muito não” (L.154); a INF7
“aqui mesmo eu só tô istudano quando eu voltei a istudá né” (L.716,17); INF12: “a hora qui
eu tô si arrumano ainda ele já tá ligano” (L.1489,90); INF15: “Coa minha irmã, ela tá fazeno
a casa dela aí tá precisano di dinhero” (L.1844,45); INF19: “Quando tô namorano” (L.2242).
E o INF24, apesar do uso linguístico mais próximo do urbano, apresenta essa assimilação em
sua fala, do início ao fim da entrevista: “tô veno si eu consigo pegá alguma coisa”
(L.2808,09), “eu saí di lá mancano” (L.2962). Isso para citar apenas alguns poucos exemplos
de todo o corpus.
Farei, entretanto, um estudo mais aprofundado, informante por informante, dos traços
descontínuos caracterizadores de uma estratificação abrupta ou descontínua, ainda usando as
palavras de Bortoni-Ricardo (2011) e, para tanto, convém recapitular, sucintamente, do que
tratam esses fenômenos linguísticos que podem ser marcadores de estigmatização.
4.4.1 Concordância Verbal
A ocorrência da CV define sujeito e o núcleo do predicado, representado pelo verbo,
concebendo uma relação de identidade entre o termo determinante e o determinado,
ocorrendo, assim, uma perfeita conexão entre os elementos da oração.
Para Cunha (1985, p. 48), “a concordância evita a repetição do sujeito que pode ser
indicado pela flexão verbal a ele ajustada”.
Assim como o fez Bueno (1968), Perini (1995) também recorre à sintaxe de regência
para conceituar a CV. Para ele, o fato abarca fundamentalmente alguns métodos que
qualificam determinados sintagmas, conferindo-lhes função sintática. Ou seja, a oração
estruturada hierarquicamente contém constituintes que, por sua vez, contêm outros
constituintes, tendo, cada um deles, uma função ímpar, que tornam a CV um fenômeno
hierarquizado, dependente do posicionamento de determinados constituintes na oração.
Para Terra (1997b, p. 244), “a CV é o processo pelo qual o verbo altera suas
desinências para ajustar-se em pessoa e número com o sujeito”. Bechara (2007) não se afasta
muito do que dizem os autores já citados, mas acresce algo novo: uma subdivisão entre CV de
palavra para palavra — colocando nessa vertente as regras usuais, e a CV de palavra para
sentido — a qual englobaria principalmente o estilo na escrita. E, por fim, para Castilho
(2010), trata-se de uma conformidade morfológica entre uma classe, representada aqui pelo
121
verbo, e seu escopo, representado pelo sujeito. Segundo o autor (2010, p. 411), “essa
conformidade implica, portanto, na redundância de formas, ou seja, se houver marcação de
plural no sujeito, haverá marcação de plural no verbo [...]”.
4.4.2 Iotização
Também chamada de iodização, esse fenômeno linguístico é, de acordo com Jota
(1981), a transformação de um fonema em iode. Câmara Junior (2000, p. 149) define
iotização como a “mudança de uma vogal ou consoante para a vogal anterior alta / i / ou para
a semivogal correspondente ou iode”.
Amaral (1982) informa que o falante caipira vocaliza o “lh” em ‘i” em palavras como
“espaiado, maio, muié, fio”, também constatado por Bortoni-Ricardo (2011), quando relata
ser a lateral palatal /λ/ vocalizada. Entretanto, essa visão não é corroborada por Aguilera
(1999), pois, para a pesquisadora, ocorre uma semivocalização, já que o yode é semivogal.
Ainda nesse sentido, Aguilera (1999) constata a falta de consenso em relação à
nomeação do fenômeno, visto alguns autores o consideraremm uma despalatização e outros
iotização. Ela denomina de iotização, nomenclatura que optei por seguir.
Ainda que não concordando em relação à nomenclatura, as ideias de Bortoni-Ricardo e
Aguilera vão ao encontro uma da outra quando associam tal fenômeno ao falar rural. Aguilera
(1999, p. 158) afirma ser o processo “um traço predominante na fala rural ou inculta que se
expande por todas as regiões brasileiras como se pode documentar pelos Atlas já publicados”.
Já para Bortoni-Ricardo (2011), a regra é produtiva “no caipira e em variedades
rurbanas, funcionando como um típico traço descontínuo.” A autora lembra que, por ser um
dos traços mais estigmatizados socialmente, entra no conceito de estereótipo incutido por
Labov (2008).
Regra produtiva nas línguas românicas, a origem da iotização no falar rural, consoante
Bortoni-Ricardo (2011), é controversa. Diante das possibilidades aventadas por estudos nesse
sentido, a pesquisadora julga mais conveniente considerá-la como uma influência indígena ou
africana, justificando sua conclusão pelo fato de esse traço não ter afetado a variedade padrão
do Português Brasileiro.
122
4.4.3 Rotacismo
Este fato da língua tem sido tradicionalmente descrito como a troca de um som lateral
por um som rótico, troca-se o /l/ pelo /r/.
Amaral (1982) alega que o /l/, quando subjuntivo de um grupo, muda para /r/, como
em “craro, cumpreto, cramo(r), frô(r)”, troca que ele denomina de vício de pronúncia e
classifica como um dos vícios mais produtivos no falar dos paulistas, inclusive dos que não
tinham contato direto com o caipira.
Como assevera Câmara Junior (1972, p. 40-41), “nos grupos de líquida como segundo
elemento consonântico, há nos dialetos sociais populares o rotacismo do ‘l’ que o muda em
‘r’”.
Silva (2011) conceitua o rotacismo como um acontecimento da fonologia ligado à
realização fonética de um som rótico que substitui um som lateral e vice-versa, acontecendo,
com isso, a substituição do /l/ pelo /r/.
Ainda que não utilizando a nomenclatura que optei por usar neste tese, BortoniRicardo (2011, p. 76) trata do caso quando assinala “a neutralização de /r/ e /l/ às custas da
última”, a exemplo de: “incrusive – inclusive”, ou quando há uma total supressão da líquida,
como em “oto – outro”.
Agora, tendo explicitado melhor os fenômenos, vejamos como isso se dá efetivamente
na fala dos vinte e quatro adolescentes-alvo deste estudo.
4.4.4 Leitura e Interpretação dos Dados
Os vinte e quatro adolescentes, como já mencionado em vários pontos desta pesquisa,
moram na mesma região, considerada rural pelos conceitos do IBGE, com a diferença de
metade residir na zona central e metade em sítios e fazendas da região. Todos estão na mesma
faixa etária e têm a escola como rede social de interação e agência de letramento comum.
Dessa maneira, é possível considerar que se inserem em uma mesma comunidade de fala.
Entretanto, se compararmos a INF3 e o INF24, por exemplo, que têm a mesma idade,
estão no mesmo ano escolar e moram na ZCD, a diferença na expressão linguística é, por
vezes, gritante. Mesmo os INF15 e INF22, irmãos e gêmeos, têm diferenças em sua forma de
usar a linguagem, o que vem ao encontro do pensamento de Bailey, expressado por Camacho
(2013, p. 145), ao defender que “nem todos os membros da comunidade operam com o
mesmo conjunto de regras que, mesmo assim, ainda são categóricas”.
123
Essas questões podem ser claramente respondidas pelas redes sociais de interação,
tanto as reais como as de referência, bem como pela questão identitária, no que se refere tanto
ao sentido de pertença à localidade, como de integração em um determinado grupo.
O que já se pode adiantar é o fato de nenhum deles poder ser inserido como falante
urbano. Alguns estão em processo de difusão dialetal, alguns configuram uma leve
focalização, mas posso já concluir que são, essencialmente, falantes rurbanos.
Consoante Bortoni-Ricardo (2009, p 52), o falar rurbano é característico, além de entre
os migrantes de origem rural, de “comunidades interioranas residentes em distritos ou núcleos
semirurais, que estão submetidas à influência urbana[...]”, ou seja, em comunidades como
Paiquerê.
Vejamos, prontamente, como isso se estabelece. Para tanto, utilizo o Programa Léxico
3 na quantificação dos fenômenos.
4.4.4.1
Concordância verbal 1ª pessoa plural e 3ª pessoal do plural
A ausência de Concordância Verbal é um dos marcadores da fala de indivíduos de
classes sociais menos favorecidas e, também, de moradores de zonas rurais. Na fala dos
adolescentes aqui analisados, esse variante foi produtiva em alguns deles, como na INF3,
INF7, INF13, INF18, entre outros.
O quadro a seguir detalha melhor esses resultados:
124
Quadro 5 – Incidência de concordância verbal40
40
* Das 63 ocorrências de CV, 33 são feitas com a forma pronominalizada “A Gente”
125
4.4.4.2
Incidência da iotização
O quadro e o gráfico a seguir ilustram a realidade da iotização entre os informantes
deste trabalho:
Quadro 6 – Incidência de iotização
Fonte: própria autora (2015)
Gráfico 8 – Resumo da incidência de iotização
Fonte: própria autora (2015)
126
Pelo quadro, é possível tomar conhecimento de todos os contextos propícios para a
iotização presentes no corpus. O gráfico traz o resumo, em percentagem, da realidade
liguística, no que concerne à iotização. Por estes instrumentos, mais uma vez ratifica-se a
condição rurbana dos informantes desta tese.
4.4.4.3
Incidência do rotacismo
O fenômeno do rotacismo se encontra analisado em dois contextos: i) em silabas
complexas, como pl-, cl-, bl-; ii) em palavras em coda interna, como alguma, cultura, folga,
etc. Os quadros e os gráficos mostram os resultados.
Quadro 7 – Incidência de rotacismo em sílabas complexas
Fonte: Própria autora (2015)
127
Quadro 8 – Incidência de rotacismo em coda interna
Fonte: própria autora (2015)
128
Gráfico 9 – Resumo incidência rotacismo em sílaba complexa
Fonte: Própria autora (2015)
Gráfico 10 – Resumo incidência rotacismo em coda interna
Fonte: Própria autora (2015)
4.4.4.4
Considerações sobre os dados dos quadros
Dos fatores aqui analisados, a INF1 apenas não faz a concordância verbal padrão.
Tratando da primeira pessoa do plural, são dois os momentos: quando diz “eu e minha mãe
num dá muito não, nós num tem tanta ligação assim” (L.53); em relação à terceira pessoa,
uma única vez em “eu assisto mais é os canais pagos” (L.36), um tipo de construção bastante
propícia para a ausência da marca de plural, uma vez que os verbos de ligação, por
129
funcionarem apenas como elo sintático entre o sujeito e o predicativo, desfavorecem a
concordância.
Para a INF2, a concordância não acontece na maioria das vezes em que é obrigatória,
tanto na primeira quanto na terceira pessoa, como se vê em “Nóis tem uma mercearia lá ondi
qui eu moro mesmo, aí fica os dois lá.” (L.185,86). A segunda dessas inadequações pode ser
explicada pela anteposição do verbo, pois, nessas construções, a CV é menos produtiva, mas,
na primeira e em “Lia, meus pais lia” (L.188), a inadequação é bem marcada mesmo.
O rotacismo aparece em sua expressão. Na primeira aparição, mesmo lendo o texto,
pronunciou como crara (por clara – L.213) e, na segunda, quando solicitei que resumisse o
que havia lido, o rotacismo ocorreu novamente (L.217). Nesse formato, não houve outras
palavras pronunciadas pela informante. Entrentanto, com outros termos que favoreceriam o
rotacismo, como a palavra alguma, por exemplo, o fato não ocorreu.
A fala da INF3 é marcada por traços descontínuos, como a ausência de CV “Tenho
três, mais é tudo casado” (L.241), “elas qui faiz você vivê mais” (L.265), “minha irmã i meu
cunhado mora pra lá” (L.289), “Eles fala, eles troca palavra” (L.313), etc. A iotização
aparece todas as vezes em que ocorrem o substantivo trabalho ou as formas do verbo
trabalhar, como em: “não, minha mãe trabaia im casa só” (L.291,92), “porque ele trabaia,
né” (L.269). O rotacismo também surge em sua fala, “as pessoa num recrama, ah, às vezes
recrama do lugar” (L.246,47), “por exempro” L.299,307).
A fala da INF4 não traz marcas descontínuas de rotacismo, iotização e tem pouca
incidência de não CV, como em: “só no começo tinha umas meninas assim que num gostava
da genti, quiria batê na genti” (L.361,62) ou “as mulheres qui eram muito amiga, tinha
amizadi i qui fazia a felicidadi da família.” (L.423,424)
Entre as marcas aqui analisadas, as INF5 e INF6 limitaram-se à ausência da
concordância verbal com a 3ª pessoa do plural em “eles fala mais corretamenti” (L.479,480) e
“qui eles leia” (L.542), para a INF5, e “elas era, duas amigas qui era carni i unha” (L.667) ou
em “eles pergunta” (L.636), para a INF6.
Já na primeira pergunta, aparece o rotacismo na expressão linguística da INF7, quando
ela pergunta se o nome “tem qui sê compreto” (L.699). Depois disso, a iotização e a falta de
concordância verbal permeiam toda a conversa, como em: “falava coitada das pessoa qui
chama Cacilda né?” (L.742,43); “por causo da minha fia né, eu tenho qui dá o exempro, né?”
L.747); “eu também trabaiava lá” (L.758,59); “Eles sempre trabaiô muito né e num lê”
(L.792,93).
130
A INF8 apresenta apenas duas passagens com o traço descontínuo referente à ausência
de concordância verbal. No primeiro, após fazer a leitura de um pequeno texto, ela resume
dizendo que leu o texto de “duas amigas qui era como carni i unha” (L.944). A baixa saliência
fônica do verbo ser na terceira pessoa do plural favorece a não realização da CV.
Na outra, “mais agora, as otras qui não, qui sabem falá certo i fala assim, num sei,
deveria falá do jeitu qui sabi né?” (L.897,98). Percebe-se que o último elemento do sujeito no
plural favoreceu a concordância verbal em sabem, de acordo com o conceito de paralelismo
formal, mas o mesmo não acontece com o verbo falar. Acredito que, aqui, a influência do
verbo falar na primeira ocorrência, com a perda do /r/ final, tenha influenciado a outra
ocorrência para a mesma sonoridade, camuflando a concordância, uma vez que com o verbo
saber é feita a concordância
A INF9 não faz as concordâncias necessárias em momentos como: “i daí os otros
também mora im Pitanga” L.964,65), “Deisdi piquena, assim, meus pais mi levava” (L.994),
“meus pais faiz serviços gerais, eles mexi cum gado assim” (L.1085,86); e, quando faz a
concordância, ocorre a desnasalização: “eles falaro qui dero um probreminha na organização i
daí eles num fizero” (L.988,89), “eles mi mostra, mi falam coisa que acontecero cum eles”
(L.1108), “i si reuniro tudo junto” (L.1168).
O rotacismo é expresso em “probreminha (L.989)” e a iotização em “na verdadi, eli
num ia trabaiá (L.1170,71)” ou “tem tanta coisa pra puxá a oreia dessi povo” (L.1185,86).
A INF10 apresenta poucas marcas descontínuas, somente em relação à concordância
verbal. Em dois momentos de sua fala, não faz a concordância: “eles trabalha” e “essa aqui é
treis criança jogano bola na praia” (L.1287,88), e em um momento ocorre a desnasalização:
“porque minha mãe, nóis, meu pa, meu padrasto acharo serviço pra cá melhor i veio”
(L.1199).
Na fala da INF11, não há concordância verbal e ocorre a desnasalização, como em:
“porque todos mora longi daqui” (L.1361); “São pessoas inteligenti i qui aprendero i tá
usando o qui aprendeu” (L.1383,84), etc.
O mais marcante na fala da INF12 é a falta de concordância verbal, como em: “mas
meu pai i minha mãe já mora antis” (L.1417), “os pai carrega pra lá i pra cá” (L.1437), “mais
sei qui nóis ia olhá tudo” (L.1474), “ele é impregado, mais elis si dá bem” (L.1485), etc.
A expressão verbal das duas últimas informantes mulheres não apresenta iotizaçaõ ou
rotacismo.
O primeiro dos meninos, o INF13, tem uma expressão bem marcada. Em quase todos
os inícios das suas respostas há um marcador discursivo, o “óia” (L.1555,65,68, etc.),
131
iotização de “olha”. Além disso, a iotização aparece em outros trechos de sua fala como: “Vai
lá e asséste tevezinha com a veinha” (L.1599,600), “trabaia como pedrero” (L.1627), “tirei
nenhuma vermeia nas matéria deis” (L.1643), etc.
A ausência de concordância verbal também permeia sua fala, como em: “eles aprendi,
lá no passado, por isso qui eles até parô di istudá” (L.1668); “aí nóis ganhô um passeio lá po
Odiparqui” (L.1703); “Nóis tevi qui juntá dinhero” (L.1705), etc.
Em relação ao rotacismo, dois momentos: “é pra mim era, é primera i úrtima veiz”
(L.1704) e com os indefinidos: “é muito raro vê argum jovem sertanejo por ai né” (L.1712),
“essas crianças di arguma forma” (L.1715).
O INF14 e o INF15 não apresentam iotização ou rotacismo. Além disso, como mostra
o quadro, é mínima a ausência de CV em suas falas. Um exemplo da fala do INF14 está na
falta de concordância com o numeral, como em: “os dois é mais velho” (L.1739), e do INF15
“ahã, foi dozi dias”, “As duas era melhores amigas e tinha aparência tipo igual” L.1904,05).
O INF16 apresentou apenas uma marca descontínua ao não fazer a concordância
verbal em “das coisas qui tá acontecendo no mundo, no Brasil” (L.1938,39).
Também o INF17 não faz a concordância verbal em unicamente duas ocasiões: “as
pessoas mais chegadas, entre amigos assim, não fala certo, fala mais na gíria né qui fala”
(L.2070,71) e em “as pessoas tê um pouco mais di humildadi” (L.2107) No primeiro caso, a
clássica perda do sujeito por distar muito do verbo. Scherre (2008) aponta a posição do sujeito
em relação ao verbo como importante fator correlacionado à variação da regra de CV. Quanto
mais distantes estiverem um do outro, mais difícil se torna a realização da CV.
Na segunda construção, o verbo ter está no infinitivo pessoal, o que por si só já se
apresenta problemático. Na fala em questão, o verbo ter deveria ser flexionado, uma vez que,
pela regra, o infinitivo deve ser flexionado quando o sujeito é expressado claramente.
A falta de concordância verbal é comum aos informantes INF18, INF19, INF20 e
INF21como ocorre nesses excertos: INF 18 “Eles começa a contá” (L.2182), “eles tava
prestano atenção” (L.2197), etc; INF19 “Nói joga” (L.2213), “as família gostava muito da
amizadi delas” (L.2273), etc; INF20 “Nói tem campo” (L.2300), “Sempre eles tá perto di
mim” (L.2323), etc.; INF21 “Meu pai i minha mãe sabi iscrevê i lê tamém” (L.2482,83), “por
causo do método deles insiná” (2491,92), etc.
Quando ocorre, a concordância feita com a desnasalização aparece na expressão de
dois deles, o INF18, com “tem, agora tem di primera a quinta, fizero o ano passado” (L.2121),
e o INF21, com “isso aí foi, tipo, uma sacanagi qui fizero” (L.2521).
132
Em relação à iotização, somente o INF19 não apresenta. Na fala do INF 18, aparece
essa marca descontínua como em: “Eis tiraro” (L.2123). A expressão do INF20 também é
marcada por esse traço, como se vê no excerto: “É, às veiz trabaio num lugar, às veiz no otro”
(L.2295,96). Da mesma maneira o INF21 se expressa, a exemplo de: “qui eu trabaiava lá, eu
sempre ia” (L.2419).
O rotacismo marca a fala de dois informantes, o INF19, como se vê em: “O aluno tá
resolveno um pobrema, um pobrema no quadro” (L.2275,76), e o ‘INF20 em: “ajudo no
negócio di prantação, mais trabaio fixo eu num tenho.” (L.2294), tendo o INF20 apresentado
muitas dessas marcas.
A ausência de CV na fala do INF22 é bastante produtiva. Exemplos como “tem ali no
pasto lá, nói joga tamém” (L.2537,38); também a iotização em “aham, sempre fala pa trabaiá
assim” (L.2557), mas o rotacismo não apareceu em sua fala.
O INF23, em toda sua longa fala, só apresenta a ausência de CV em dois momentos.
Um exemplo está em “i pegô treis dos carros qui tava na frenti” (L.2267,68). Apresenta,
também, algumas desnasalizações, como em: “por que os qui tavam administrando dero
desviada no dinhero” (L.2662), “daí eles num entraro num consenso” (L.2688), “posso falá
qui muitas dessas não tivero acesso à iscola” (L.2752), mas são apenas essas as marcas
descontínuas em toda a transcrição de sua longa entrevista.
Por fim, o INF24 é o único dos informantes a não apresentar nenhuma das variantes
estigmatizadas aqui analisadas.
Para além do foco deste trabalho, algumas marcas foram se apresentando na leitura
atenta da transcrição da fala dos adolescentes. A título de complemento e com a intenção de
enriquecer esta tese, apresento, no próximo subitem, uma discussão acerca de algumas dessas
marcas.
4.4.4.5
Considerações sobre outros dados relevantes
A INF1 é um exemplo interessante dentro desse grupo de informantes. Adulta
precocemente por conta de um casamento e a perda de um filho, parou de estudar por um
período e hoje volta à escola para tentar mudar sua realidade social. Diarista, tem no trabalho
a sua rede de maior referência.
A profissão não é favorável ao letramento, como se sabe, já que é um serviço
notadamente braçal, portanto, com incidência mínima de eventos letrados. Entretanto, a INF1,
133
filha de mãe semianalfabeta e que nunca incentivou a leitura, apresenta pouquíssimos traços
descontínuos em sua fala.
Em contrapartida, o uso do pronome oblíquo é constante em toda sua longa fala, em
detrimento do pronome reto, em construções em que exerce a função de sujeito, como ocorre
nos excertos “pra mim istudá é mais perto di casa” (L.2,3); “Pra mim, pra mim mudá” (L.32);
“mais num dá pra mim assisti” (L.38), entre outros. O subjuntivo é, também, um uso difícil
na fala popular. A informante também faz esse conflito ao comentar “daí meu marido qui
ficava co carro por qui, si vinha multa ficava ruim” (L.119,120). Essas são marcas
características do falar rural e rurbano.
Pela análise da fala da INF1, percebo a influência da leitura e de práticas permeadas
pelos letramentos dominantes. Ela comumente assiste a documentários, em que a variedade
utilizada é a urbana, tem na família, sua rede de maior contato, relação com membros
letrados, os quais admira. Além disso, sua rede de identificação e referência, o trabalho, atua
como um regulador, visto que a patroa incita-a a usar a variedade urbana, e, mais ainda, a
variedade padrão.
Portanto, o letramento é incisivo na configuração da fala da INF1, visto que interage
por redes cujos eventos de letramento propiciam: i) uso do futuro do pretérito simples, como
em: “si fossi pra mim tentá, mi isforçá, eu acho que eu consiguiria” (L.80,81); ii) não realizar
a hipercorreção comum ao verbo fazer, a exemplo de: “faz dois anos” (L.24); iii) realizar a
concordância verbal padrão em mais de 90% das ocorrências. Em sua fala, também, não
aparecem a iotização e o rotacismo.
Posso afirmar, diante disso, que a INF1 sofreu as influências da urbanização e houve a
difusão do seu dialeto. Portanto, seu falar hoje se aproxima mais do falar urbano do que do
falar rural.
A INF2 tem a professora de Arte como rede de referência e a mãe como adulto
espelho, e estava ampliando suas redes de interação, pois começaria a trabalhar em breve.
Teve contato com a leitura durante a primeira infância e gosta de ler, apesar de não ler muito
atualmente.
Sua fala traz algumas marcas, como o uso inadequado do modo verbal, como em: “Ué,
qui eu gostava di vim na festa assim” (L.152,153), do pronome reto “eu amo muito eles”
(L.160,61), cujo uso não é aceito como culto, mas que é bastante produtivo na fala dos
brasileiros.
Taralo e Duarte (1988) apontam haver, quando se trata de representação do objeto
direto co-referencial com um sintagma nomimal já mencionado, clara preferência “pelo uso
134
de sintagmas nominais lexicais, do pronome lexical ele e de uma categoria vazia objeto em
detrimento do uso do clitico acusativo” (TARALO; DUARTE, 1999, p. 49-50 – grifo dos
autores).
Exemplificando, os autores apresentam algumas possibilidades de respostas para uma
pergunta como “Há quanto tempo você conhece Maria?”: i) Eu conheço Maria há muitos
anos; ii) Eu conheço há muitos anos; iii) Eu conheço ela há muitos anos; iv) Eu a conheço há
muitos anos. Esta última é pouco recorrente na fala do brasileiro.
Também observei outros marcadores incomuns ao falar urbano, como “por causo qui”,
bastante utilizado pela informante, como em: “Ah, minhas amigas mesmo, por causo qui com
ela eu falo di coisa nossa” (L.165) ou “Minha mãe, por causo qui ela sabi fazê conta” (L.172).
Há, não obstante, algumas construções próximas do padrão, proferidas por essa
informante, como em: “eu sempre tive vontade di conhecê-las” (L.183), apresentando um uso
incomum a um falar relaxado, podendo, portanto, ser classificado como uma possível busca
de aproximação a mim, sua ouvinte direta, cujo papel social representava uma usuária da
norma urbana, de acordo com a teoria da acomodação, que se refere aos ajustes feitos pelo
falante em vistas a se assemelhar ao seu interlocutor (BORTONI-RICARDO, 2014).
Entretanto, já quase no final da entrevista, ela responde: “Ah, essa é algo relacionado à igreja”
(L.230), mostrando uma aproximação com o falar urbano já nos momentos de maior
descontração.
Os indícios de sua origem rural não foram apagados pela rede de interação, mesmo
com a informante tendo como rede de referência a escola, representada pela professora de
Artes, mas os eventos de letramentos dessa rede propiciam uma proximidade maior ao falar
urbano. Sua rede de contato maior, família, também traz a mãe como um ponto de letramento,
já que lê com frequência.
Posso afirmar, diante disso, que a INF2 vem sofrendo as influências da urbanização,
mas o seu dialeto sofre uma difusão lenta, provavelmente devido à relatividade de densidade e
multiplexidade de suas redes, como já mostrei pelo Mapa 2. Logo, sua fala está indo ao
encontro do falar urbano. É possível que, com a inserção efetiva no mercado de trabalho, a
difusão seja mais acelerada.
Camacho (2013, p. 257) discorre sobre isso ao mencionar um amplo conjunto de
identidades que constituem o mesmo indivíduo, as quais são “constituídas com base nas
pressões sociais [...] e interações sociais”.
A INF3 é totalmente vinculada à família. Quando sai de casa, vai visitar a família.
Quando viaja, idem. Não trabalha, tem a mãe, analfabeta, como grande referência. Não lê e
135
tem pouco contato com outros tipos de cultura letrada, como programas televisivos que
favoreçam o letramento dominante, teatro, cinema. Apresenta dificuldades reais de
compreensão e interpretação textual, além de, como já mencionei, ler precariamente.
Além dos traços descontínuos apresentados no subitem anterior, a INF3 apresenta
outros bem marcados, como “Ah, mó dizê, às veiz anssim” (L.255), “si eu isse viajá levava
minha mãe” (L.287), “pera aí, dexa eu coisá aqui primero” (L.322), “mó dizê o oto” (L.294).
Essa expressão “mo dizê” é recorrente em sua fala, o que mostra sua insegurança, pois
nunca afirma, não é ela quem fala, sente necessidade de se apoiar em outro, ou no “oto”.
Há, momentos, ainda que raros, nos quais aparecem as marcas dessa cultura letrada
proporcionada pela escola, como em uma descrição de figura em que ela diz “Ah, praia,
diversão, os amigos alegres” (L.321), ou seja, a concordância nominal bem marcada em todos
os constituintes da sentença, e em “vamos dizer”, logo no início da entrevista.
Diante disso, é fácil estabelecer suas redes de contato maior e de referência como
influenciadoras se não da manutenção do falar rural, da pouca mobilidade em favor do falar
urbano. O letramento não é atrativo em suas redes de interação, a não ser na escola, cujo
espaço não é representativo para a informante, haja vista a frágil formação que demonstra em
uma conversa de pouco mais de trinta minutos. Com Bortoni-Ricardo (2005, p. 181), pergunto
“seriam as escolas veículos eficientes na transmissão da variedade padrão da língua?”.
Ademais, analisando a INF3, não posso deixar de me lembrar de uma fala de Camacho
(2013, p. 80), em que questiona:
É no mínimo curioso que, decorridos oito anos de exposição ao processo
escolar sistemático, com a ênfase especial que o sistema de ensino deposita
sobre o principio de correção, jovens do grupo socioeconomicamente
marginalizados deixem de associar prestígio e correção. Não poderiam ter
recusado inconscientemente qualquer contaminação de um sistema de
valores que destoasse de seu próprio?
Entretanto, acredito que associar simplesmente a um sentimento de pertença ao grupo,
ou aproximação à rede de referência, nesse caso, a família, mais especificamente a mãe, pode
eclipsar um problema muito mais sério retratado pela fala da INF2. Por estar não só fora do
tema deste estudo, como também de minha área de conhecimento, não posso fazer
afirmações, mas é notável que essa informante apresenta sérias deficiências de aprendizagem
e não poderia estar concluindo o Ensino Médio.
A INF4 trabalha no mercado que os pais mantêm na ZCD, viaja nas férias, gosta de
teatro, é evangélica praticante e faz curso de teclado numa filial de sua igreja na cidade. O pai
136
é pedagogo e dirige a escola municipal do distrito vizinho. Deseja fazer curso de costura, pois
vê a mãe, sacoleira de roupas, e se inspira em produzir roupas para vender. Não obstante essas
características, sua rede de interação é densa, com laços multiplex, como o pai-patrão e o
pastor-professor de música.
Sua expressão linguística é próxima do urbano, com construções como “A cidadi ondi
eles moram costuma falá assim, provavelmenti” (L.417), “eu gostava de vir” (L.364,365),
“pra casa dos meus familiares lá im Santa Catarina” (L.392), “eles moram próximo da praia
Barra do Sul” (L.394,395).
A frase “qui um papagaio ligô pro policial pedindo pa vir ajudá ele, qui um gato quiria
pegá ele” (L.430,31) mostra bem uma mescla entre o uso perto do padrão, como no adequado
modo verbal e a marca estigmatizada, o uso do pronome em desacordo com as regras
gramaticais. Bortoni-Ricardo (2005) vê nesse alternar entre uma variedade e outra a influência
da escolarização.
A rede familiar é letrada, o pai também patrão e é a pessoa com a qual a informante
mais conversa. Esse contato com o pai pedagogo, leitor assíduo, aliado ao contato com outras
agências de letramento como a igreja e atividades de meios letrados como a leitura, o teatro e
a música proporcionam a aproximação com o falar urbano, a despeito do seu contato diário
com os fregueses da mercearia em que trabalha, cuja variedade é a rural ou a rurbana. Mesmo
integrando uma rede social de interação densa, de tessitura miúda e laços fortes,
favorecedoras da focalização dialetal, há forças de baixo, ou seja, abaixo do nível de
percepção consciente, como orienta Labov (2008), que favorecem a difusão do dialeto
original.
O que se pode concluir, assim, é uma crescente aproximação entre a variedade
utilizada pelos membros dessa rede e o falar urbano, isso é, o contato com o falar rural nunca
foi estreito para a INF4.
A INF5 é leitora assídua de uma revista juvenil, sua mãe lia para ela na infância e
ainda lê muito, o que favorece a cultura do letramento em família. Isso resulta em sua
configuração linguística, com poucas marcas descontínuas, como a ausência de CV já
mencionada ou o uso indevido do tempo verbal em “depois ela vai vim aqui” (L.458), “mais o
dia qui era pra mim vim não deu pra mim vim” (L.451).
Em um determinado momento da entrevista, a informante se autocorrige em relação ao
uso da concordância, pois expressa “porque a igreja é longi i nóis num, a genti num tem carro”
(L.483). Não alcançando, naquele ponto da entrevista, a variedade padrão, opta por um uso
popular. Esse tipo de alternância só é possível para falantes cujo contanto com a norma
137
urbana é de alguma forma acessível, o que é, no caso dessa informante, promovido pelos
eventos de letramento altos em suas redes de interação social.
A INF5 é usuária de um padrão linguístico próximo do falar urbano, a despeito de,
como a INF4, suas redes serem de densidade alta, como mostram as expressões “além da
minha mãe assim, tem minha irmã e os amigos todos” (L.456,57), “são médico, eu acho qui
eles são ocologistas” (L.511,12), em que relativamente todas as concordâncias, quer verbais,
quer nominais, seguem a norma padrão da língua portuguesa.
A INF6 mostra algum uso mais elaborado da linguagem, como em “é mais provável”
(L.565,625), possivelmente devido ao seu tipo de trabalho, já que atua como atendente de call
center.
Ademais, essa informante tem um pormenor singular: nascida em Londrina, com
familiares todos de origem paranaense, sem nunca ter saído da cidade, apresenta uma
sonoridade na fala que se aproxima muito do sotaque mineiro, às vezes nordestino,
principalmente nos momentos de fala relaxada. Segundo a própria informante, tal fato “É por
causa do serviço, porque eu só atendo é Minas Gerais, Bahia aí é meio espontâneo, pareci qui
num sei, peguei” (L.588,89), uma vez que, seu ofício, durante seis horas seguidas, coloca-a
em interação somente com mineiros e baianos. Isso é possível, conforme vemos em BortoniRicardo (2011, p. 107): “uma pessoa ajusta sua fala à forma que acredita será mais bem
recebida por seus interlocutores”.
Mesmo inserindo-se em uma rede aberta e de laços frouxos e não apresentando
grandes marcas descontínuas em sua expressão, pois não faz a concordância verbal em apenas
três momentos, as marcas graduais são fortes, aparecendo do início ao fim da entrevista, como
em: “Ah, não, ia demorá bem hein, só cumas lavagi cerebral” (L.651,52) ou “num gosto di
mexê cos oto, intão lá eu vô tá quétinha cos meus papel” (L.628,29), sempre em um tom a
mais, com muitos gestos, permeados de gargalhadas altas.
Essas características podem estar relacionadas a uma de suas redes de interação, a
amizade, bastante forte em seus contatos, já que uma vizinha dona de casa e semiletrada é a
pessoa com a qual mais conversa fora das relações trabalhistas e familiares. Ou seja, pode ser
uma forma de se manter ligada e essa vizinha, por quem tem grande apreço, uma vez que “o
desembaraço no manejo da linguagem pode levar até a certa leviandade quando está associado
à confiança excessiva decorrente da categoria privilegiada em que se enquadram
determinados falantes” como mostra Camacho (2013, p. 53), trazendo as falas de Bordieu e
Passeron.
138
Coloco a INF6 nesse patamar de categoria privilegiada de falantes devido à maioria de
suas redes de interação ser permeada de eventos letrados, em que o contato com o falar
urbano e com a norma padrão está em evidência, como no contato diário com o marido
universitário, na igreja e com a supervisora, secretária executiva cujo conhecimento é
admirado pela informante, uma vez que para qualquer pergunta a superior encontra a resposta,
pois já “tem na ponta da língua” (L. 272).
Além disso, consciente de sua posição de modelo para a filha, como já citei
anteriormente, cuida em usar uma fala mais próxima do padrão a fim de que ela nisso se
espelhe e possa “aprendê a falá certo” (L.575), como ela mesma justifica.
Portanto, a INF6 apresenta uma mescla interessante de falares, sendo a informante que
mais apresentou a capacidade de adequação entre todos os entrevistados. Em sua interação
diária, busca se parecer com o seu interlocutor, em um verdadeiro ajustamento já mencionado
por Labov (2008), pois atende pessoas que se expressam em todas as variedades por meio de
seu trabalho, local em que, também, aproxima-se do falar urbano. No seio familiar, isso
também já vem acontecendo, com o marido terminando um curso superior.
É possível que, conforme oriente Bortoni-Ricardo (2011, p. 120), “consequentemente,
também deve estar submetido à pressão igual de duas forças opostas, a saber, as pressões de
padronização por um lado e a tendência à manutenção das formas não padrão como marcas de
identidade de grupo por outro”. Não obstante, posso considerar o seu falar mais próximo do
urbano do que do rural.
A INF7, ao contrário, apesar de inserida no mercado de trabalho e ter uma filha com a
qual se preocupa em relação ao uso da linguagem, as demais redes, e a própria configuração
das redes em comum com a INF6, levam-na para outra forma de expressão.
Essa informante morou grande parte de sua vida no sítio. Seu marido, pessoa com a
qual mais conversa, é agricultor e tem baixa escolaridade. Seu contato fora do distrito é com
uma colega de trabalho, moradora em Londrina, e que trabalha na limpeza de um dos grandes
hospitais da cidade, local em que a própria informante já trabalhou. Portanto, mesmo o
contato com o falar urbano é mediado por um falar rurbano.
Como já mencionei, a rede de trabalho favorece a focalização do dialeto caipira, uma
vez que o contato é frequente com falantes dessa variedade, além de a função exercida não
favorecer a difusão.
Entretanto, marcas da leitura, prática recente em sua rotina, e da escolaridade, além do
cuidado que tem buscado para que a filha não utilize a variedade estigmatizada da linguagem,
aparecem em alguns trechos de sua entrevista, como em: “porque eu falo a maioria das
139
palavras erradas, né” (L.797,98); “di eu terminá” (L.745); “tô, ah, na maioria das vezes
quando sai o meu pagamento” (L.709,10), “pessoas mais como patrões, né” (L.730), entre
outras marcas, por exemplo, “como assim deis da minha adolescência, assim pa mim num falá
palavrão falava ‘cacilda’” (L.741,42)
Posso estabelecer uma fraca focalização em relação a essa informante, mas como ela
não expressa nenhum sentido de pertença com o distrito, os anos de escolaridade no ensino
médio que lhe faltam, a prática da leitura e seu cuidado para falar dentro das normas perto da
filha poderão mudar seu perfil linguístico.
A INF8 apresenta alguns traços graduais citados, mesclando com construções bem
elaboradas como: “pra onde eu iria? Acho que iria pros Estados Unidos” (L.925,26). É nesse
sentido que Camacho (2013, p. 257) expressa a multiplicidade de identidades não estáticas e
inter-relacionadas de que os indivíduos são constituídos, cuja menção já foi feita neste
trabalho, uma vez que isso “envolve não a constituição de categorias fechadas em si mesmas,
mas de categorias dinâmicas, em processo contínuo de transformação”.
Suas redes relativamente abertas têm proporcionando maior difusão do falar rural,
proporcionando à informante um falar mais próximo do urbano.
O que primeiramente me chamou a atenção em relação a INF9 foi o uso da palavra
estrito. Quando questionada sobre o que seria “falar certo”, responde: “falá certo não é falá
certo assim, no estrito assim” (L.1128). Saí da entrevista curiosíssima para analisar sua fala e
descobrir o porquê de uma palavra tão fora do comum ao seu grupo de iguais adentrar o seu
repertório linguístico. Além dessa, outros termos, como “necessário, embriagado, caracterizar,
alcoolizadas”, e o plural de bastante em “intão fica meio difícil você citá nomes porque são
bastantis pessoas” (L.1063,64), contrastam abertamente com as marcas descontínuas
expressadas pela informante.
Outro dado interessante é em relação ao seu /r/ marcadamente retroflexo, o “erre
caipira”, cujo estigma ela tem noção, pois alega “Sim, porque tipo assim a genti é, como é? é
porta, portão (enfatizando o /r/ retroflexo) né tudo assim, intão tipo pra mim eu já ouvi muito
disso, assim é origem simples falá assim sabi” (L.1138,39), ou seja, ela relaciona esse uso a
uma origem simples. Sobre tal fenômeno, Bortoni-Ricardo (2014, p. 28) caracteriza como
uma marca regional, pois alega que em Londrina, mesmo sendo fundada há pouco tempo, “já
é possível identificar traços no português local que funcionam como marcas identitárias para
seus falantes”.
Essa informante já trabalhou, veio de outra cidade com características rurais, fez curso
de Secretariado e lê com frequência. Além disso, a igreja está em suas redes de maneira
140
importante. Todas essas peculiaridades agrupadas servem para mostrar o processo de
mudança por que está passando a expressão linguística dessa falante, expressado pelo
contraste há pouco citado.
Ao mesmo tempo em que se expressa de maneira próxima do urbano, como em: “Ah,
sairíamos qui a genti tem amigos lá, a genti ia saí lá por perto tamém, iríamos, intão, eu acho”
(L.1074,75), “meu pai quando necessário também assim” (L.1093), “duas amigas i
caracterizando as duas” (L.1153,54), marcas típicas do falar rural permeiam sua expressão.
Exemplos disso estão em: “Daí eu tipo eu sube i fui” (L.972), em que há a redução do ditongo
em uma das conjugações do verbo saber, além do uso incorreto do termo irmão: “ermão”
(L.1038).
Mais uma vez, há um franco processo de difusão do falar rural. A informante está em
um processo de aquisição de outra variedade linguística e, se formos entrevistá-la daqui a
alguns anos, é muito provável que ela possa ser alocada em um ponto do contínuo de
urbanização muito mais próximo do urbano.
O que concluí em relação ao uso da palavra estrito? Provavelmente, ela deve ter
ouvido, ou lido, entendido o seu significado e as possibilidades de uso e, havendo a
oportunidade, não hesitou em usar, a fim de me impressionar, interlocutora representando ali
um papel social de entrevistadora e, portanto, juíza do seu falar.
A INF10 apresenta poucas marcas descontínuas, somente em relação à concordância
verbal. Além de ter vindo recentemente para o distrito, ainda que vinda de uma cidade com
características também rurais, sua relação com a cidade estreitou-se a partir de um contato
mais assíduo com o pai, montador de veículos, de nível universitário e morador na capital do
estado, dessa maneira, sua expressão linguística está mais próxima do falar urbano.
A INF11 apresenta um fala bem mesclada. Há traços graduais e traços descontínuos,
como também expressões próximas do falar mais urbanizado.
Em relação aos traços descontínuos, além dos já apresentados, utiliza dois termos bem
marcados, como “ota” (L.1132) por “outra” e “memo” (L.1314) por “mesmo”, que estão nas
raízes do falar rural.
Como está a um passo de entrar no mercado de trabalho, suas redes de interação serão
ampliadas e a possibilidade de difusão dialetal será bem mais abrangente. Por enquanto,
expressa-se com um falar em um ponto entre o rural e o urbano, podendo estar no centro e,
portanto, um falar absolutamente rurbano.
A análise da fala das últimas informantes do sexo feminino mostra que a INF12 traz as
mesmas marcas que a INF11 em relação ao termo “oto” (L.1444, 95,15190 e
141
“memo”(L.1420,37,39,15370, além de uma expressão que vem permeando a fala da maioria
dos informantes, que é o “co a” por “com a”, “co” por “com o”, “ca” por “com a” e “cum” por
“com” (diversas linhas).
Aparece também em sua fala o uso indevido do pronome oblíquo em: “a hora qui eu tô
si arrumando ainda”, um traço estigmatizado e marcador do falar rural, mas bastante presente
hoje também em falares rurbanos, comprovando que sua fala está próxima do urbano, mas
não muito distante do falar rural.
Suas redes são relativamente densas, pois há um vínculo, com uma vizinha pedagoga,
a proporcionar, talvez, uma entrada de outras realidades em sua comunidade de fala. Não
afirmo, pois não foi possível estabelecer a variedade utilizada por essa vizinha. Atualmente,
os cursos superiores não são mais garantias de falares mais próximos do padrão, haja vista a
grande oferta de cursos em faculdades as mais variadas possíveis.
Partindo para os meninos, o INF13 tem características interessantes. Morador da ZCD,
expressa-se como um típico morador do sítio. Todos os traços descontínuos são apresentados
em sua fala.
Sua identificação com o pai analfabeto é muito grande, e suas redes densas, com laços
multiplex, favorecem a focalização do falar rural, bem representada pela iotização, como já
vimos no subitem anterior.
Vejo aqui um caso especial de identificação com o grupo, reforçado por sua situação
familiar. O informante é filho adotivo e a família biológica entrou na justiça em busca de sua
guarda. Apesar de ter optado por ficar com seus pais adotivos, a disputa se estende, e,
portanto, toda forma de assimilação maior com esses entes que o adotaram será uma arma do
informante para lutar pelo destino que deseja, uma vez que não pretende viver com seus
parentes de sangue.
Tal afirmação encontra respaldo em Bortoni-Ricardo (2014, p. 58) em que assegura
A implementação de uma variável sociolinguística funcionando como um
indicador de pertinência de um local, ou de identidade com um grupo social,
como é o caso da centralização de ditongos em Martha’s Vineyard, pode
ocorrer em qualquer comunidade de fala.
Como bem assevera Camacho (2013), essa recusa em usar a norma-padrão, ou, no seu
caso, algo mais próximo do falar urbano, pode representar uma recusa em aceitar os valores
culturais representados pela classe privilegiada, aqui talvez representada pela família
biológica e, com isso, preservar sua identidade social.
142
Não é possível classificar o INF13 como falante do rural, devido a algumas
construções que se distanciam do dialeto caipira. Portanto, na fala desse informante, a
focalização é intensa, o que me permite concluir que sua expressão linguística é rurbana,
muito próxima do rural.
O INF14, durante o primeiro contato, ainda em sala de aula, foi o que mais me
chamou a atenção, pois queria justamente isso. Falando sempre muito alto, respondendo às
questões com brincadeiras, não me pareceu, naquele momento, interessante. Minha surpresa
foi grande quando, depois de analisar os primeiros questionários, selecionei-o. Com isso, na
segunda fase, quando ele chegou à sala da entrevista, pensei que não iria ser produtivo. Grata
surpresa. Só entre mim e ele, a conversa fluiu e ele se mostrou um menino atencioso e
educado. Bem diferente da identidade que apresenta quando está com o grupo de colegas.
Isso, por si só, já calharia um bom trabalho de pesquisa.
Sem muito contato com eventos de letramento fora da escola, tem nos tios, moradores
na cidade, modelos de vida. Deles, ganhou uma enciclopédia, cuja leitura seria iniciada por
aqueles dias da entrevista, com vistas ao vestibular.
Sua expressão linguística, ao largo de suas redes densas e de laços multiplex, cujo
núcleo é a família, traz poucos traços descontínuos, além da CV já referenciada,
nomeadamente a desnazalização. Além disso, expressões como “oto” (diversas linhas) por
“outro” e “por causo qui” (L.1716,43,53,610), bastante produtivas em sua fala, mostram sua
proximidade com o falar rural, o que classifica seu falar como um rurbano, bem mediano.
O INF15 tem a peculiaridade de ser irmão gêmeo do INF22. E as expressões
linguísticas, os gostos, as redes, as atividades são todas muito próximas, o que permite,
inclusive, serem analisados juntamente.
Ambos trazem poucas marcas descontínuas, a despeito de seu lugar de moradia e da
rede densa, que tem, inclusive, laços multiplex bem marcados, já que o tio é também patrão, e
o pai, por vezes, também atua nessa função, quando ambos o auxiliam nas obras de
construção civil.
Entretanto, as marcas apresentadas pelos dois não são as mesmas. O INF15 apresenta
inadequação do modo e tempo verbal (“vai vim aí” L.1824); e concordância nominal
estigmatizada (“i minha vó já é meia analfabeta” L.1897); ao passo que o INF22 faz uso
inadequado da forma verbal em “essa iscola já foi pegado fogo” (L.2540), o uso de
“poblema” (L.2555) por “problema”, a falta do /s/ em palavras como “mai” por “mais”, “trai”
por “trás” e “depoi” por “depois”, além de “oto” por “outro” (diversas linhas)
143
As mesmas redes, densas e de laços multiplex, resultam uma expressão linguística
muito parecida. Apesar de esses dois meninos terem um contato muito maior com a cultura
rural, sua fala é menos ruralizada do que a da INF3, ou do INF13, por exemplo. Uma
explicação possível está no acesso à cultura letrada na escola, na igreja e também vinda do
pai, ponto central em suas redes, já que o pai é alfabetizado, trabalha fora dos limites do sítio,
transportando alunos para a escola e também fazendo pequenas excursões de compras para a
cidade nos finais de semana.
O INF15 e o INF22 estão em um processo mediano de urbanização, podendo ser
considerados falantes rurbanos, estando o INF15 mais próximo do polo urbano do que o
INF22.
O INF16, integrante de redes frouxas, tem no instrutor do curso que faz na cidade uma
referência. Apesar de não gostar de ler e do contato com a leitura na infância, assiste a
programas televisivos de cultura letrada, como documentários e entrevistas, o que pode ter
favorecido seu falar bem mais próximo do falar urbano.
O INF17 tem um falar, como o INF16, com poucas marcas descontínuas. Este
informante também tem um falar rurbano, bem próximo do urbano.
Os INF18, INF19, INF20 e INF21 apresentam fortes marcas dialetais. Os quatro
moram no sítio e integram redes fechadas, tendo pais ou parentes como patrões. Suas
interações são, comumente, com pessoas do próprio sítio em que moram ou adjacências,
tendo somente a escola como rede com eventos de letramento, ou, quando muito, a igreja,
como é o caso do INF18.
Algumas marcas são apresentadas pelos informantes.
O INF18 apresenta a queda do /s/ final em “mai” (mais), além da ditoganção do “a”,
como em: “mai o resto tem qui sê aqui” (L.2121). Assim como o INF20, em “nói” (nós, com
ditongação do “o”): “Nói, os amigo, sábado e domingo, nói tem campo, tem no serrinha, perto
do Irerê, ali perto da Cocamar, nói joga ali (L.2300,01).”
INF20 usa o pronome oblíquo diante de verbos no infinitivo “é uma coisa pra mim
fazê” ou o uso inadequado, trocando a pessoa como em: “Si preocupo quando tô perto di
alguém qui fala certinho[...] daí eu si preocupo im falá né” (L.22377,78). Também o
rotacismo em coda aparece somente na fala desse informante, da seguinte maneira: “eu
preciso fazê arguma coisa lá” (L.2291).
O uso de “ota/oto” é comum aos quatro. Na expressão do INF18, em “i o oto tem
tamém” (L.2115); na fala do INF19, em “i a ota mora no sítio lá” (L.2210); na fala do INF20,
“ota coisa na minha vida né, i trabaiá mais im oto setor” (L.2359.60); na expressão do INF21
144
em “a cor di cabelo diferenti da ota, um era claro o oto mais moreno” (L.2508.09). Comum
também a todos é o uso de “ca” para “com a”, “co” para “com o”, “cum”, “cus” para “com” e
“com os”, respectivamente (diversas linhas).
O INF21 traz duas marcas bastante estigmatizadas: a expressão “di menor” (Eu sô di
menor – L.2425) e a conjugação verbal, pretérito imperfeito, na primeira pessoa do singular
do verbo estar, como em: “mais eu tavo trabalhano im otras coisa” (L.2460).
Diante desses detalhes de suas falas, podemos colocar os informantes como falantes
do falar rurbano, mas cada um em uma aproximação maior ou menor em relação ao falar
urbano. O INF18 e INF19 estão um pouco mais próximos do falar urbano, mas ainda no lado
do rural, ao passo que os INF20 e INF21 mais próximos do rural, com o INF20 mais
característico de todos.
Os dois próximos, e últimos, informantes, têm em comum as redes abertas, de laços
frouxos. Mas cada um tem sua peculiaridade.
O INF23 foi um dos informantes que mais falou (38m20s), perdendo apenas para a
INF9 (43m1s), e sua expressão aproxima-se muito do falar urbano em vários momentos, a
exemplo de: “faiz uns dois anos, por aí, foram cortados os pés de café, pra tê plantação, pra
substituição da plantação.” (L.2657,58), “só pros Estados Unidos que ainda num fui por tê
receio di avião” (L.2638,39), “Im parti devido a isso, sim, im parti im razão do pessoal daqui
mesmo” (L.2660,61), entre outras passagens. O informante utiliza termos ou expressões não
utilizadas por falantes rurbanos ou rurais, como em: “cortados os pés de café”, uma
construção cuja concordância dificilmente seria realizada; “Im parti devido a isso”, expressão
que mostra maior abrangência de seu conhecimento linguístico, além do vocábulo receio.
Ele traz uma marca esperada na fala da INF6, devido à sua profissão de atendente de
call center: gerundismo, hipótese que não se confirmou. Em um dos tópicos da conversa,
sobre assistir à televisão, ele me diz “eu assisto pra tá sabendo di notícias di otros lugares
tamém né” (L.2690,91).
Outra marca na fala do INF23, que remete ao falar rural, é a ocorrência do pronome
cópia, ou seja, reprodução de uma informação já expressa por outra em que o pronome
pessoal com função de sujeito retoma um sintagma nominal à esquerda, como em: “Minha
mãe ela é auxiliar di serviços gerais” (L.2709) e “o portuguêis ninguém fala ele corretamenti
como devi falá” (L.2729).
No início da entrevista, em que havia maior monitoramento, o adolescente não
apresentou qualquer traço descontínuo, mesmo tendo sempre respostas longas e explicadas.
145
Do meio para o final, em que ele já estava relaxado, apareceu o seu vernáculo, que pode ser
classificado como um rurbano muito próximo do urbano.
Trabalhando em uma função cujo letramento é constante, leitor assíduo e praticamente
engajado em uma religião, suas redes são abertas e os laços uniplex, mas há uma questão
identitária permeando tudo isso. O adolescente identifica-se integralmente com a mãe leitora e
com grau de ensino secundário, cuja profissão ele nomeia como auxiliar de serviços gerais
num primeiro momento para, em seguida, retificar como governanta em uma residência na
cidade. Nesse informante, é possível observar a alternância da fala em relação ao papel social
representado, como visto, pois é possível notar que ele se expressa com um variedade
linguística difusa em suas interações exteriores, mas há um falar focalizado quando interage
no seio familiar.
É possível identificar, portanto, o contato com o mundo letrado como determinante na
configuração linguística desse informante e para sua alocação em um ponto quase no extremo
urbano no contínuo de urbanização.
Há, neste informante, extrema sensibilidade aos valores indicadores de prestígio, como
assevera Camacho (2013), pois o INF23 é um claro aspirante à mobilidade social, e faz uso da
linguagem para expressar essa busca pela aproximação aos grupos prestigiosos.
O INF24 tem um falar rurbano muito próximo do urbano, o mais entre todos os
analisados nesta tese. Verborrágico, no início da entrevista pensei que estava tentando me
impressionar, seguindo aquilo que Gumperz (1972) denomina de relações posicionais, mas
seguiu assim até o final, inclusive em um momento cuja emoção o tomou completamente,
bem no termo da nossa conversa, e o padrão manteve-se o mesmo.
Não há um traço descontínuo, em compensação, a assimilação do /d/ em gerúndios
permeia sua fala, como em: “é, mais tirano isso, num tevi muita coisa não” (L.2818),
“ninguém iria ficá sabeno do mesmo jeito” (L.2849), “apesar di istilisticamente falano,
inventano palavra agora” (L.2866,67), etc. Usa de ironia: “Todo mundo odeia o Chris, tamém
Eu a patroa e as crianças, só qui tudo inédito né”(L.2840,41); faz uso de advérbios de modo
com frequência, com em: “os parenti mais distanti praticamenti não né” (L.2802),
“geralmenti rock” (L.2809), “qui eu sô uma pessoa naturalmenti casera” (L.2816), entre
outras passagens com essa conformação.
Há construções bem próximas do urbano, a exemplo de: “intão, eu comecei a
frequentá a igreja faiz relativamenti poco tempo [...] lá há interação social” (L.2828,29,30);
“Ah, sinceramenti, a iscola perdeu certa importância pra mim há bastanti tempo, depois qui eu
146
percebi qui muito dessi conhecimento não vou utilizá cotidianamenti, entendeu?”
(L.2831,32,33).
Inteligente, tem um humor ácido e respostas bem elaboradas, com opinião própria
sobre assuntos diversos. Um exemplo disso é a citação anterior, sobre a escola. Acerca da
televisão, retruca “nem tenho tempo, nem muito interesse tamém [...] tem uns programas qui
têm muito, é, qui são pejorativos, intendeu?” (L.2837,41,42).
Apesar de trabalhar na área jurídica, passou no vestibular para o curso de Psicologia.
Ao final da entrevista, ao responder a pergunta sobre o dia mais triste de sua vida, esse
informante é tomado de uma emoção muito forte. Ele conta um episódio, cujo transcorrer não
é agradável e me faz cortar sua fala, como se vê na passagem: “aí eu fiquei tão nervoso e
mordê o braço num estava adiantano mais, aí, di repenti, meus membros começaram a
formigá e deu meio qui paralisia parcial dos membros, num conseguia mexê as mãos, nem os
pés direito, inclusive eu saí di lá mancano qui, ai, ai — Isso não está te fazendo muito bem
né? — Não — Então vamos deixar para lá, não precisa falar mais, tá?” (L.2859 a 62); Essa
minha estratégia em encerrar o tópico vai em função da etnossensibilidade (BAUGH, 1979),
que trata da consciência etnográfica respeitosa na condução das entrevistas.
É o informante, sem sombra de dúvida, que tem a fala mais próxima do falar urbano.
Sem qualquer sentimento de pertença ou identificação com seu local de origem, a difusão do
falar rural se consolidou para esse informante.
Para encerrar esse subitem, lembro que Bortoni-Ricardo (2005 p. 161) fala na
existência de dois tipos de redes: as insuladas e as integradas, de forma que a transposição da
segunda para a primeira é obrigatória no processo da adaptação ao falar urbano.
A primeira [rede insulada] restringe-se aos vínculos familiares e de
vizinhança e é territorialmente confinada. Seus membros convivem com um
número limitado de pessoas e é baixa a densidade das relações de papéis,
pois a comunicação processa-se num número reduzido de contextos sociais.
Esse estado de coisas favorece desenvolvimento do consenso moral e de
resistência a pressões modificadoras exógenas.
Isso é perceptível na fala de INF3, INF15, INF18, INF19, INF20, INF21 e INF22.
A autora também, ao comentar o trabalho de Hogan e Berlinck sobre migrantes em SP,
relata a abertura de oportunidades de inserção em redes cuja comunicação se faz de maneira
elaborada ao passo que esses migrantes passavam a viver em ambientes urbanos complexos,
finalizando que “seu acesso a diferentes canais de informação foi crucial para o acesso aos
recursos urbanos e, em última instância, para seu ajustamento” (BORTONI-RICARDO, 2011,
147
p. 133). É possível visualizar essa inserção e esse ajustamento na fala de INF23 e INF24, pois
o ajustamento desses informantes ao falar urbano é marcante.
Estabelecidas as redes de interação, observado o grau de letramento dessas redes e
pontuadas as variantes-base para minha análise, é possível estabelecer a configuração da fala
dos adolescentes do Distrito de Paiquerê. É o que apresento na sequência.
4.5
COMO FALAM OS ADOLESCENTES DE PAIQUERÊ
Já de início é possível afirmar não haver grandes diferenças entre os falantes da ZRD e
ZCD, além de uma mescla entre os falares, o que vem, na Linguística, corroborar a tenuidade
da linha divisória entre o rural e urbano, como falado a respeito no capítulo 5.
Recapitulando, os informantes INF1, INF2, INF3, INF4, INF6, INF7, INF13, INF14,
INF16, INF17, INF23 E INF24 são da ZCD. Os informantes INF5, INF8, INF9, INF10,
INF11, INF12, INF15, INF18, INF19, INF20 e INF21 moram na ZRD.
Para melhor descrever como falam os adolescentes estratificados por região, aloco-os
no continuum de urbanização proposto por Bortoni-Ricardo (2009) e detalhado no capítulo 6,
pois acredito ser essa a melhor maneira de visualizar tal configuração linguística.
Figura 4 – Alocação dos informantes no contínuum de urbanização
Fonte: a própria autora
A figura corrobora o que citei há pouco, ou seja, não há falantes alocados em nenhum
dos extremos do continuum, estando todos em posição rurbana, ora mais próximos de um, ora
mais próximos de outro polo.
Diante de tudo o que foi exposto neste capítulo, e com vistas à figura 4, posso
mensurar certa irrelevância do local de moradia para a focalização ou difusão da variedade
identitária dos adolescentes, uma vez que há esse amálgama entre eles.
148
Há onze informantes alocados no lado mais próximo do rural, INF2, INF3, INF7,
INF9, INF12, INF13, INF18, INF19, INF20, INF21 e INF22, e quatro moram na ZCD, as
INF2, INF3, INF7 e o INF13, e sete moram na ZRD, as INF9 e INF12 e os INF18, INF19,
INF20, INF21 e INF22
As INF4, INF10 e INF11 estão em um ponto do urbano muito próximo do rurbano.
Dentre elas, somente a INF4 mora na ZCD.
E os informantes alocados do rurbano para o urbano são dez. Em meio a eles, três têm
residência na ZRD e sete na ZCD.
Nesse sentido, meu resultado alia-se ao que compreende Bortoni-Ricardo (2005, p.
51), ou seja, que “a localização do falante ao longo do continuum [de urbanização] depende
mais de sua rede de relações sociais que de sua própria história social”.
Morar ou não na ZCD não fez o INF13 perder suas marcas linguísticas que o
aproximam do falante rural. Morar na ZRD não faz o INF15 expressar-se utilizando iotização
e rotacismo constantemente. O que os define são questões de identidade, em ambos os casos,
com os pais: o INF13, um pai analfabeto; o INF15, um pai alfabetizado, que se sobressai entre
os demais integrantes de sua rede de interações.
Debruçar-se sobre o falar da INF1 é perceber as redes de interação atuando em sua
configuração linguística, a despeito de seu local de moradia. Calhou de morar na ZCD, mas
poderia estar situada em qualquer região, inclusive na periferia de qualquer cidade grande.
A INF3 reside na ZCD, mas seu falar é um dos que mais se aproxima do falar rural.
Concluo, portanto, como irrelevante a questão da moradia e, em relação à hipótese de
que os informantes da ZRD teriam maior incidência do falar rural, e vice-versa, ela é negada
por todas as evidências apresentadas.
4.5.1 Pontos caracterizadores da fala do adolescente do Distrito de Paiquerê
É possível caracterizar um adolescente como específico dessa zona? Não. Os
adolescentes residentes em Paiquerê se expressam como qualquer outro das regiões
periféricas da cidade.
Assim como não há uma linha bem marcada a separar o rural e o urbano, é tênue a
divisão do falar. O ideal, como prevê Bortoni-Ricardo (2005), e como já mencionado, é alocar
os falantes no contínuo de urbanização. Além disso, a própria autora prevê a pertinência de
outro contínuo, o de oralidade e letramento, a circundar a configuração de fala de qualquer
indivíduo, que eu não mencionei nesta tese.
149
Os pontos comuns a todos, ou seja, a caracterizarem a fala do adolescente de Paiquerê
são:
i) a assimilação do /d/ e do /b/, nos casos já mostrados, nomeadamente os gerúndios e
o vocábulo “também”, como em “qui foi cresceno, o povo foi fazeno as casinha, aí depois di
muito tempo qui foi asfaltano”, “i gosto di saí tamém” (INF1 – L.16 e 9).
ii) a elevação das vogais médias /e/ e /o/, especialmente em “cum” por “com”, a
exemplo do que faz o INF17 em “Fui cum treis e voltei cum seis, depois eu fui cum nove e
voltei cum onze” (L.2006,07).
iii) novas contrações e justaposições, como “coa” ou “ca” por “com a”, “co” por “com
o”. Os INF2 e INF5 bem mostram isso: “Ah, co a minha, acho qui é co a minha mãe ou cas
minhas amiga (INF2 – L.164); “Dexo vê, co a minha mãe, ca minha irmã, cas minhas amiga,
co meu vô, ca minha vó, acho qui só.” (INF5 – L.462,63);
iv) a “abreviação da abreviação”, uma vez que são todos a usarem o “pa”, redução de
“pra” que já reduz “para a”, como nos mostra o INF20 em “Ah, a importância qui eu daria é
pa rezá co a minha família né. (L.2314,15)”
Em relação à manutenção e à mudança, mostro, pelo gráfico 11, quantos informantes,
do total, mantêm-se próximos do falar rural, hipoteticamente o seu falar de origem, dada a
região em que vivem, caracterizando maior focalização, e quantos partem para uma difusão
desse falar, aproximando-se do falar urbano.
Gráfico 11 – Percentagem de focalização e difusão do
falar rural
Fonte: a própria autora
O gráfico 11 revela uma pequena percentagem maior de difusão do falar rural,
corroborando todas as demais discussões apresentadas nessa análise.
Respondendo a algumas questões propostas nesta tese, posso concluir, mais uma vez,
a influência das redes de interação como determinantes para o falante adolescente de
150
Paiquerê, já que informantes como a INF3, por exemplo, moradora da ZCD, cuja
identificação com a mãe é extrema, está entre as falantes que mais se expressam utilizando
um falar rurbano muito próximo do falar rural.
No outro lado, o INF15, ainda que vivendo na ZRD, expressa-se de uma maneira
mediana, mais próxima do urbano que do falar de sua gente, das suas interações mais
estreitas, diferindo, inclusive, do falar de seu irmão gêmeo.
Essas caracterizações fundam-se em redes de interação de letramento diferenciado.
Para a INF7, citando apenas uma das informantes da ZCD, as redes são de letramento quase
nulo, ao contrário da INF8, cujas práticas letradas permeiam suas interações cotidianas.
Dessa maneira, o letramento das redes de interação atua como o foco central
favorecedor da mudança ou da manutenção linguística, pois direciona o falar em favor ou não
das agências hegemônicas.
Em virtude do que foi aqui apresentado, fica fácil observar que o adolescente de
Paiquerê vive o seu tempo, é contemporâneo do homem da cidade e segue as tendências
atuais. A despeito de um ou outro uso estigmatizado e característico do falar rural, sua
expressão linguística assemelha-se, como já mencionei, a de outros jovens moradores das
zonas periféricas da cidade, nessa mesma faixa etária, com essa escolaridade e idêntica
realidade social.
Isso vem, mais uma vez, comprovar o quão tênues são as linhas que se esperam
estanques. Não é possível estabelecer uma diferença territorial entre o rural e o urbano, a não
ser didaticamente para fins analíticos, como foi feito nesta tese, tanto quanto não é possível
configurar um adolescente como típico de um distrito rural, uma vez que a ruralidade invadiu
as cidades e aloca-se, hoje, em suas adjacências.
Toda essa discussão, os dados apresentados, a configuração da fala desses indivíduos
entre 14 e 18 anos, moradores do campo, teve um propósito: mostrar a realidade linguística
para que seja melhorada a realidade escolar.
Não é possível que as aulas de língua materna mantenham-se da forma como vêm
sendo trabalhadas atualmente. Levar em consideração tudo o que foi aqui apresentado é
mister para atingir os objetivos educacionais: a criação de indivíduos preparados para o
mundo e, na questão linguística, aptos a se adequarem ao contexto de comunicação.
Trato um pouco disso no capítulo seguinte.
151
5
ESTABELECENDO UMA DISCUSSÃO
A gente só sabe bem aquilo que não entende.
(Guimarães Rosa)
A análise que fiz mostrou, como já destaquei em diversas passagens, o quanto as redes
de interação social determinam a configuração linguística de meus informantes, de origem
rural, e, não obstante isso, o grau de letramento a entremear as interações como principal
organizador de uma aproximação ou afastamento do falar rural.
Vi, também, a importância da leitura para uma configuração linguística sem marcas
descontínuas, mas não apenas o hábito de ler atualmente, mas a relevância do contato com a
literatura durante a primeira infância. Nesse quesito, a contação oral de histórias também tem
sua parcela de influência no leitor futuro.
Além da confirmação de uma característica inerente à faixa etária que me propus
investigar, que é o sentido de pertencimento a um grupo, as relações de identidade
demarcando todas as formações do indivíduo, quer linguísticas, sociais, de caráter ou de
orientação geral.
Concluído o óbvio?
Provavelmente, já que muitos estudos podem ter vindo antes deste e mostrado os
mesmos resultados.
Entretanto, a obviedade aqui não é obsoleta ou dispensável, haja vista casos como o da
INF3, cuja interação na entrevista mostrou um nível de criticidade e até mesmo de letramento
inesperado para sua condição de concluinte do ensino médio.
Diante de tal situação, são pertinentes as considerações de Bortoni-Ricardo (2005, p.
181) sobre o descaso da escola no acesso do aluno à norma-padrão, uma vez que não favorece
meios de exposição a exemplos dessa variedade em sala de aula, a despeito “da grande ênfase
que a pesquisa sociolinguística tem dedicado às consequências educacionais da variação
linguística”.
A questão é muito mais abrangente. Oferecer o acesso à sistematização da língua
materna a alunos tão heterogêneos da maneira homogênea como vem sendo praticado pode
ser uma causa do insucesso apresentado por informantes como INF3, INF7, INF20, entre
outros.
Em um exemplo claro disso, Bortoni-Ricardo (2009), ao documentar a marcação de
plural nos sintagmas nominais somente uma vez e denominá-la de regra gradual, já orienta
152
para a necessidade de isso ser muito bem trabalhado em sala aula, de modo a levar os alunos
que têm como identidade a variante não redundante em sua linguagem oral, na
espontaneidade de suas redes de interação, a capacitarem-se ao monitoramento e, com isso,
habilitarem-se a usar a variante com plurais redundantes na escrita e na fala formal.
Mas há algo ainda mais patente e que convém ser citado. Convivi com os professores
do Colégio Estadual de Paiquerê como pesquisadora e como colega de trabalho, já que atuei
como docente em duas oportunidades durante a fase da pesquisa. Nas conversas em sala de
aula, vi e conversei com professores que se situam em pontos muito próximos do rural se
alocados no contínuo de urbanização. Entre eles, uma das professoras de Língua Portuguesa.
Em vários momentos, alguns alunos mais ousados chegaram a questionar para mim “a
fala errada” da professora tal. Questionavam e duvidavam de sua capacidade, portanto, não a
respeitavam.
Camacho (2010, p. 42) assevera ser uma necessidade a todo e qualquer indivíduo ter
“interiorizadas em sua competência linguística, as formas alternativas da variedade-padrão, ou
de prestígio, e da variedade não padrão, que pode também ser estigmatizada, sobre as quais
ele pode operar seleção conforme variam as circunstâncias de interação.”, e completa
colocando como papel da escola o cuidado para que as crianças tenham, desde a tenra idade, o
acesso ao ensino das formas da variedade padrão, de maneira que possam, quando adultas,
incorporar formas padrão ao seu repertório linguístico e serem, dessa maneira, capazes de
adequar sua fala aos contextos exigidos pelo momento interacional.
Como poderia a professora citada mencionar a necessidade de adequação aos
contextos linguísticos exigidos, não conseguindo fazê-la?
Castilho (2010, p. 209 ), a esse respeito, discorre
Tendo a escola a obrigação de ensinar o português culto, e levando em conta
o ingresso nela de muitos alunos que praticam a variedade popular, é
evidente que os professores têm de conhecer bem ambas as variedades para
desenvolver estratégias de, respeitando a popular, expor os alunos à
variedade culta. Ou seja, é preciso que professores e alunos conheçam bem
ambas as variedades para escolher com adequação aquela que melhor
corresponda à situação de fala: em casa, adota-se a norma familiar, qualquer
que seja ela; falando com estranhos, adota-se o português padrão. É nessa
espécie de ‘bilinguismo interno’, manejado com naturalidade em sociedades
desenvolvidas, que se assenta uma percepção democrática de uso da língua
materna (grifos meus).
No meu modo de olhar, estaria aqui um problema sério dos cursos de formação de
professores, instaurado pela proliferação de cursos de Pedagogia e de Letras, virtuais e
153
presenciais, sem que haja critérios didático-pedagógicos consistentes. Além disso, o sistema
de seleção de professores para as vagas abertas pelo processo de PSS (processo seletivo
simplificado) no Paraná, por meio do qual são selecionados professores sem avaliação de sua
condição linguística e didática, não ajuda no desenvolvimento da escola que se deseja
construir e das aulas propícias ao desenvolvimento de um indivíduo proficiente em sua língua
materna.
A formação de professores mais bem treinados também deve abarcar a abordagem da
variação linguística em sala de aula da maneira adequada. Nem tanto ao céu, nem tanto à
terra. Não é o caso de lançarem as gramáticas ao fogo, em uma inquisição linguística, nem de
privilegiar tão somente a gramática normativa.
Adequação é a palavra.
O ensino de Língua Portuguesa deve levar em consideração a variedade trazida pelo
aluno para a sala de aula, pois é sua identidade e traz enraizada suas redes de interação. O
efeito drástico que há hoje ao tentar impor uma variedade sobre a outra acaba por afastar o
aluno do interesse em buscar novas formas, a fim de se adequar, uma vez que isso implica um
afastamento de suas origens, na maior parte dos casos.
Mostrar ao aluno o leque de possibilidades linguísticas à sua disposição,
exemplificando situações e usos, ao contrário, possibilitará a ele o reconhecimento da riqueza
da língua e favorecerá o desejo de conhecer, de se aprimorar e ser proficiente em sua língua
mãe.
Respeitar a variedade trazida pelo aluno não significa, portanto, negar-lhe o acesso às
formas prestigiadas da língua. Como bem advoga Gagné (2002, p. 230):
Trata-se, para a escola, sem lançar juízo de valor sobre os diferentes usos e sem
querer eliminar os usos espontâneos e legítimos, de oferecer ocasiões de utilização
dos elementos ouvidos e compreendidos, que fazem parte da competência passiva
das crianças. O objetivo não é substituir um uso por outro, mas, antes, familiarizar a
criança com o emprego de formas prestigiosas.
Levar o aluno de um circuito rural ou rurbano, como de Paiquerê, a ter maior acesso às
normas mais bem aceitas socialmente é favorecer sua mobilidade social. É assim que as coisas
funcionam, já que “[...] uma variedade linguística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus
falantes, isto é, como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e
sociais” (GNERRE, 1985, p. 4, grifos do autor).
A escola deverá proporcionar meios para que esse alunado atinja tal patamar de
adequação, e não será impondo a leitura de um clássico da literatura sem um trabalho prévio
154
de contextualização e uma atividade real, como o proposto pela docente no colégio em que fiz
a pesquisa, que obterá isso. Bortoni-Ricardo (2014) apresenta algumas tarefas41, do início da
escolarização ao final do Ensino Médio, que podem, e eu acredito que devem, ser subsidiadas
pela Sociolinguística.
Dentre elas, destaco:
i)
em relação às tarefas para o início da escolarização, o item 1.1 “desenvolver
recursos para facilitar a integração entre os conhecimentos de língua oral que os
alunos trazem consigo para a escola e as competências de leitura, escrita e
oralidade que vão adquirir ou aprender” (p. 163), pois é na base que o ensino deve
atuar no sentido de promover uma consciência de adequação linguística e a
confiança, pois, ao buscar a integração entre os conhecimentos internalizados e os
a adquirir, respeita-se a história e a identidade do aluno.
ii) Ainda dentre as tarefas do início da escolarização, enfatizo o item 1.10 “distinguir
entre regras variáveis no repertório dos alunos as que têm caráter regional das que
têm caráter idiossincrático e elaborar estratégias pedagógicas com a variação
linguística regional; social e funcional” (p. 164), pois ele vem emparelhar com o
1.1 na busca pela valorização da variedade do aluno e a apresentação de outras
variedades.
iii) No que tange ao desenvolvimento de estratégias de produção escrita, o ponto 4.2
“incentivar os alunos a produzir textos orais anteriores aos escritos”, uma vez que,
com isso, é possível clarear as diferenças substanciais entre a fala e a escrita e a
importância de adequação tanto em um quanto no outro formato de expressão
linguística.
Algumas coisas estão sendo feitas para isso e os próprios documentos oficiais
orientam as ações nesse sentido, como se vê nesse excerto dos PCN (BRASIL, 1998, p. 29)
A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis.
Ela sempre existiu e sempre existirá, independente de qualquer ação normativa.
Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa”, está se falando de uma unidade
que os constitui de muitas variedades. Embora no Brasil haja relativa unidade
linguística e apenas uma língua nacional, notam-se diferenças de pronúncia, de
emprego de palavras, de morfologia e de construções sintáticas, as quais não
somente identificam os falantes de comunidades linguísticas em diferentes
regiões, como ainda se multiplicam em uma mesma comunidade de fala.
41
Para conhecimento de todas as tarefas, ler Bortoni-Ricardo (2014). Os dados completos encontram-se nas
referências finais desta tese.
155
Refletindo o mesmo juízo, o documento também assevera que
a aula deve ser o espaço privilegiado de desenvolvimento de capacidade
intelectual e linguística dos alunos, oferecendo-lhes condições de
desenvolvimento de sua competência discursiva. Isso significa aprender a
manipular textos escritos variados e adequar o registro oral às situações
interlocutivas, o que, em certas circunstâncias, implica usar padrões mais
próximos da escrita (BRASIL, 1998, p. 30).
Faz-se necessário estabelecer uma proposta que favoreça o estudo da língua de acordo
com a realidade do aluno, de modo a incentivá-lo a conhecer uma variedade diferente da sua,
sem que haja preconceito, respeitando sua identidade respeitada, e de modo a desconstruir o
modelo de aula como apontado por Soares (2002), cujo método trabalha a linguagem tão só
de forma prescritiva.
Para que tal questão seja solucionada, a escola deve passar a encarar a realidade
linguística atual. Deve atuar no sentido de proporcionar a inclusão, uma vez que hoje, como
vemos em Scherre (2008, p. 42), “banem-se da escola não as formas linguísticas consideradas
indesejáveis, mas, sim, as pessoas que as produzem”.
Antunes (2009) esclarece que, ainda que as instituições governamentais venham
trabalhando no sentido de empreender uma escola mais formadora e eficiente, ao atuar na
formação e capacitação dos professores e nas avaliações, em sala de aula a atividade
pedagógica, na maioria das vezes, permanece inalterada. Segundo a autora, o trabalho com a
oralidade, a escrita, a leitura e com a gramática é superficial. A gramática, além de ser
trabalhada de maneira descontextualizada, é tida como inflexível, petrificada, pertencente a
uma língua supostamente uniforme e estável, “irremediavelmente ‘fixada’ num conjunto de
regras que, conforme constam nos manuais, devem manter-se a todo custo imutáveis [...],
como se o processo de mudança das línguas fosse apenas um fato do passado, algo que já
aconteceu e não acontece mais.” (ANTUNES, 2009, p. 32).
Gagné (2002, p. 197), em relação ao ensino do Francês, conclui algo nesse sentido
quando alega
Em geral, a pedagogia centrada no código linguístico repousa numa
perspectiva da qualidade da língua que é normativa e frequentemente purista.
Esta perspectiva, centrada na escrita, concebe a língua como um código
homogêneo, único e intrinsecamente superior: aquele que é descrito nos
dicionários e nas gramáticas. O objetivo prioritário, senão único, que ela visa
consiste em adquirir tal código. Em geral a pedagogia tradicional com a qual
muitas gerações de francófonos têm aprendido sua língua.
156
O espaço em sala de aula, além de alfabetizar e letrar, deve servir como arena em que
seja abordada a variação linguística de forma arraigada e clara, contribuindo para a
erradicação do preconceito linguístico e para a derrocada do mito que classifica a língua
portuguesa como uniforme e homogênea.
Com essa orientação no bojo, os projetos de pesquisa dos quais participo servem de
exemplo de trabalhos cuja metodologia vem promovendo um melhor direcionamento das
aulas de língua portuguesa.
Cito, primeiramente, o projeto VALE – Variação linguística na escola, desenvolvido
pelos docentes e discentes do curso de Letras do Centro de Letras e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Londrina, coordenado pela professora Joyce Baronas.
O projeto objetiva, principalmente, elaborar materiais didáticos que contemplem
conteúdos sobre as diferentes formas linguísticas orais e escritas do português do Brasil,
abordando as diferentes variedades existentes no país, com vistas a, além de colaborar para a
eliminação do preconceito linguístico, fornecer subsídios ao professor de língua materna para
tratar adequadamente a variação da língua em suas aulas, favorecendo o aluno a ser
proficiente em sua língua, ou seja, adequar-se ao contexto comunicativo e ser capaz de utilizar
as diferentes variedades esperadas para as diferentes situações sociais.
O projeto está em sua fase final, pois o material didático organizado pelos
participantes está em vias de ser publicado. Primeiramente, as reuniões serviram para o
embasamento teórico, depois foram analisados os documentos oficiais estaduais e nacionais,
no que tange às orientações em relação ao tratamento da variação linguística, sendo,
sequencialmente, analisadas as coleções de livros didáticos aprovadas pelo PNLD (Programa
Nacional do Livro Didático) para o triênio 2011-2013.
Nas análises dos livros didáticos, a equipe do VALE observou a pouca alusão à
variação social e à variação histórica, pois as coleções, quando tratavam do assunto, faziamno falando da variação regional e estilística.
O passo seguinte foi elaborar atividades didáticas abordando os tipos de variação.
Essas foram discutidas em equipe, aprimoradas e levadas às salas de aulas para testagem. As
aprovadas estão agora em um capítulo no prelo, na expectativa de irem para as salas de aula e
mudarem um pouco a realidade educacional no país.
O outro projeto é o PONTES, coordenado pela professora Stella Maris BortoniRicardo e alocado na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, cujo objetivo é
investigar o processo de familiarização de professores em formação inicial ou continuada com
os estudos de Sociolinguística de viés educacional, de modo a promover o empoderamento
157
desses profissionais. As reuniões promovem a discussão e a apresentação de trabalhos
práticos em sala de aula, promovidos pelos integrantes do heterogêneo grupo do projeto, que
está, também, em fase de conclusão.
Outras correntes de estudo prestam-se também a essa busca, como é o caso das
pesquisas em linguística aplicada, cujos objetivos visam igualmente à construção de um
cidadão capaz de usar a língua de maneira eficiente e proficiente. Nesse sentido, o trabalho
com os gêneros textuais vem se mostrando profícuo para a materialização do letramento e
como instrumentos positivos também para a abordagem da variação linguística.
Há outros trabalhos, projetos, programas, certamente, desenvolvendo-se nesse sentido
pela imensidão que é nosso Brasil. Anseio pela mudança que virá ao germinarem as sementes
daquilo que vimos plantando agora.
Mas o que importa é que começamos, e como já disse Rosa (2001, p. 440), “Todo
caminho da gente é resvaloso. Mas; também, cair não prejudica demais — a gente levanta, a
gente sobe, a gente volta! Deus resvala? Mire e veja. Tenho medo? Não. Estou dando
batalha”.
158
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para tirar o final, para conhecer o resto que falta, o
que lhe basta, que menos mais, é pôr atenção no que contei,
remexer vivo o que vim dizendo. Porque não narrei nada à-toa:
só apontação principal, ao que crer posso. Não esperdiço palavras.
(Guimarães Rosa)
Concluir um trabalho é, por vezes, o ato mais trabalhoso de todo o processo, ainda
mais quando o tema é a língua, que por si só já abarca uma vivacidade única.
Como sugere Rosa (20011), pela voz de Riobaldo Tatarana na epígrafe, a fim de se
conhecer o final, há de atentar para o que contei, e, neste trabalho, contei, talvez, alguns
pontos já contados anteriormente, mas com o meu olhar, minha interpretação e minha voz,
que traz consigo a carga de todas as leituras feitas, das aulas assistidas, das conferências, dos
congressos, dos anos de estudo e, particularmente, das salas de aula e dos meninos
entrevistados.
Assim, no primeiro capítulo, contei como foi realizada a pesquisa, seu passo a passo,
resumindo em algumas linhas o trabalho de pouco mais de três anos. Como fiz, o que deu
certo, o que teve de ser mudado. As entrevistas, muitas vezes entremeadas de ruídos,
interferências de toda a ordem. Nelas, as marcas da vivacidade da escola e a dinamicidade das
salas de aulas estão gravadas, como a me lembrar da minha condição de professora, base para
a pesquisadora que hoje sou.
No segundo capítulo, primeiramente juntei a este trabalho outros já realizados,
representativos da linha e expoentes do assunto pesquisado, a fim de mostrar não só a
relevância do tema, como também para expressar sua polifonia. Uni à minha voz as vozes de
alguns pesquisadores precursores, que vêm trabalhando com redes, com a fala dos
adolescentes, com o conceito de identidade e letramento. Por meio desses trabalhos, desses
pesquisadores, observei e estruturei os resultados que aqui apresento.
Toda estrutura tem sua fundação. Assim também é uma tese. Com isso em mente,
ainda no segundo capítulo, trouxe à tona autores e obras basilares para o desenvolvimento
deste trabalho, fundamentais para a análise e para as conclusões apresentadas. A Dialetologia
como alma gêmea da Sociolinguística, Labov e os trabalhos pioneiros na vertente
Quantitativa, por sua visão macro guiar todos os demais ramos da ciência, mesmo nos
trabalhos voltados mais para a micro Sociolinguística.
159
Milroy e a introdução das investigações acerca das tramas por que se enveredam as
interações, Bortoni-Ricardo e a inserção, mais que isso, a adaptação desses estudos à
realidade brasileira.
Nesse meio, nomenclaturas foram apresentadas, com vistas a clarificar os estudos e
pontuar as análises. Variação, variante, variedade; tipos de variação; tudo detalhado e
especificado.
As características linguísticas do período mais conturbado da vida humana, a
adolescência, foram trazidas à discussão, além de uma das questões fundamentais para tudo o
que envolve a sala de aula, o Letramento.
E, fechando a estrutura basilar, a discussão concernente à materialidade do rural e do
urbano foi apresentada, de modo a situar os meus informantes em uma esfera sertaneja ou
citadina.
No terceiro capítulo apresento uma caracterização do corpus, primeiramente
apresentando aos leitores o Distrito de Paiquerê, comunidade rural pertencente à cidade de
Londrina, no norte do Estado do Paraná. As ruas de paralelepípedo ou terra batida, os
senhores sentados na praça da Igreja Matriz, representados por números e expressados por
meio de algumas categorizações.
Também o Colégio Estadual de Paiquerê, seus alunos e funcionários, sua história e
seus números foram apresentados, e, com detalhamento e pormenorização, as características
dos vinte e quatro informantes, tudo para chegar à análise, apresentada no capítulo quatro.
O apanhado teórico apresentado serviu para fundamentar tais análises, bem como
para reiterar ou refutar algumas conclusões a que cheguei pelo processo de pesquisa, ao
apresentar o alfa dos estudos com esse teor.
A base proporcionada pelos trabalhos de Labov, substancialmente os realizados em
Martha’s Vineyard e Filadélfia, de Milroy em Belfast, de Bortoni-Ricardo, em Brasília,
serviram para compreender a configuração da fala do adolescente de Paiquerê como ligada
estreitamente às suas redes de interação e aproximada muito do falar de qualquer outro
adolescente morador das regiões periféricas de Londrina.
A partir disso, o trabalho fluiu no sentido de responder às perguntas de pesquisa, ou
seja, de conhecer o favorecedor da mudança ou o favorecedor da manutenção linguística.
Respondendo à pergunta central deste trabalho, foi possível, por meio do apresentado
aqui, concluir que as redes de interação têm peso preponderante na configuração da fala dos
adolescentes aqui analisados. Meninos e meninas inseridos em redes abertas tendem a
160
aproximar sua fala do falar urbano. Em contrapartida, aqueles inseridos em redes fechadas
apresentam um falar mais próximo do urbano.
Em se tratando das previsões: i) redes com menor incidência de letramento
dominante e moradia na ZRD oportunizariam a manutenção do falar rural; ii) redes com
maior incidência de letramento e moradia na ZCD favoreceriam um falar urbano, as análises
não detectaram, por meio das variantes eleitas como determinantes neste trabalho – maior ou
menor ocorrência de rotacismo ou iotização e não realização da concordância verbal na 1ª e 3ª
pessoas do plural – falares urbanos ou rurais, mas, sim, o falar rurbano a que alude BortoniRicardo (2009).
Atendendo ao primeiro dos objetivos específicos, a comparação entre a fala dos
informantes estratificados por local de moradia foi feita, concluindo não haver pontos que
possam caracterizar uns ou outros, já que todos apresentam a mesma configuração linguística.
Além disso, morar em uma ou em outra região, ou até o sentido de pertença, não é
determinante, pois mesmo os informantes moradores nos sítios ao derredor do distrito
apresentaram aproximação com o falar urbano, e vice-versa. E, com isso, atingi o segundo
objetivo específico.
Quantificar e nominar as redes de cada um dos informantes, objetivo terceiro, mais
uma vez comprovou o peso das redes como o fator principal para a manutenção do falar rural
ou para sua difusão.
Outro ponto importante, respondendo ao quarto objetivo específico, foi constatar que
o grau de letramento é determinante para maior aproximação ao falar urbano. As análises
comprovaram que, quanto maior o acesso à cultura letrada, oportunizada não só pela escola,
mas por agências hegemônicas, como o trabalho, a igreja, a família e o grupo de amigos,
maior será a difusão do falar rural. Não obstante, foi possível constatar que a menor instância
de eventos de letramento nessas redes favorece a focalização.
Outros fatores preponderantes vieram à luz, como a importância do contato da
leitura, e mesmo da contação de histórias, durante a primeira infância, período em que o
indivíduo constrói sua imagem de mundo. A maioria dos informantes a ter pais leitores hoje
lê. Disso, conclui-se o inquestionável: quem lê fala com maior incidência de expressões
pertinentes ao universo urbano.
Também foi possível constatar a ineficiência das aulas de língua portuguesa nos
moldes que se apresentam hoje, principalmente por meio da informante INF3 e dos
informantes INF13 e INF20.
161
Por fim, diante de tudo o que concluí, no capítulo cinco, trouxe uma breve discussão
sobre, especificamente, o ensino de língua portuguesa para indivíduos cuja personificação é
representada pelos adolescentes de Paiquerê, proposta no quinto objetivo específico.
Como trabalhar em sala de aula as peculiaridades apresentadas, como a escola deve
proceder para conduzir os indivíduos com esses pormenores a uma adequada capacidade
linguística que lhes assegure competir e ascender socialmente.
Nessa discussão, apresentei dois projetos de pesquisa que vêm trabalhando
eficientemente nesse sentido: o Projeto VALE – Variação Lingúistica na Escola, e o Projeto
Pontes. O primeiro, da Universidade Estadual de Londrina, vem criando atividades para a
melhor abordagem da variação linguística em sala de aula, e o segundo, da Universidade de
Brasília, incluindo nessa questão o Letramento. Ambos têm sido muito ditosos em seus
procedimentos metodológicos, mostrando apropriadas alternativas para a mudança necessária
e premente nos moldes das aulas hoje praticadas.
Assim encerro, em pouco mais de duas centenas de páginas, um labor de pouco mais
de mil dias. Fui sucinta, visando à objetividade. Apresentei as bases mais influentes, os dados
necessários e as conclusões relevantes. Nada extenso, nem exaustivo. Apenas o proeminente.
Somente o que julguei fosse necessário.
“E me cerro, aqui, mire e veja. [...]. Conto o que fui e vi, no levantar do dia. Auroras.
Cerro. O senhor vê. Contei tudo” (ROSA, 2001, p. 874).
162
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169
APÊNDICES
170
APÊNDICE A
Questionário 1
QUESTIONÁRIO 1 – CEP Colégio Estadual de Paiquerê
Nome:_________________________________________________________________
Idade: _____________________________ Sexo: ( ) Masc ( ) Fem
Série: ( ) 8º EF ( ) 9º EF ( ) 1º EM, ( ) 2º EM ( ) 3º EM
Período de estudos: ( ) Matutino ( ) Noturno
Mora em: ( ) Paiquerê Zona Urbana ( ) Paiquerê Zona Rural [( ) Sítio ( ) Fazenda
( ) Assentamento ( ) Vila Rural Outros _____________________________________
Tem irmãos? ( ) Sim ( ) Não Quantos? ____________________________________
Com quem mora? ( ) Pais ( ) Pais e irmãos ( ) Mãe ( ) Só mãe e irmãos ( ) Pai
( ) Só pai e irmãos. Outros: ________________________________________________
Trabalha? ( ) Sim ( ) Não
Onde: ______________________________________
Faz ou já fez algum curso? ( ) Sim ( ) Não Qual: _____________________________
Você tem celular? ( ) Sim ( ) Não
Tem computadores há na sua casa? ( ) Sim ( ) Não
Costuma usar o computador com freqüência? ( ) Sim ( ) Não
Para quê usa o computador? ( ) Trabalhos da escola ( ) Pesquisa ( ) Acessar as redes
sociais ( ) Outros _______________________________________________________
Quais as redes sociais das quais participa? ( ) Orkut ( ) Facebook ( ) Twitter Outros:
__________________
Nas férias, costuma viajar? ( ) Sim ( ) Não
Para onde costuma ir? ( ) Praia ( ) Casa de familiares ( ) Sítios próximos
( ) Cidades próximas
Costuma ir à igreja? ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim, sempre.
Qual sua religião? ______________________
O que faz nos finais de semana? ( ) Fico em casa ( ) Só vou à igreja ( ) Vou a Londrina em
festas, bares, etc. ( ) Vou a festas, bares em Paiquerê mesmo ( ) Vou a festas, bares próximo
de onde moro
Costuma ler? ( ) Sim ( ) Não
O que lê? ( ) Jornais ( ) Revistas ( ) Livros ( ) Bíblia ( ) Gibis ( ) Internet
171
Costuma ir ao teatro? ( ) Sim ( ) Não Ao cinema? ( ) Sim ( ) Não
Com que frequência assiste à televisão? ( ) Todos os dias, mais uma 3 horas ( ) Todos os
dias, menos de três horas ( ) De vez em quando ( ) Não assisto à televisão
( ) Não viveria sem televisão.
Você tem canais pagos (net, Sky, etc.)? ( ) Sim ( ) Não
Marque os programas a que costuma assistir na relação seguinte:
( ) filmes ( ) novelas ( ) esportivos ( ) entrevistas ( ) programas de humor ( )
documentários ( ) programas de auditório ( ) desenhos ( ) noticiários
Você tem bastantes amigos? ( ) Sim ( ) Não
Qual o tipo de música de que você gosta?
( ) Sertaneja ( ) Rock nacional ( ) Rock Internacional ( ) Pop Nacional ( ) Pop
Internacional ( ) Pagode
( ) Funk ( ) Rap ( ) Samba Outros: ______________________________________
Tem namorada/o? ( ) Sim ( ) Não
Já teve? ( ) Sim ( ) Não
Pretende cursar uma faculdade: ( ) Sim ( ) Não
Cursos em que área: ( ) Humanas
( ) Exatas
( ) Biológicas
Você acredita que tem sotaque? ( ) Sim ( ) Não
Há alguma forma de falar que acredita ser a mais bonita? ( ) Sim ( ) Não
Esse questionário é para minha tese de doutorado. Você em muito está me ajudando!!!
Obrigada, de coração!
Em outra etapa, aceitaria participar de meu trabalho, ou seja, permitiria a gravação de
conversas suas, em diversos momentos de sua interação em grupo, para serem usadas (sem
citar nomes, locais, datas, etc.) em minha pesquisa de doutorado?
( ) Sim ( ) Não Assinatura __________________________________________
MUITÍSSIMO OBRIGADA. Prof. Lia
172
APÊNDICE B
Questionário 2
Questionário sociolinguístico para análise de redes
Diga-me seu nome completo, sua idade, em que ano está.
1) Onde nasceu? (Por que veio para cá?)
2) Você trabalha?
3) Sua família toda mora aqui? No sitio ou na cidade?
4) Em que ocasião você costuma ir para Londrina?
5) O que você mais gosta de fazer?
6) Sempre estudou nesse colégio? (Por que veio para esse colégio?)
7) O que você sabe sobre a história de onde mora?
8) Você gosta da festa do Milho? Trabalha nela, já trabalhou? Já veio em alguma? Fale
um pouco sobre a festa.
9) Você já esteve em alguma situação na qual correu perigo de vida?
10) Qual a importância da igreja em sua vida. Você mudou ou mudaria algo na sua
maneira de ser por causa da igreja? Já deixou de fazer algo por causa da igreja?
Mudou sua forma de falar por causa da igreja?
11) Qual a importância da escola em sua vida. Você mudou ou mudaria algo na sua
maneira de ser por causa da escola? Já deixou de fazer algo por causa da escola?
Mudou sua forma de falar por causa da escola?
12) Qual a importância do trabalho em sua vida. Você mudou ou mudaria algo na sua
maneira de ser por causa do trabalho? Já deixou de fazer algo por causa do trabalho?
Mudou sua forma de falar por causa do trabalho?
13) Qual a importância da família em sua vida. Você mudou ou mudaria algo na sua
maneira de ser por causa da igreja? Já deixo de fazer algo por causa da igreja? Mudou
sua forma de falar por causa da igreja?
14) Qual a importância da televisão em sua vida. Você mudou ou mudaria algo na sua
maneira de ser por causa da televisão? Já deixou de fazer algo por causa da televisão?
Mudou sua forma de falar por causa da televisão?
15) Quando pequeno, seus pais, ou cuidadores, liam ou contavam histórias para você
dormir? Quem? Com que frequência?
16) Com quem você mais conversa?
17) Se você for contar um segredo hoje, contaria para quem? Mãe, irmã, irmão, amiga,
chefe, professor, pai, tia, tio, primo, prima.
18) Há alguém em quem se espelhe, ou que queira ser igual? Quem? Por quê?
19) Diga o nome de 5 pessoas com as quais você dividiria um prêmio que ganhou. O que
elas são de você?
20) Qual o nome da pessoa, de sua relação, que você considera mais inteligente?
21) Quem é a pessoa mais importante para você, num sentido geral?
22) Quem é a pessoa mais importante para seu desenvolvimento pessoal, profissional?
23) De sábado, até hoje, quais foram as pessoa com quem mais conversou? Diga o nome e
o grau de relação (parente, amigo, patrão, pastor, etc)
24) Classifique o grau de relevância, importante, muito importante e não importante, em
sua vida as seguintes instituições: família, igreja, trabalho, escola, amigos, televisão,
leitura.
25) Você lê? O que lê? O que mais gosta de ler?
26) Se você viajasse hoje, para onde iria? Com quem? Por que escolheu essas pessoas?
173
27) Você pretende fazer faculdade? Qual curso? Por quê?
28) Qual a profissão ou trabalho de seus pais?
29) Seus pais têm estudo? Eles leem ou liam para você quando você era criança?
30) Você sabe a formação escolar de seu patrão? Como é sua relação com ele?
31) Como você se relaciona com seus professores? Conversa com eles fora da sala de
aula?
32) Você acha que alguém te influência de alguma maneira? Quem? No que? (exemplo:
por causa dela você se veste dessa ou de outra maneira, por causa dela você corta
assim o cabelo, por causa dela você gosta dessa ou daquela música, por causa dela
você fala gírias ou não, etc.)
33) Há algum momento em que você se preocupa em falar caprichadamente? Por quê?
34) Com que pessoa você se preocupa em falar mais caprichadamente?
35) Você sabe falar Português? Por quê?
36) Você acha que a língua que você fala é diferente da língua que aprende na escola?
37) O que é falar certo para você?
38) Qual a expressão é mais bonita: Nós trabalhamos hoje com bolsões de couro ou Nóis
trabaia hoje com borsão de coro? Por quê?
39) O que você pensa sobre pessoas que falam como na primeira expressão? Por quê?
40) O que você pensa sobre pessoas que falam como na segunda expressão? Por quê?
41) Você acha que fala gíria? Em que ocasiões você procura não usar gíria?
42) Leia esse pequeno trecho:
Tenho, pois, aqui a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e unha.
Razões de simpatia e de convivência longa trouxeram esta amizade, que fazia a
felicidade das famílias e a admiração de toda a gente. Uma chamava-se Júlia e a
outra Teresa. Esta tinha cabelos louros e era clara; aquela tinha-os castanhos e era
morena.
43) Você pode me resumir o que leu?
44) Leia este outro trecho:
O policial do 190 atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro:
- Por favor, SOCORRO! Mandem alguém urgente! Entrou um bicho terrível aqui e
casa!
O policial estranha o pedido e pergunta:
- Bicho perigoso? Um animal selvagem? Um cão pitbull?
- Não! Um gato!
- Mas como assim um gato em casa?
- Um gato! PÔ!
Ele invadiu minha casa e está caminhando em minha direção!!!...
SOCOOOOOOOOOOOOORRO!
- Mas isso é ridículo! Passando trote pra Polícia? Identifique-se já! Quem está
falando aí?
- É o papagaio, imbecil!
45) Por favor, reconte com suas palavras.
46) Por favor, me diga o que vê nessas imagens?
47) Elas te remetem a algo?
48) Qual foi o dia mais feliz de sua vida? Por quê? Conte como foi.
49) Qual foi o dia mais triste de sua vida? Por quê? Conte como foi.
50) Se você pudesse dizer algo a todos os jovens de hoje, o que diria?
174
APÊNDICE C
Transcrição das entrevistas
1. INF1 – 18, primero ano - Onde você nasceu? – Londrina – E por que você veio pra cá? – Ah, pro
2. Paiquerê? Ah, porque Paiquerê é mais perto né, morava no Irerê, pra mim istudá é mais perto di
3. casa - Sempre morou aqui na região? – Sempre, primero em Irerê, é qui aqui num tem hospital, num
4. tem nada – E sua família, mora toda no Paiquerê? – Ah, é bem misturado, bem dividido - E você
5. mora no distrito ou no sítio? – Não, não, moro no Paiquerê mesmo - No centro do Paiquerê? – Não,
6. na avenida - E você vai pra Londrina de vez em quando? – Todo dia, eu trabalho lá. - Você trabalha
7. onde? - Eu trabalho di diarista, cada dia eu vô num lugar, mais eu vô todos os dias - De segunda a
8. sexta você tem seus dias ocupados. É trabalhoso, né? – É, é cansativo. - E o que você mais gosta de
9. fazer? – Hum, ai eu gosto di assisti tevê bastanti, ficá sem fazê nada lá i gosto di saí tamém, i pra
10. barzinho e tomá cerveja, essas coisa. - Você é casada? - Sô. – Tem filhos? - Não - E você estudou
11. algum período em Londrina? - Eu istudei a oitava série, metadi dela, no Cafezal, aí depois, a
12. primera vez qui eu fiz o primero ano, eu fiz no IEEL, só, daí depois eu fiquei acho qui uns dois anos
13. sem istudá – E você está retornando agora? – Daí entrei, voltei aqui. - E você sabe alguma coisa
14. sobre a história do seu patrimônio? – Não, nenhuma coisa, assim, ah, qué qué dizê, sei qui minha vó
15. fala, né, qui mora lá sempre, qui começô com uma fazendinha, tipo abrindo, qui foi cresceno, o povo
16. foi fazeno as casinha, aí depois di muito tempo qui foi asfaltano, até hoje num terminô, né - Acho
17. que asfalto há nas ruas principais, né? – Só, só, nas principais, na qui eu moro mesmo é avenida,
18. mais num tem, só tem a metadi, daí a outra metadi já num veio mais - Aqui tinha festa do milho,
19. chegou a vir?- Eu vinha sempre, todo ano - E você gostava? - Bastanti - O que tinha de atrativo pra
20. você? – Ah, eu gostava di comê, di, da música, festa né, festa é festa! – Tem alguma situação em que
21. já correu risco de vida? - Já - Você pode me contar o que aconteceu? - Quando eu ingravidei, né, eu
22. ingravidei, daí meu bebê morreu no parto e eu também quasi, tive qui fazê uma cesária, qui eli
23. morreu dentro da barriga, muito rápido, aí, num foi fácil, ele morreu (inaudível), foi a única coisa
24. assim qui aconteceu um dia di muito sério – Faz tempo? – Faz dois anos - Há algum momento em
25. que você se preocupa em falar mais caprichadamente? - Tem - Em que momento? – Ah, quando eu
26. estou im algum lugar, assim, mais importanti i com minha patroa, qui ela fica pegano no meu pé, o
27. trabalho dela, ela era professora lá, era professora da UEL, ela fica sempre mi corrigindo ‘fala
28. direito, fala direito’, aí, pra mim não ficá sendo chamada a atenção, daí eu fico meio qui medino –
29. Qual a importância da igreja na sua vida? – Ah, eu num sei, eu num vô na igreja. Eu acredito qui
30. existi um Deus, mais eu num tenho uma religião, eu num vô na igreja assim, já fui, né, minha mãe é
31. evangélica, minha família toda, da parti do meu marido é católico, mais eu mesma num vô im
32. nenhuma - E qual a importância da escola? - Pra mim, pra mim mudá, né, di profissão, pra tê algum
33. serviço melhor uma coisa qui eu num canse tanto, é por isso qui eu voltei a istudá – É desgastante
34. mesmo né? - Ganha assim até melhor qui im vista dos otros impregos, né, mais eu sei qui num vô
35. aguentá muito tempo – Você falou que gosta de televisão. Qual a importância dela em sua vida? –
36. Intão, o qui eu assisto mais é os canais pagos, né, eu gosto do History, eu gosto do di filmes, todos
37. os canal di filmi, qui é o qui eu mais assisto agora, o canal normal eu num... gosto da novela da
38. Globo, mais num dá pra mim assisti, vô pra iscolascola – Qual a importância do trabalho na sua
39. vida? – Ah, é pra mim isso é im primero lugar, qui eu quero um monti di coisas né, tô tentando fazê
40. minha vida, assim, igual a minha casa tava reformano, agora comprando carro, intão pra mim, por
41. isso qui eu tenho qui mantê né, eu num posso saí, intão, o imprego é muito importanti - Qual a
42. pessoa com a qual você mais conversa? – Hum, no total i tudo assim Ah, meu marido - E se você
43. fosse contar um segredo hoje, pra quem contaria? – Vixi! Eu acho qui pra minha vó só, mais
44. dependendo do qui fossi, também num teria coragi di contá - Há alguma pessoa de sua relação na
45. qual você se espelhe? – Minha patroa - Se você ganhasse um prêmio hoje, com quem dividiria? - Ah,
46. co meu marido, minha vó, a Carol, minha amiga né, i minha cachorra - Há alguma pessoa de sua
47. relação que você acha a mais inteligente? - Mais inteligenti... ah, tem os meus cunhados, os dois são
48. muito, totalmenti diferenti do meu marido, di todo mundo, ah, um, ele é gerenti di banco, o otro, ele
49. vendi, trabalha numa multinacional, vendi remédio di câncer, essas coisa, aí intão todos têm
50. faculdadi tudo. – E você tem contato com eles diário assim? - Não, mais a genti se vê mais em festa,
51. aniversário - Qual é a pessoa mais importante na sua vida hoje? – Ah, eu acho qui é minha vó - Você
52. tem pai? - Tenho a minha mãe, é como si a minha vó fossi a minha mãe, ela pra mim, a genti é mais
53. ligado qui a minha mãe mesmo, eu e minha mãe num dá muito não, nós num tem tanta ligação assim
54. – De sábado até hoje, quais as pessoas com as quais você mais conversou? – Ah, acho qui a Carol
55. né, qui istuda comigo, i o meu marido só - Eu vou falar algumas entidades e você vai me dizer se são
56. muito importantes, só importantes ou não são importantes. Família? – Importanti – Igreja? – Hum,
175
57. ah – Trabalho? - Muito importanti – Escola? - Muito importanti também. – Amigos? – Importanti –
58. A televisão? - Mais ou menos – Leitura? - Ah eu gosto di lê - O que você costuma ler? - Ah eu leio di
59. tudo um poco, mais eu gosto mais di livros meio qui di suspensi, essas coisa assim – Se você viajasse
60. hoje, pra onde iria e quem levaria? – Ai, eu quiria i pruma praia, sei lá, algum lugar assim bem, ah
61. eu acho qui num levaria ninguém, minha cachorra só, ficaria lá - Você pensa em fazer alguma
62. faculdade? – Penso, mais num pensei no que, ainda não, assim, mesmo num tenho, até o tercero,
63. terminá o tercero ano eu me decido, mais é o qui eu quero - O seu marido faz o quê? – Ele é
64. instalador di alarmi – E ele estudou até que ano? - Ele feiz dois anos di faculdadi, daí depois ele
65. trancô, ele começô a fazê adiministração, aí num tinha nada a vê co qui ele sabi, ele gosta di instalá
66. câmera, essas coisa, ele ganha quase, né, ele ganha bem também, intão num compensô mesmo - E os
67. seus pais, têm estudo? – Não, a minha mãe acho qui tem até a sexta série i o meu pai acho qui num
68. tinha assim nenhum - E a sua Avó? – Minha vó também não - Ela sabe ler e escrever? – Sabi meio,
69. mais ou menos, assim, acho qui foi a primera série só mesmo, não é analfabeta – Então, quando
70. você era pequena, ninguém lia pra você? – Não - E contavam historinhas assim orais? – Ah, o meu vô
71. sempre contava, assim, e a minha vó tamém, só qui a minha mãe não, minha mãe nunca incentivô di
72. istudá nada, minha mãe tinha negócio assim, qui filho di pobre num faiz faculdadi, qui num
73. adiantava, qui era bobice a genti, i si você fossi lê, fazê alguma coisa, ela falava qui tava perdendo
74. tempo, tava à toa lá, i até hoje ela é assim. I eu fui criada assim, mais é qui eu gostava né, quando
75. eu era piquena, di istudá, di tudo, ai depois qui eu comecei, na oitava série ela já me mandô
76. trabalhá, ai tinha qui trabalhá na roça o dia intero e à noite ia pra escola, daí foi ondi eu parei, eu
77. num aguentei - Como é o seu relacionamento com os professores? – Olha, nunca tive problema cum
78. nenhum - Tem algum que você conversa fora da sala de aula? - Ah, o único qui eu conversava assim
79. era o Rubão mesmo, mais aí... - Você acha que alguém te infuencia de alguma maneira? - Acho qui
80. não – Você sabe falar português? – Ai, é assim, si fossi pra mim tentá, mi esforçá, eu acho qui eu
81. consiguiria, porque acho qui iscrevê eu iscrevo bem, mais é uma coisa, assim, qui você não, isso eu
82. mesmo num vô ficá falando toda hora corretamenti, tudo certinho, bunitinho, mais acho qui fossi pra
83. mim tentá, acho qui conseguiria, não assim exatamenti, mais acho qui mais ou menos, né - E você
84. acha que o português que falamos é diferente da disciplina Língua portuguesa? – É diferenti – Você
85. consegue estabelecer a diferença? - Porque é assim, si for pra genti fazê tudo certinho, igual a genti
86. istuda lá, pra conjugá o verbo e não sei u quê, não sei u quê, aqueli monti di coisa lá, nossa, você
87. vai tê qui ficá pensando toda hora pra você falá porque a genti já cresci falando assim di qualqué
88. jeito né, você num cresce assim ‘Ah, porque essi vem primero qui essi, essi é assim i essi é assado’
89. você fala assim normalmenti, cê fala sem pensá né, i si fô pra falá tudo daqueli jeito lá, você tem qui
90. pensá bem, sempre pensando antis di falá – E o que é falar certo pra você? - Certo, eu acho assim,
91. mais correto assim possível, igual a genti istuda, igual a genti iscreve, isso pra mim seria falá
92. corretamenti – Falarei duas expressões e você me diz qual acha mais bonita. ‘Nós trabalhamos hoje
93. com bolsões de couro’ ou ‘Nóis trabaia hoje com borsão de couro’? - A primera é mais bunita né – E
94. o que você pensa de pessoas que falam como a segunda expressão? – Ah, eu num sei dizê não - Nas
95. suas relações, as pessoas falam mais parecidas com a primeira ou com a segunda expressão? - Com a
96. segunda - Você tem idéia por quê? - Eu acho qui é assim, na minha família mesmo todo mundo sem
97. instrução nenhuma né, tudo ali do sítio, todo mundo fala assim - É feio ou bonito? - Nem feio nem
98. bonito, é o jeito deles lá, di quem num, nem istudô - E as pessoas que falam como na primeira, o que
99. você pensa? – Num sei assim, talvez tenham istudado mais - Você fala gíria? – Sim, mais bem poco –
100. Você pode falar o que vê nessa figura? - Nesse um dia feliz – Por que você acha que é feliz? – Pela
101. ixpressão ó, as pessoas jogando futibol, andando na praia, brincando – Você pode ler em voz alta
102. esse pequeno trecho? - Tenho, pois, aqui a história di duas mulheres amigas e unidas como carne i
103. unha. Razões de simpatia i di convivência longa trouxeram esta amizadi, qui fazia a felicidade das
104. famílias e a admiração de toda a genti. Uma chamava-se Júlia e a outra Teresa. Esta tinha cabelos
105. louros e era clara, aquela tinha-os castanhos e era morena. – Você pode agora resumir? - Ele tá
106. discrevendo duas amigas né, fisicamenti, ele tá falando qui elas, pela convivência, ficaram amigas,
107. daí, depois ele descreve qui uma era loira a otra era morena - E agora você, por favor, descreve o
108. que tá acontecendo aqui? - Um aluno tá participando da aula, né, di uma atividadi – Lê mais esse,
109. por favor? - O policial do um nove zero atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro, por
110. favor, socorro! Mandem alguém urgenti! entrou um bicho terrível aqui em casa! O policial estranha
111. o pedido e pergunta, bicho perigoso Um animal selvagem Um cão pitibu Não! Um gato! Mais como
112. assim um gato em casa Um gato!pô! Ele invadiu minha casa e está caminhando em minha direção!
113. Socoooooorro! Mais isso é ridículo! Passando troti pra polícia Identifiqui-se já! Quem está falando
114. aí Aqui é o papagaio, imbecil!. - Vixi – Pode resumir o que você leu? - Intão ele, ele ligô né e tava
115. passando um troti pra polícia – Há um dia que foi o dia mais feliz na sua vida? – Mais feliz... ai, pra
116. mim acho que foi o dia qui eu comprei o meu carro, né - Você pode contar um pouquinho como foi?
176
117. - Intão, na vida intera andei di ônibus, ia no mercado pegava, pegava, aí eu comprei o carro, co
118. meu dinhero pra mim, minha mãe emprestô um pouco pra mim i pagando, só qui daí eu num tinha
119. cartera, aí eu peguei e falei ‘não’, daí meu marido qui ficava co carro pra qui, si vinha multa ficava
120. ruim, porque eu não podia dirigi né, ai a minha mãe pegô e falô assim, ‘intão eu vô ti ajudá pagá né,
121. pra você podê andá, si não, qui qui adianta tê o carro e não tê cartera’, aí peguei fui, e daí fui dá
122. entrada, daí todo mundo falava, ‘ai mais pra que cê dá entrada di moto né, cê nem sabi dirigi, você
123. vai dirigi bosta nenhuma, como você vai’, aí eu peguei e dei entrada nas duas e fui fazê as aula tudo
124. e eu não sabia nada, nada, nada, aí o dia, assim, qui fiquei muito, muito feliz foi qui eu passei na
125. primera im tudo, passei im tudo no Detran, foi, primero eu fiz a da moto e passei na primera, eu
126. mesmo num acreditava qui eu ia consegui no primero, ah eu chorei, gritei, fiquei, porque pra mim
127. num era só a cartera, era, era minha independência di tudo né, i no carro foi a mesma coisa, eu
128. consegui tudo na primera, aí, nem meu marido num acreditava qui eu ia consegui, ninguém, todo
129. mundo zuava, falava ‘ah o motorista da auto-iscola, num sei o que, num sei que’, pra mim foi muito
130. assim, fiquei muito realizada com isso – E tem um dia que você considera como o dia mais triste? –
131. Foi o dia em qui eu tive qui interrá meu filho - Você pode falar sobre isso? – Ah, eu até falo assim
132. mais, pra mim foi, é qui ele morreu no parto, daí a genti teve qui interrá né, ia tê qui tê velório tudo
133. né, aí eu não quis velório, não quis levá no cemitério, eu criei uma coisa assim qui eu num quiria qui
134. ninguém visse, era como si a dor fossi só minha, qui ninguém mais si importasse só eu, aí levô no
135. cemitério, feiz ali um uma oração lá, daí foi interrado, mais eu fiquei mais di ano assim pra mi
136. recuperá daquilo né, até hoji eu não tivi coragi di ingravidá di novo, eu tenho medo - Ficou bem
137. marcante...? – Ficou, e eu já tinha tudo né, tinha arrumadinho o quarto montado, tudo, tudo - Que
138. triste! Você me permite que eu use as suas informações na minha tese de doutourado? – Pode fazê,
139. sim!
140. INF2 - tenho quinze anos, tô no primero ano - E você nasceu onde? – Londrina – E você sempre
141. morou em Paiquerê? – Sim - Você trabalha Aline? – Eu vou começá a trabalhá o mês qui vem, tô na
142. Epesmel agora, daí eu vou começá – Em que empresa você vai? – Na C&A – Sua família toda mora
143. em Paiquerê? – Meus pais e meus irmão - E seus avós? – É, eu só tenho um vô, da parti da minha
144. mãe só - Você costuma ir a Londrina? – Aham - E em que ocasião você vai? – Ah, pra tudo, fazê
145. compra, passeá, tudo - Então você vai passear lá em Londrina? - Aham - Os seus passeios são mais
146. lá do que aqui? – É, fico mais lá por causo qui minhas amiga é mais di lá mesmo - O que você mais
147. gosta de fazer? – Ah, ficá na interneti, iscutá música, isso só e ficá com as menina - E você sempre
148. estudou aqui? – Mais no Irerê, esse é o primero ano aqui - E como foi essa mudança de escola? – É
149. por que lá tem até a oitava série né, oitavo ano lá, daí tevi qui passa ou pra Londrina o pra cá, essi
150. ano né daí eu vim pra cá - Mais foi difícil pra você mudar de escola assim? – Não - Adaptou-se bem
151. – Aham - E você sabe alguma coisa sobre a história do distrito? – Não – E quando tinha festa do
152. milho aqui, você costumava vir? – Aham – Por que você gostava de vir? – Ué, qui eu gostava di vim
153. na festa assim – Você já correu risco de vida? – Não, não - Qual é a importância da igreja na sua
154. vida? - Ah, ultimamenti eu num tô ino muito não, ah, mais eu acho importanti tem qui i, é bom i na
155. igreja né, tá mais, tá cum Deus, conversá cum Deus - E qual a importância da escola? – Ah acho qui
156. a iscola é bom pra tudo né, assim, pra aprendê mais, fazê conta, tê um trabalho bom - E qual a
157. importância do trabalho? – Ah, pra você consegui experiência, tê seu próprio dinhero, depois cê
158. consegui passá pra otras coisas coa sua experiência né, cum trabalho melhor - E a importância da
159. família? – Ah, é bom tê a convivência por perto, ah, porque a família é tudo né, assim tipo si cê
160. pricisa di alguma coisa é bom você tê alguém pa ti apoiá. Eu amo muito eles - Você costuma assistir
161. à televisão? – Aham – E o que você costuma assistir? – Mais novela mesmo, à noiti assim – E a
162. televisão tem alguma importância na sua vida? – Não, só assisto mesmo porque daí num tem nada
163. pra fazê, mais nada qui eu pricise assisti assim - Qual é a pessoa com a qual você mais conversa? –
164. Ah, co a minha, acho qui é co a minha mãe ou cas minhas amiga - Mais com a sua mãe ou com suas
165. amigas? – Ah, minhas amigas mesmo, por causo qui com ela eu falo di coisa nossa, assim, di nóis,
166. di… sabi, i co a minha mãe também falo, mais tem umas coisa qui não - Se você fosse contar um
167. segredo, pra quem contaria? – Pra minha amiga Thalita, qui é quem eu mais converso assim sobre
168. mais coisas assim - E se você ganhasse um prêmio, com quem você dividiria? – Sei lá, acho qui
169. meus pais, minha família assim, cum eles - Tem alguma pessoa na qual você se espelhe? - Acho qui
170. não, acho qui minha mãe, acho – Por quê? – Ah, porque ela é trabalhadera, gosta di cuidá di mim, é
171. boa - Tem alguma pessoa das quais você se relaciona que você considera mais inteligenti? – Minha
172. mãe, por causo qui ela sabi fazê conta assim di cabeça, rápido assim - Qual é a pessoa mais
173. importante pra você? – Ah meus, minha mãe, meu pai - Em que sentido? – Ah eles mi ajuda, mi
174. apoia, sabi as coisa certa qui eu tenho qui fazê - Eu vou falar entidades e você fala o grau de
175. importância, importante, muito importante ou sem importância. Família? - Muito importanti –
177
176. Igreja? - Muito importanti – Trabalho? – Importanti – Escola? - Muito importanti – Amigos? –
177. Importanti – Televisão? - Menos importanti – Leitura? - Importanti - E você tem hábito de ler? – Ah,
178. antis eu sempre lia livro antis di durmi, mais agora, ultimamenti, num tô tendo muito tempo, daí nem
179. tô leno muito mais, só quando qui precisa aqui na iscola mesmo - Qual foi o ultimo livro que você
180. leu? – Ah acho qui “Um Amor para Recordar”- Se você viajasse hoje, iria pra onde? – Ah, eu Rio di
181. Janero – E com quem? – Ah, quiria i cum todo mundo qui eu gosto, ah, coa minhas amiga, minha
182. família tamém - E por que escolheu o Rio de Janeiro? – Ué, por causo qui eu acho bem bunito
183. aquelas praia, eu sempre tive vontadi di conhecê-las – Você pretende fazer faculdade? – Aham –
184. Qual curso, já escolheu? – É, é eu tô pensano - Mas tem inclinação pra algum? – Ah, mais acho qui
185. administração, essas partis assim – O que seus pais fazem? – Nóis tem uma mercearia lá ondi qui eu
186. moro mesmo, aí fica os dois lá, meu pai também puxa alunos da iscola. - E seus pais, então, têm
187. estudo? – Acho qui meu pai istudô até a oitava ou quarta série, acho qui minha mãe até a quarta –
188. Quando você era pequena, você se lembra se eles liam para você? – Lia, meus pais lia, ahã - E qual é
189. a sua expectativa em começar a trabalhar na C&A? – Ter, tê experiência né, conhecê mais da área
190. di, pra trabalhá, pra mim consegui depois um imprego melhor - Você acha que alguém te influencia
191. de alguma maneira? – Ué, não, sei não, minha mãe sempre fala as coisa pra mim ah, num saí co
192. essa ropa ou cuidado cum essas menina, num sei, será qui é assim – E há alguém em quem você se
193. espelhe? - Ah, acho qui a professora di Arti. Ela e assim bem alegre, extervetida – Extrovertida? - É,
194. sim, acho qui ela. Tem algum um momento em que você se preocupa em falar mais
195. caprichadamente? – Sei lá, na hora qui fui vê o negócio do serviço e fui fazê a intrevista i tudo, daí
196. eu quis caprichá mais, falá mais certo - Você fala gíria? – Um poco, dependi do momento – E em
197. que momento você procura não falar gíria? - Ah, no momento de uma vaga mesmo, no trabalho
198. mesmo. – Você sabe falar português? – Mais ou menos – Por quê? – Ah, tem umas coisa qui eu num
199. sei muito bem, assim é, como dizê, né - Você acha, então, que a língua que fala é diferente daquela
200. que aprende na escola? - É cum a qui a genti aprende né, tentano né, fazê do mesmo jeito, mais
201. ainda algumas coisa ainda num faiz, não é igual, essas qui não, qui resolve né, tipo regra - O que é
202. falar certo pra você? – Ah sabê si comunicá bem, sabê o jeito di conversá, di usá as palavra certa e
203. as coisa da gramática - Eu vou ler duas frases e você me fala qual e acha mais bonita. ‘Nós
204. trabalhamos hoje com bolsões de couro’ ou ‘nóis trabaia hoje com borsão de couro’? – A primera –
205. Por quê? – Porque a segunda é vista de um jeitu mais tipo com gíria assim – E as pessoas com as
206. quais você convive falam mais como a primeira forma ou como a segunda? – Como a primera - E o
207. que você pensa de pessoas que falam como a primeira expressão? – Ai qui elas sabi se comunicá né,
208. sabi lê certo - E quem fala como na segunda expressão? – Qui tem alguma dificuldadi, assim, di
209. conversa, usa mais como gírias né – Quando perguntei se você falava gírias, era nesse tipo de fala
210. em que pensava? - Uhum - Lê e depois me resume esse trecho, por favor? – Uhum. Tenho, pois, aqui
211. a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e unha razões de simpatia e de convivência
212. longa trouxeram essa amizade e fazia a felicidade da famílias e a admiração de toda genti uma
213. chamava-se Julia e a outra Tereza esta tinha cabelos louros e era crara aquela tinha os castanhos e
214. era morena - Você pode me contar o que leu? – Ah, duas mulheres, qui elas eram amigas né, como
215. unha, como carne i unha, eram bem juntas e pela simpatia delas, conformi elas foram si
216. relacionano, foram si transformano numa amizadi né, i todo mundo eram admirados da amizadi
217. delas e daí uma chamava Tereza e a outra Julia, daí uma tinha o cabelo louro e era crara e a outra
218. era castanhos e era morena. - Agora vou pedir pra você ler e resumir esse? - O policial do cento e
219. noventa atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro. Por favor, socorro, mande alguém
220. urgenti, entrou um bicho terrível aqui em casa! O policial estranha o pedido e pergunta: bicho
221. perigoso, um animal selvagem, um cão pitbull Não, um gato! Mais como assim, um gato em casa
222. Um gato pô, ele invadiu minha casa e está caminhando em minha direção. Socorro!!! Mais isso é
223. ridículo, passando trote pra polícia, identifiqui-se já! Quem qui tá falando aí Aqui é o papagaio,
224. imbecíl! – Agora pode dar uma resumida? – Ai, ué, qui o telefoni tocô, tavam ligando pra pulícia né,
225. falando qui tinha invadido a casa dele, qui tinha um animal, daí a polícia ficô querendo sabê o qui
226. qui era, pensando qui era algo assim grandi tudo e era só um, era só um papagaio, tipo ligando e
227. falando qui era um gato assim - Tem algum dia que considere o dia mais feliz da tua vida? – Ah,
228. quando qui eu tô com as pessoas qui eu gosto – Por quê? – Ué, porque eu tô me divertino, tô sorrino
229. assim, fazeno as coisa qui eu gosto com eles - E teve um dia triste? – Não – Descreva essas figuras?
230. – Ah, essa é algo relacionado à igreja né Eu achu bonitu assim né essas coisa assim - E esse aqui? –
231. Um aluno copiano nu quadro, todos os alunos assistino né, e eu acho legal o aluno né seno,
232. escreveno no quadro, todo mundo prestano atenção - E essa daqui? - Ah os menino jogano bola na
233. praia, ah eu acho legal, bem bunito, assim, na praia – Se você pudesse hoje falar alguma coisa pra
234. todos os jovens do mundo, o que falaria? - Ah, ué, pra istudá bastanti, istudá até quando pudesse,
235. nunca pará di istudá e procurá mais essas coisa di, pensá mais no seu futuro, pensá nessas coisa di
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236. istudá, trabalhá, essas coisa qui vale a pena, num ficá só pensano em saí essas coisa, acho qui é isso
237. - Obrigada.
238. INF3 – tercero ano e minha idade, tenho dezoito anos - Onde você nasceu? – Nasci im Londrina
239. mesmo - E mora onde? – Moro aqui, aqui no Distrito, no Paiquerê - Na região central? – É, central –
240. E toda a sua família mora por aqui? – Alguns - Seus pais? – Mora comigo - Você tem irmãos? –
241. Tenho três, mais é tudo casado, só eu só – E você costuma ir pra Londrina? – Sim, direto - Em que
242. ocasião? – Pagá conta, médico, essas coisa - E o que você mais gosta de fazer? – Eu gosto di curti a
243. família - E você sempre estudou aqui? – Sim, desdi, completamenti, desdi quando eu mi conheço por
244. genti, vamos dizer né - Você sabe alguma coisa sobre a história aqui do Distrito? – Mais ou menos –
245. Tem alguma coisa que poderia contar? – Ah, daqui, mais ou menos, aqui se, é... mó dizer... tem muita
246. coisa pra falá daqui não, ah, aqui é um lugar bom pra morá, as pessoa num recrama, ah, às vezes
247. recrama do lugar ou às vezes não, mais eu indico pra quem quisé vim morá prá cá, aqui dá tudo
248. certo - Aqui tinha a festa do milho né? – Sim - E você costumava participar? – Sim - E você gostava?
249. – É, bom, foi bom - e você sabe porque acabou? – Não - Já teve alguma situação em que correu risco
250. de vida? – Não – Já ficou doente? – Hum, às vezes fico, mais ou menos - Já foi pro hospital? – Não –
251. Tem algum momento em que você se preocupa em falar mais caprichadamente? – Às vezes –
252. Quando? – Modo dizer, quando você vai conversá com uma pessoa, você tem qui conversá
253. adequadamenti - Então tem pessoas que fazem com que você se preocupe mais com isso? – Não –
254. Assim, não tem ninguém hoje do seu convívio que você vai falar ai eu vou...? – Não - Pode me
255. explicar melhor isso Você disse que havia pessoas...? - Ah, mó dizê, às veiz anssim, alguém diferenti,
256. mais importanti – Ah, sim, entendi. Obrigada por explicar. Qual a importância da igreja na sua vida?
257. – A importância da igreja na minha vida O dia qui eu precisá, vô tê, precisá da, da religião, vai tá
258. sempre algo qui eu vou podê agradecê tudo o qui eu tenho na minha vida, qui eu posso dedicá mais
259. né - De que religião você é? – Eu sô católica - Você costuma ir à igreja? – Às vezes - Não é
260. frequente? – Não - E qual a importância da escola na sua vida? – Pra mim tudo, porque foi, pra mim
261. precisá dum serviço ou algum curso, eu, tem qui tê sempre o istudo né – E a família? - Ah, é tudo –
262. Você trabalha? – Di veiz im quando só - E qual é a importância do trabalho na sua vida? – Ah, pra
263. mim tê minhas coisa i podê fazê uma faculdadi i qui eu tô querendo fazê faculdadi - E a televisão,
264. você acha que é importante na sua vida? – Hum, as notícia né - Elas são importantes – São – Por
265. quê? – Elas mó dizer, porque elas qui faiz você vivê mais e conhecê ah, é, várias pessoa diferenti,
266. como qui é, o qui podi, o qui devi fazê ou qui não devi – As notícias ou a televisão? – As notícia –
267. Sim. Qual é a pessoa com a qual você mais conversa? – Mãe - Sua mãe? – Uhum - Se você fosse
268. contar um segredo hoje, pra quem você contaria? – Minha mãe - Qualquer um? – Minha mãe é tudo
269. pra mim, nossa! meu pai num é tanto assim porque é, porque ele trabaia, né, aí quem convivi mais
270. ali, tá ali do meu lado é minha mãe, meus irmão é casado né, tem - Tem uma pessoa da sua relação
271. que você considera muito inteligente? – Minha irmã. É, agora ela é, tem com, paga faculdadi, ela
272. assim, se você pergunta arguma coisa pra ela, ela fala, sabi, tem na ponta da língua assim as
273. pergunta, ela mi ajuda bastanti - E ela é bem mais velha que você? – Ela é, tem vinti i cinco anos –
274. Qual é a pessoa mais importante na sua vida hoje? – A pessoa Ah meus amigo, minha mãe, só – Você
275. acha que sua mãe é importante pro seu desenvolvimento profissional também? – Ah, um pouco, é,
276. também ela mi ajuda muito, ela fala pa mim o qui devi fazê, é, na manera dí gastá, o qui cê devi
277. fazê, o qui você num devi - De sábado até hoje, quais foram as pessoas com as quais você mais
278. conversou? – Minha mãe i meu pai – Agora eu vou falar algumas entidades eu vou pedir para você
279. classificar em importante, muito importante ou sem importância. Família? - Importanti – Igreja? –
280. Importanti – Trabalho? - Importanti – Escola? - Muito importanti – Amigos? - Importanti –
281. Televisão? - Muito importanti – Leitura? - Importanti também - Você costuma ler? – Sim - E o que
282. você lê? – Romance, ah esquici agora... hum - Revistas – Literatura, essas coisa. Leio só literatura i
283. romance, mais gosto mais di romance, essas coisa – E qual foi o livro de que mais gostou? - Mó
284. dize, anssim... – Algum romance especial, que tenha marcado sua vida? – Assim... intão, eu não li
285. ainda, num acabei um di romance qui tô leno – Ah, está lendo agora. E qual é o nome? – Isquici. –
286. Dom Casmurro? – É, acho. A professora pediu - Bom, se você viajasse hoje, pra onde iria e quem
287. você levaria com você? – Si eu isse viajá, levava minha mãe né - E aonde iria? – Minas Gerais – Por
288. que você escolheu Minas Gerais? – Quiria conhecê, no, mó dize, né, conhecê o lugar, e também é um
289. motivo qui minha irmã imeu cunhado mora pra lá - Você pretende fazer faculdade? – Aham - Já
290. escolheu o curso? – Ainda não - Não tem a mínima idéia? – Não, por inquanto ainda não - Qual é a
291. profissão dos seus pais? – Pais... - O que sua mãe faz? – Minha mãe Não, minha mãe trabaia im
292. casa só - E seu pai? – Ele é const... é constrói né, casa, é construtor - Eles têm estudo? – Meu pai
293. tem até a quarta série, minha mãe tem até o segundo, eu acho - Então eles sabem ler e escrever? –
294. Só o pai, a mãe não, ela tá, tá aprendeno, mó dizê o oto – Ah, ela tá? – Tá, eu insino né, insino –
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295. Isso é legal! Então, quando você era pequena alguém lia historinhas pra você? – Não - Não contavam
296. histórias? – Ah, contá história Não - Você falou que trabalha de vez em quando, não tem um
297. trabalho fixo? – Não, fixo não - Já trabalhou? – Não também - Como você se relaciona com seus
298. professores? – Ah, bem - Você acha que alguma pessoa te influencia de alguma maneira? – Ah, às
299. veiz - Em que sentido? – Ah, hum, a fazê arguma coisa errada, por exempro – Existe uma pessoa na
300. qual você queira se espelhar? - Minha mãe, a mãe é, mó dizê, tudo - Se você ganhasse um prêmio
301. hoje, com quem dividiria? – Ca minha família, mãe, pai, meus irmão. – Você acha que sabe falar
302. português? – Mais ou menos - Por quê? – Às vezes falo muito verbo, sô meia gaga, vai falá as
303. palavras, cê erra, troca as letra – Como assim, troca as letras? – Ah, não falo lugar, falo lugal, essas
304. coisa – Você acha que a Língua que você fala normalmente é diferente do que aprende na escola? –
305. É – Por quê? – Ah, às veis cê vai falá arguma coisa qui você aprendi ali no colégio ali, si você fô
306. falá pra pessoa, cê num vai sabê falá - E o que é falar certo pra você? – Fala corretamenti - Em que
307. sentido que é o correto? – Cê vai falá, por exempro, você, você vai daí é como, mó dizê, se vai falá
308. você, você fala certo, aí, a hora si iscrevê você, aí cê iscreve errado, na minha opinião né - Eu vou
309. ler duas expressões você vai me escolher qual a mais bonita tá ‘Nós trabalhamos hoje com bolsões
310. de couro’ ou ‘nóis trabaia hoje com borsão de couro’?– Ah, a primera qui você falô – Por quê? - Isto
311. tá falando corretamenti - O que você acha de pessoas que falam como na segunda expressão? –
312. Errado - E nas suas relações, há mais pessoas que falam como na primeira ou na segunda forma? –
313. Na segunda forma – Por que acha que eles falam assim? – Eles fala, eles troca palavra. Na minha
314. opinião, acho qui eles não aprendeu falá corretamenti – Em alguma ocasião você se preocupa com
315. sua forma de falar? – Às vezes, sim – Em que ocasião? – Numa intrevista, agora mesmo, tô, nossa tô
316. tremendo! –Você fala gíria? – Nossa, um poco - E tem algum momento em que você se preocupa em
317. não falar? – Perto di pessoa qui não conheço, mais ou menos - Vamos supor que esteja num
318. seminário da escola. Como você age quando está apresentando um seminário? – Nervosa - Daí você
319. tenta falar... - Fazê uma coisa bem feita – Você me descreve o que está vendo nessas fotos aqui? – A
320. professora pediu, acho, pro aluno fazê uma conta pra ela, eu acho – E nesta? – Uns santos, dentro
321. da igreja – E o que vê aqui? – Ah, praia, diversão, os amigos alegres – Agora você vai ler esse
322. trechinho em voz alta pra mim, por favor? – Ave Maria! Pera aí, dexa eu coisá aqui primero (lendo
323. silenciosamente durante quase dois minutos) – Você pode ler agora? – Calma aí - Você pode ler só
324. até o primeiro ponto final, ok? – Sim, Pois aqui história de uma mulher amiga e unidas como carne e
325. unha (leitura precária) – Você pode resumir o que leu? – Qué dizê qui elas são amiga, como carni i
326. unha Será qui é pra contá uma história mais ou menos como ela é, se dá com as amiga dela? – Pode
327. ser. Agora você vai ler esse daí pra mim, pelo menos duas linhas em voz alta? - A polícia do cento e
328. noventa atendeu o telefone e foi a toda ao pedido de socorro por favor socorro mantém alguém
329. mantém alguém urgenti entrou um bicho (o qui qui é)- Terrível - terrível aqui em casa, a princi
330. etano e pediu e pergunto ah... é pediu a pergunta, acho qui é - Estranha o pedido e pergunta - o
331. bicho perigoso, um animal selvagem, um cão não entendi essa palavra - pitbull - pitbull Não um
332. gato, mais como assim um gato em casa um gato pô, ele vade invadiu minha casa estava
333. caminhando em minha direção, socorro, socorro, mais mais isso é redículo, passando trote para a
334. polícia identifiqui-se já quem está falando aí é o papagaio - Você pode repetir o que leu, com suas
335. palavras? – Qué dizê, assim, qui ele quiria passá um troti, era isso, pa vê si eles caia, pra ir lá pa vê
336. a ocorrência né, aí, na minha opinião, ah eu acho assim qui ele quiria sê uma pessoa pa no… uma
337. pessoa pa, pa sê acudida – Tem um dia que você considera o dia mais feliz da sua vida? – Quando
338. tava reunido minha família - Pode me contar um pouquinho mais? – Ah quando a família reunida
339. ah, é alegria, um num tem disaforo cum ninguém, ninguém pisa im você, você tá coa sua família,
340. traiz felicidadi - E tem um dia que você considera como o dia mais triste da sua vida até agora? –
341. Tem - Você pode me falar um pouquinho? – Quando está longe da minha mãe – Qual sentimento
342. isso te traz? – Ah, a distância né, num tá ao lado dela e não podê ajudá ela – Você mora num
343. distrito, num patrimônio, você tem vontade de mudar pra cidade? – Tenho – Por quê? – Ah, na minha
344. opinião, vai sê mais bom pra mim, vai tê mais recurso. E se tivesse que falar algo aos jovens, o que
345. diria? – Qui lesse, aprendesse. Qui eles, mó dizê, cuidasse dos pai e fossi feliz, assim na minha
346. opinião - Então era isso – Desculpa no negócio qui eu ingasguei foi na palavra – Você permite que
347. eu use essas gravações no meu doutorado? - Você qui sabi. Permito, ué, mais na leitura num ficô
348. muito bom não - Obrigada.
349. INF4 - Quinze, tô no primero - Você nasceu onde? – Eu nasci im Londrina - E você mora no
350. Paiquerê? – É - Você sempre morou por ali? – Sempre – E você trabalha? – Eu trabalho no mercado
351. do meu pai, ajudano ele - E você sai daqui e já fica lá? – É, eu saio, daí tem o horário di almoço, qui
352. é até uma e meia, daí eu começo a trabalhá - E todo dia? – Todo dia - Então é uma rotina? – É isso,
353. é todo dia, aí eles me dão uma folga na semana – A sua família toda mora no Paiquerê? – A maioria,
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354. sim, i tem uma tia qui mora no sítio – E você costuma ir pra Londrina? – Ahã, faço curso, faço aula
355. de música, é órgão conhece Teclado – E o que você mais gosta de fazer? – Ai, eu gosto di saí,
356. passeá, i no shopping - Você costuma ir bastante ao shopping – Sempre, costumo i uma vez por mêis,
357. duas vezes - Vai com as amigas? – Não, eu vô co meu namorado – E você sempre estudou aqui? –
358. Não, eu istudei até a oitava série no Irerê e agora eu vim pra cá essi ano - E como foi essa mudança
359. de escola? – Ah, foi difícil né, porque eu fiquei cum bastanti vergonha, eu vim pra cá, eu num
360. conhecia quasi ninguém na sala i depois lá po meio do ano eu comecei a fazê amizadi - E agora? –
361. Agora tá melhor, só no começo tinha umas meninas assim que num gostava da genti, quiria batê na
362. genti, mais aí isso si resolveu depois – E você sabe alguma coisa da história de onde você mora? –
363. Não – Aqui tinha uma festa do milho aqui né? – Tinha - Você costumava ir? – Eu ia com meus pais–
364. E você gostava, por quê? – Ah, a genti, era legal né, tinha coisa diferenti pra comê, brinquedo, eu
365. gostava di vir - E você já esteve numa situação em que correu risco de vida? – Não – Qual a
366. importância da igreja na sua vida? – Ai, bom né, porque né, a genti aprendi muita coisa boa né,
367. acompanha sua família, todo mundo da minha casa vai, só meu irmão qui não, é bem legal - E por
368. que o seu irmão não vai? – Ele num vai im igreja nenhuma, ele gosta mais di saí, bagunçá, essas
369. coisa assim, festá, daí ele num vai – Você tem quantos irmãos? – Tenho um irmão de seis e um de
370. vinti dois, vai fazê vinti dois domingo, sô a do meio - E qual é a importância da escola na sua vida? –
371. Ah, é tudo, porque eu quero fazê meu curso e precisa da iscola - E do trabalho? – Ah também é
372. bastanti, porque é dali qui sai o sustento, o qui cê vai comê, i qui cê vai vesti - E da família? –É tudo.
373. Minha família mi ajuda bastanti quando eu priciso, minha mãe, meu pai - E como é sua relação com
374. seu irmão mais velho? – Ah, é boa, a genti conversa bastanti - E você assiste à televisão? – Assisto –
375. E o que você costuma assistir? – Só novela, só, qui eu vejo – E a televisão teria alguma importância
376. na sua vida? – Não, quando dá eu assisto, quando não dá, normal - Sua religião não limita o acesso
377. à televisão? – Não, porque tem umas qui não, num deixa, né, qui assista – Sim. E qual é a pessoa
378. com a qual você mais conversa? – Meu pai - E se você fosse contar um segredo hoje, pra quem você
379. contaria? – Dependi o segredo, contaria acho qui pra minha mãe - Tem uma pessoa em quem você
380. se espelhe? – Com meu meu pai – Por quê? – Porque ele começô a istudá depois qui tava casado né,
381. daí tinha qui i pra faculdadi, dexá meu irmão i minha mãe im casa i agora ele si formô tudo, é
382. diretor lá na iscola do Irerê. Intão ele foi bem istudioso, foi bem difícil, minha mãe ajudô ele, eu
383. quiria tê a garra qui ele teve né, tê deixado meu irmão piqueno em casa – Se você ganhasse um
384. prêmio hoje, com quem você dividiria? – Co meu pai, ca minha mãe – Tem alguma pessoa da sua
385. relação que é a mais inteligenti? – Ah,num sei, meu pai, ele é bem inteligenti – Qual é a pessoa, ou as
386. pessoas, mais importantes para você hoje? – Ah, minha mãe, meu pai e meus irmão – De sábado até
387. hoje, quais foram as pessoas com as quais você mais conversou? – Com o meu pai i o meu namorado
388. – Eu vou falar alguns nomes aí você me fala se são muito importantes, importantes ou não tem
389. importância tá A família? – É muito importanti – Igreja? – Tamém – Trabalho? – Tamém – Escola?
390. – Tamém – Amigos? – É importanti tamém – Televisão? – Não – Leitura? – Aí não posso opiná,
391. mais é bom – Então você não tem o hábito de ler? – Não, li um já, piqueno, mais já – Se você fosse
392. viajar hoje, pra onde você iria? – Pra casa dos meus familiares, lá im Santa Catarina – E quem você
393. levaria com você? – Meu namorado – Por que você iria pra lá e com ele? – Por que ele nunca foi na
394. praia e daí eu quiria levá ele – Qual praia que eles moram? – Eles moram próximo da praia Barra
395. do Sul – Você pretende fazer faculdade? – Ah, mais ou menos, eu quiria fazê curso di,
396. profissionalizanti di custura e abri uma loja i vendê só ropa feminina – Não sei se você sabe, mais a
397. Epesmel oferece o curso de... – Lá tem curso di costura? – Tem, sim – É qui eu num vi, num sabia,
398. num sabia ondi tem – Bom, então teu pai tem um mercado e ainda trabalha na escola? - É - Ele se
399. formou em quê – Si formô im Pedagogia, gestão, essas coisa assim, feiz mais curso di gestão – E sua
400. mãe? – Minha mãe ela não istudô, qui ela morava no sítio, daí ela tinha qui ajudá o pai dela, ela feiz
401. até a quarta série, daí ela casô co meu pai i o meu pai ajudô ela abri um, aí num sei falá, pra ela
402. vendê ropa, agora ela é sacolera, eu acho – E ela sabe ler? – Sabi, sabi lê, sabi iscrevê, só qui ela
403. tem só até a quarta série só – E como você se relaciona com seus professores? – Ah, bem, nunca
404. briguei cum nenhum deles – Quando você era menor, seu pai e sua mãe liam pra você? – Lia, meu
405. pai lia - Você acha que alguém te influência de alguma maneira? – Ah, minha mãe, qui eu vejo ela
406. vendeno as ropa dela, eu acho legal, daí por isso qui eu quiria fazê o curso tamém – Tem algum
407. momento em que você se preocupa em falar de forma mais caprichada? – Ah, acho qui não, não –
408. Você acha que sabe falar português? – Não, eu acho qui só um básico, mais ou menos, mais
409. portuguêis mesmo, não – Por que? – Ai, sei lá, pelo qui a professora di Portuguêis fala, eu falo di
410. uma forma errada - Você acha que a língua que você fala é diferente daquela da escola? – Ah, é qui
411. a genti fala meio, mais gíria, algumas palavra errada, o portuguêis mesmo, certo, é pouco qui a
412. genti fala, acho – E o que é falar certo pra você? – Ai, num sei – Eu vou ler duas expressões e queria
413. que você me falasse qual você acha mais bonita, tá? – Tá – Nós trabalhamos hoje com bolsões de
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414. couro ou nóis trabaia hoje com borsão de couro? – Primera é mais bonita – Por quê? – Ah, mais
415. certinha – E as pessoas com as quais você convive falam mais como na primeira ou segunda
416. expressão? – Ah, na primera – E o que você pensa de pessoas que falam como na segunda? – Ai, qui,
417. sei lá, talvez num teve istudo ou é o, a cidadi ondi eles moram costuma falá assim, provavelmenti –
418. Você costuma falar gíria? – Ah não aquelas, algumas coisinha – Por favor, leia em voz alta este
419. trecho e resume depois, por favor? – Tenho, pois, aqui a história de duas mulheres amigas e unidas
420. como carne e unha, razões de simpatia e de convivência longa trouxeram essa amizade qui fazia a
421. felicidade das famílias e admiração de toda genti. Uma chamava-se Júlia e a outra Tereza. Essa
422. tinha cabelo louros e claro, aquela tinha os castanho, tinha-os castanhos e era morena – O que você
423. leu? – Ai, qui as mulheres qui eram muito amiga, tinha amizadi i qui fazia a felicidadi da família –
424. Agora vou pedir para você ler esse aqui também? – O policial do cento e noven.. do um nove zero,
425. cento e noventa, não sei, atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro, por favor socorro
426. mande alguém urgenti, entrou um bicho terrível aqui em casa, o policial estranha o pedido e
427. pergunta: Bicho perigoso, um animal selvagem, um cão Pitbull Não um gato. Mais como assim um
428. gato em casa Um gato pô, ele invadiu a minha casa e está caminhando em minha direção, socoorro.
429. Mais isso é ridículo, passando trote para a polícia, identifiqui-se já, quem está falando aí Aqui é o
430. papagaio, ímbecil! – O que você leu? – Qui um papagaio ligô pro policial pedindo pa vir ajudá ele,
431. qui um gato quiria pegá ele – Me diga o que vê neste figura? – Ai, criança bem feliz istudano, é
432. difícil vê crianças istudano, prestano atenção, hoji im dia ninguém qué sabê di istudá – E essa? –
433. Essa aí tamém pareci uma família feliz na praia – E essa, por último? – Lembra di Deus né – Tem
434. um dia qui você considera que foi o dia mais feliz da sua vida? – Dexo vê si eu lembro... ah, foi
435. quando a minha irmãzinha nasceu – Você pode me contar um pouquinho como foi? – Qui no
436. começo eu num quiria, qui eu tinha ciúme dela né, quando eu vi ela tão bunitinha, piquinininha, daí
437. eu gostei dela, daí eu fui lá vê no hospital, levamos flor pra ela, daí tem uma irmãzinha pra alegrá a
438. casa – E um dia triste? – Ah foi quando meu tio, meu primo morreu – Você pode falar como foi? – É
439. qui eles têm um tumor na cabeça, a família dele tem, a maioria tem, daí ele ficô internado um
440. tempão, ele voltô pa casa, ele não quiria fazê a cirurgia, ele feiz daí ele num aguentô i morreu – Se
441. você pudesse dizer alguma coisa para todos os jovens, o que diria? – Pa istudá bastanti, pra tê um
442. futuro melhor e i na igreja porque sem Deus ninguém é nada – Terminamos aqui.
443. INF5 – eu tenho dessezeis, tô no segundo - Onde você nasceu? – Nasci em Londrina - E você sempre
444. morou aqui em Paiquerê? – Não, eu moro perto do Serrinha, no sítio, toda vida morei - E você
445. trabalha? – Não - Toda sua família mora lá no sítio? – Mora - E você costuma ir pra Londrina? –
446. Uhum - Em que ocasiões? – Ai, precisano comprá alguma coisa, vai nessa, assim, precisano di
447. alguma coisa, sempre vô - E o qui você mais gosta de fazer? – Mais gosto di fazê, hum deixa... ah, eu
448. gosto di ouvi música – De que tipo de música você gosta? – Sertanejo, as música romântica assim eu
449. gosto – E você sempre estudou nesse colégio? – Uhum - Sabe alguma coisa sobre a história de
450. Paiquerê? – Não – Aqui tinha a festa do milho né? – Uhum - Você já veio? – Não, não - Nunca teve
451. curiosidade? – Ah, já tive vontadi, mais o dia qui era pra mim vim, num deu pra mim vim - Você já
452. esteve em alguma situação em que correu perigo de vida? – Não - Ficou doente? – Doenti assim, só
453. quando era piquena - Qual foi o dia mais feliz da sua vida? – Vixi, o dia mais feliz Acho qui ainda
454. num tive, não – E um dia muito triste? – Um dia muito triste. Quando minha vó morreu, eu gostava
455. muito dela, a genti conversava bastanti, eu pentiava os cabelo dela e ela dormia, era tão gostoso –
456. Qual a pessoa com quem você mais conversa? – Quem mais eu converso Além da minha mãe assim,
457. tem a minha irmã e os amigos todos, mais converso assim - E se fosse contar um segredo, pra quem
458. contaria? – Pra minha amiga, a Grabrielle, é, aí depois ela vai vim aqui - Não pra sua mãe, nem pra
459. sua irmã, primeiro pra ela? – É, dependi, do segredo né sempre conta pra amiga primero - Tem
460. alguma pessoa na qual você se espelhe? – Mi ispelhar é ser igual Não, assim, no lado bom? – Sim,
461. de seguir os passos de alguma forma. - Acho qui não, num sei... - E se você ganhasse um prêmio
462. hoje, com quem o dividiria? – Dexo vê, co a minha mãe, ca minha irmã, cas minhas amiga, co meu
463. vô, ca minha vó, acho qui só - Desculpe-me a intromissão, você convive com seu pai? – Não, eu num
464. moro com meu pai, mais eu tenho, só não tenho muito convívio não - Tem algum momento em que
465. você se preocupa em falar mais caprichadamente? – Mais caprichadamenti Quando a genti
466. conversa, dependi da pessoa assim tem qui conversá mais certo – E há alguma pessoa com a qual
467. você se preocupa em falar assim? – Ah, qui, mais com a mãe da genti mesmo tem qui conversá mais
468. certo - Você acha que alguém te influência de alguma maneira? – Não mi influencia, não, muitou
469. difícil,num võ muito pelos otro - Você sabe falar português? – Acho qui sim - Por quê? – Num sei,
470. tipo assim, portuguêis qui a genti, assim, aprendi na iscola quando a genti fala normal Ah, eu acho
471. qui eu sei sim, mais ou menos, alguma coisa erra ali, mais acho qui eu sei, sim - Você acha que a
472. língua que você fala é diferente da língua que você aprende na escola? – Algumas, sim, dependi, qui
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473. a genti fala é diferenti qui a genti vê na iscola, são portuguêis mais corretamenti, ai fica diferenti –
474. O que seria falar corretamente pra você? – Ah, num errá no qui fala, ah sei lá - Qual expressão você
475. acha mais bonita: Nós trabalhamos hoje com bolsões de couro ou Nóis trabaia hoje com borsão de
476. couro? - A primera – Por quê? – Qui tá mais certa, a otra “nóis trabaia” alguma coisa assim, meio
477. caipira - O que você pensa das pessoas que falam como na primeira expressão? – Hum, bunito, fala
478. muito certinho - E na segunda? – Hum, errado né, sei lá, tem pessoa qui aprendi assim né, fala do
479. jeito qui aprendi, i im casa, a genti fala di qualqué jeito, já na iscola não, eles fala mais
480. corretamenti – Então, a primeira seria uma fala da escola e, a segunda, a fala da casa de algumas
481. pessoas? - Isso - Você fala gíria – Muito poco, num gosto muito - Qual é a importância da igreja na
482. sua vida? – Ah, eu gosto di i pra igreja, eu amo – Qual sua religião? – Evangélica - Vai sempre à
483. igreja? - Di veiz im quando, porque a igreja é longi i nóis num, a genti num tem carro - Você já
484. mudou alguma coisa na sua vida por causa da igreja? – Não, dependeno do qui fô, acho qui mudaria
485. sim - E a forma de falar, você mudaria por causa da igreja? – Modo di falá Acho qui si falá um monti
486. di palavrão o um monti di gíria, acho qui sim - Qual é a importância da escola na sua vida? – Ah, a
487. importância qui pa tê um futuro né, si a genti num istudá, acho qui é muito importanti - E qual a
488. importância da televisão na sua vida? – Oia, importanti ela num é, mais sempre assisto teve, é di
489. distração, num tem nada pra fazê, eu gosto di assisti teve - Você deixou ou deixaria de fazer alguma
490. coisa por causa de um programa de teve? – Se eu já dexei Ah, pára um pouco o serviço di limpá a
491. casa pra assisti alguma coisa - Vamos supor que você tem qui ir numa festa e é o ultimo capítulo da
492. novela, o quevocê faz? – Nossa dependi, aí dependi, se eu gostá muito da novela, eu posso deixá di i
493. na festa, mais dependi, tem hora qui nem tanto pa novela - Qual é pessoa, das suas relações, que
494. você acha mais inteligenti? – Inteligenti, ai meu Deus do céu, inteligenti, tipo assim mais inteligenti,
495. sabê as coisa ou dá conselho pa genti, como assim - Qualquer um? – Ah, eu gosto muito da amiga
496. Ellen, quando ela vai falá assim, ela fala bem né – Qual é a pessoa mais importante na sua vida? –
497. Ah é mais di um, a minha mãe, meu vô i minha vó - De sábado até hoje, quais foram as pessoas com
498. as quais você mais conversou? – Minha mãe, dexo vê, a minha amiga Gabrielle, o meu amigo João
499. Paulo, o Nicollas, também meu amigo qui eu mais conversei assim, i eu acho qui a i a esposa do
500. meu tio qui eu conversei bastanti i acho qui só, nem lembro mais – Eu vou falar algumas entidades e
501. você fala se são muito importantes, importantes ou não importantes na sua vida. Família? – Muito
502. importanti – Igreja? – Muito importanti – Trabalho? – Importanti – A escola? – Muito importanti –
503. Amigos? – Muito importanti – Televisão? – Não, não é importanti – Leitura? – Importanti – Você
504. lê? – Revista, assim, só a Capricho qui eu assino, sabi - Se fosse viajar hoje, pra onde você iria e
505. quem levaria com você? – Pra ondi dexo eu vê… ai sei lá, acho qui po Nordeste, qui eu já vi tem
506. lugares lá bem bonito assim com uns rio bem, eu ia pra lá pra um lugar de lá. Vixi, levaria tanta
507. genti, ah, levaria acho meus amigos, minha mãe, acho qui só. Eu gosto muito deles – Você pretende
508. fazer faculdade? – Pretendo, ah eu tenho dúvida ainda num sei si eu faço medicina, si eu faço
509. ingenharia civil, ainda num sei, tô pensano - Qual a profissão ou trabalho da sua mãe? – Minha mãe
510. é impregada doméstica – No sítio? – Não, ela vai pra Londrina, ela trabalha im Londrina – As
511. pessoas para as quais ela trabalha, você sabe o qui elas são, o qui eles fazem? – São médicos, eu acho
512. qui eles são ocologistas – Então todos os dias ela vai pra Londrina e volta ali pro Serrinha? – Todo
513. dia, isso di segunda a sexta – A sua mãe tem estudo? – A minha mãe tem, ela terminô tudo, feiz até o
514. tercero – E ela costuma ler? – Lê muito a Bíblia, lê dimais, ela lê bastanti – E você lembra de
515. quando você era pequena se ela lia ou contava historinha? – Ah, minha mãe lia algumas coisa, mais
516. não toda a noiti assim, a genti pedia assim ela (inaudível) - Qual o seu relacionamento com os
517. professores? – Acho qui bom, sei lá, alguns a genti tem mais intimidadi, outros menos, Altair, gosto
518. muito do Altair – E você faz algum curso fora? – Não – Leia esse trecho em voz alta? – Tenho pois
519. aqui a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e unha razões de simpatia e de
520. convivência longa trouxeram essa amizade qui fazia a felicidade das famílias e a admiração de toda
521. a genti uma chamava-se Júlia e a outra Teresa esta tinha cabelos loiros e era clara aquela tinha os
522. castanhos e era morena eram essas as diferenças no mais igualmente belas e igualmente vestidas –
523. Obrigada, pode resumir? – Misericórdia! Nem lembro mais, ah tinha duas amiga qui era carne i
524. unha, uma era loira, a outra tinha os cabelos castanhos, ah, nem lembro mais – O que você vê nessa
525. figura? – Um menino escreveno no quadro alguma coisa, fazeno alguma atividadi qui a professora
526. mandô, escreveno – E essa aqui? – Hum, num sei si é anjo, ah, são vários anjos, num dá para
527. diferenciá muito, acho qui essi aqui daqui a pouco devi se algum apóstolo, sei lá, essi tem no céu,
528. não sei – E agora sobre essa daqui? – Ah, na praia, os amigos se divertino, jogano bola – Leia mais
529. esse trecho? – Até ondi – Tudo – Tudo. O policial do cento e noventa atendeu o telefone e foi
530. anotando o pedido de socorro por favor socorro mande alguém urgenti entrou um bicho terrível
531. aqui em casa o policial estranha o pedido e pergunta Bicho perigoso, um animal selvagem, um cão
532. Pitbull Não um gato, mais como assim um gato em casa, um gato pô ele invadiu a minha casa e está
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533. encaminhado encaminhando caminhando em minha direção socorro mais isso e ridículo passando
534. trote pra polícia identifiqui-se já quem está falando aí É o papagaio, imbecil! – Ai, meu Deus do
535. céu! - Você é capaz de recontar essa piada pra mim agora? – Qui tinha um ho..., um policial né,
536. atendeu o telefonema e tinha uma pessoa falano, pedino socorro, aí ele perguntô o qui qui
537. acontecia, aí ele, assim, qui tinha um gato na casa dele, mais ele falou ‘ué, mais um gato’ tipo fossi
538. assim um pitbull, o um outro tipo di bicho né, aí pediu socorro aí, vixi, Jesuis, ai o policial falô
539. assim ‘mais um gato não é perigoso né’ aí ele falou assim ‘ele tá vino na minha direção qui num sei
540. o quê’ aí ele falou assim ‘mais passano troti aí, quem tá falano, se identifiqui’ né aí o homi, homi
541. fala ‘é um papagaio’ ah, sei lá, difícil di contá – Se você tivesse que falar alguma coisa pros jovens,
542. o que diria? - Vixi, o qui eu dizia pros jovem Hum, o qui eu... qui eles leia Istudi mais, ah, sei lá. –
543. Obrigada.
544. INF6 - eu tenho dezoito anos i eu tô no tercero ano do ensino médio – Onde você nasceu? –
545. Londrina – Você mora aqui no Paiquerê? – Aham – Sempre morou aqui? – Não, eu morei im
546. Londrina um tempo, aí depois eu morei no Irerê, depois eu voltei pra Londrina e daí eu casei e vim
547. pra cá – E em Londrina você morava onde? – Eu morava no São Lourenço, co meu pai – E você
548. estudou lá? – Eu istudava no Sesi, eu era bolsista – Faz tempo que você se casou? – Faz três ou
549. quatro anos, eu não mi recordo – Casou nova, então? – É, acho qui já tinha 15, é, é, intão já, faiz
550. trêis anos – E a sua família mora aqui? – A minha mãe mora no Irerê e meu pai continua im
551. Londrina – Você tem filhos? – Tenho, tem nossa minina di dois anos i meio – E você costuma ir para
552. Londrina? – Todo dia, eu trabalho – Você trabalha em qual empresa? – Agora eu tô trabalhano na
553. Contax, empresas di callcenter, eu sou representanti di atendimentos – E o que você mais gosta de
554. fazer? – Dormi, Ah porq... não, dormi é o qui eu ando precisando fazê, mais o qui eu gosto di fazê,
555. eu gosto de i na igreja, gosto di brincá coa minha filha, gosto di passeá, mais dormi é qui eu ando
556. mais fazeno qui eu ano bastanti cansada – Por que você anda cansada? – Ah, porque qui eu tô
557. acordano muito cedo pra trabalhá e chego muito tardi, qui eu venho pra iscola, aí eu só tenho o
558. final di semana – E sua filha fica com quem? – Ela fica na escolinha cedo e com meu esposo à noiti
559. – E você sabe alguma coisa da história aqui de Paiquerê? – Num faço a mínima idéia – Você
560. costumava participar na festa do milho? – Todas – E por que você vinha na festa? – Ah, porque era
561. gostoso, a genti si reunia, bastanti amigos, era aondi a genti vinha qui vinha bastanti, qui, assim,
562. muita genti não conhece Paiquerê, aí cê fala ‘ah era lá ondi tinha a festa do milho’, aí você já ‘ah
563. agora eu sei’, ah sei lá, aí a genti via bastanti genti diferenti, ai enchia bastanti, daí eu gostava, era
564. gostoso, se divertia – Sabe por que acabou a festa? – Acho qui porque u prefeito cortô o, a, verba po
565. negócio da cultura, daí num tevi mais porque daí num tinha caixa pa fazê a festa, é mais provável
566. qui seja isso – Você já esteve numa situação em que correu risco de vida? – Ah, quando eu fui ganhá
567. minha filha, quando eu tava grávida dela – Teve complicações – Porque eu tenho traumotespenia
568. hereditário tipo (inaudível) aí eu não tenho a coagulação do sangue, aí eu tive bastanti começo di
569. aborto, aí foi bastanti difícil segurá até o final, foi bem complicado – Algum momento na sua
570. vivência você se preocupa em falar assim mais caprichadamente? – No trabalho, porque eu trabalho
571. bastanti na voz né, aí às vezes tem mais cuidado co vocabulário, é sei lá, a genti procura, sabi,
572. dentro do ônibus acho qui ninguém tem obrigação de ficá escutano a conversa da genti, assim, não
573. a conversa, escutá todo mundo escuta, mais palavriado, falá, tá falando certo, lugar público – E
574. alguma pessoa com a qual você se preocupa mais em falar caprichadamente assim? – Coa minha
575. filha, pra ela aprendê a falá certo – Você vai à igreja? – Eu vô – Qual é a importância da igreja na
576. sua vida? – Ah, é tudo né, lei espiritual, tudo, a genti, i a hora qui a genti busca esforço, busca força
577. pra genti aguentá o baqui do dia a dia – E você tá levando a sua filha? – Eu levo – e o seu marido
578. também vai? – Não, ele vai na igreja católica – Então vocês se dividiram? – É, sempre foi, desdo
579. começo, não, mais quando eu posso eu visito a igreja dele também, porque eu acho qui Cristo não si
580. dividi no meio, Cristo é um só i ele tá nos dois lugar, não importa o lugar intão – E qual a
581. importância da escola na sua vida? – Ah, num tem nem palavras né, qui através dela qui a genti tá
582. buscano, tá escreveno nosso capítulo daqui pra frenti, nossa história, sem ela, adiciona o fracasso lá
583. na frenti qui não tem nem tamanho! – E você assiste à televisão? – Assisto novela, filme, desenho
584. dimais qui já tá, ondi você vai, pareci qui tá escutano o desenho lá do fundo do ouvido (risos) – E
585. qual é a importância da televisão no seu dia a dia? – Nenhuma, o qui, naquilo lá tanto faz tanto feiz,
586. si ela tivé lá ou não, minha vida segue pa frenti, nem si é boa si ruim, acho qui é mais importanti
587. assisti jornal qui daí a genti vê bastanti informação – Você tem um sotaque um pouco diferente, as
588. pessoas com as quais você convive são mineiros, nordestinos? – E por causa do serviço, porque eu
589. só atendo é Minas Gerais, Bahia, aí é meio espontâneo, pareci qui num sei, peguei – E qual é a
590. importância do trabalho na sua vida? – É necessidadi – Então, você trabalha por necessidade,
591. digamos assim, não é uma opção? – É uma opção tamém, mais eu tenho qui crescê
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592. profissionalmenti, mais é muito chato, mais si eu pudesse mi dedicá mais o meu tempo pra mim
593. cuidá da minha filha, eu dedicava, mais por enquanto num dá – Com quem você mais conversa? –
594. Ca minha vizinha, ah acho qui é porque com ela qui eu consigo me abri mais, fazê mais, acho qui eu
595. tenho mais confiança, qui a minha mãe não tem tanto assim não, com meu esposo tamém não, intão
596. assim – Se você fosse contar um segredo hoje, para quem você contaria? – Pra ela – Tem alguma
597. pessoa entre as que você se relaciona, que você acha mais inteligente? – Hum, qui eu me relaciono –
598. É, do seu convívio – Todo dia Eu acho qui minha, minha supervisora, porque ela é muito, nossa ela
599. é gênio dimais, ela é tipo, minha orientadora sabi, si tem algum problema no meu atendimento, daí
600. ela vai pergunta ‘cê tá bem, o qui qui tá aconteceno, cê qué desabafa’, aí ela, ela fala si a genti tem
601. dúvida, assim, di alguma palavra qui a genti num sabi, qui qui é dalguma coisa, a genti pergunta
602. pra ela, já tem na pon’da língua – Você sabe a formação dela? – Ela é secretária executiva, tem a
603. formação di secretária executiva, mais ela é supervisora di atendimento – Qual é a pessoa mais
604. importante hoje na sua vida? – Minha filha – E para o seu desenvolvimento como pessoa? - As
605. professora, ai, menina minha mãe tamem faz tudo pra mim, meu pai, os professores assim qui mais
606. acho qui ti apoiam a genti bastanti a segui em frenti – De sábado até hoje, qual foi a pessoa com a
607. qual você mais conversou? – Ai, acho qui foi ca minha cabeça mesmo (risos), mais qui eu mais
608. conversei assim foi meu isposo, todo dia, onti feriado, final di semana – O que ele faz? – Ele é
609. gerenti di compras, na seguradora – Trabalha em Londrina também? – Aham – E qual é a formação
610. dele? – Ele tá fazeno o quarto ano, útimo, esse ano ele termina Admistração na Unopar, ele faiz a
611. distância, toda a quarta-fera – Vou falar algumas entidades e eu quero qui você fale se é importante,
612. muito importante ou não tem importância, tudo bem? – Família? – Muito importanti – Igreja? –
613. Muito importanti – Trabalho? – Necessidadi – Escola? – Importanti – Amigos? – import... razoável,
614. dimais podi, podi dá problema – Televisão? – Nenhuma, dependi pra que qui ela é utilizada né, se fô
615. pra assisti um jornal, é bem importanti, agora si fô pra ficá assistino televisão desengual quem tem
616. costumi, não tem importância nenhuma – E a Leitura? – Ai, é bom, mais eu morro di priguiça –
617. Você não tem costume, então, de ler? – Não, nenhuma, num tenho mesmo, odeio lê, num gosto, é
618. chato e só servi pa dá sono – Se você viajasse hoje, para onde você iria? – Ai, eu ia sumi, num sei ia
619. quere i pum lugar bem longi, eu quiria pa Fortaleza, lá pa Porto di Galinhas ondi tudo funciona
620. mais divagar – E levaria quem? – Levaria minha filha, minha vizinha, a minha mãe, meu marido, a
621. minha tia Maria e minha tia Ana – Essa sua vizinha, quantos anos tem? – Ela tem trinta e treis – O
622. que ela faz? – Ela é dona di casa – Você sabe se ela estudou? – Não, ela num tem formação, ela tem,
623. acho qui ela parô na quinta série, ela sabi iscrevê o básico, lê acho qui ela sabi meio, meio pur cima
624. – E você pretende fazer uma faculdade? – Preteno, Gestão de recursos humanos – A distância
625. também? – É mais provável – Por que você escolheu esse curso? – Ai, é porque eu faço um curso
626. profissionalizanti, gestão empresarial, dividido im quatro módulos, o marketing, impreendedorismo,
627. recursos humanos e finanças, i o recursos humanos foi o qui eu mi identifiquei bastanti,qui eu fiz,
628. por que eu não suporto sangui, num gosto di mexê cos oto, intão lá eu vô tá quétinha cos meus
629. papel, ca minhas conta – O que seus pais fazem? – O meu pai ele é mestre di obra e a minha mãe é
630. diarista – E eles têm estudo? – A minha mãe tem o segundo grau completo e meu pai tem curso
631. técnico. A minha mãe, ela, acho qui ela tem, num sei do que, mexi c’assistência social, ela trabalhô
632. um tempo pra prefeitura, negócio di assistência social, aí deu um rolo lá, ela saiu, ‘meteu no pau’ e
633. agora ela tá di diarista – E você lembra se a sua mãe lia para você quando era pequena? – Lia – E
634. contava também? – Ela contava, se abusá, ela compra livro até hoje pra mim, mais fica lá juntano
635. poera, porque eu num leio. Ela tentô - Você se relaciona bem com essa sua supervisora, com os seus
636. superiores? – Uhum, escuto assim, si eu tô bem, eles pergunta ‘hoje cê tá alegre dimais’, daí, se eu
637. tô passando bem, se eu não tô passando bem, ela ela já chama no canto, ‘o que qui aconteceu, qué
638. conta pra mim’, aí já, aí ela já faiz umas brincadera, já dá um ‘up’, aí já trabalho bem o dia intero –
639. E como é seu relacionamento com os seus professores? – Hum, dependi com quais, têm uns qui a
640. genti si dá melhor e os outros a genti, o santo não bati, daí não forçá, procuro num forçá muito a
641. barra, si não dá briga – Você acha que alguém te influência de alguma maneira? – Ai, meu marido,
642. ele pega bastanti nu meu pé, ‘vamo istudá’, qui acho si não fossi por causo dele tamém eu já tinha
643. parado di istudá, ele fala ‘aí vamo pra iscola, vamo pra iscola. Vai querê vai querê limpá patenti’ aí
644. eu falo ‘não!’ - Você fala gíria? – Eu falo um poco – Você sabe falar português? – Hum, mais ou
645. menos, o básico – Por quê? – Ah, porque eu sô péssima im portuguêis di todas as maneras, tanto na
646. gramática, tanto na interpretação di texto, im tudo, eu acho qui eu num sei falá, eu acho qui a genti
647. tem muito, como posso dizê, vício de linguagem, a genti só sabi falá dessi jeito, pronto cabô – Você
648. acha isso mesmo, que não é possível “aprender” a usar a língua de outra forma? – Acho. A genti
649. istuda, istuda, istuda e continua sempre igual, sempre... - Você acha que a língua que você fala é
650. diferente da que você aprende na escola? – É, porque a língua qui a genti aprendi na iscola é coisa
651. pra loco, Deus mi livre! – Então, você não seria capaz, não alcançaria essa língua? – Ah, não, ia
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652. demorá bem heim, só cumas lavagi cerebral! – Você não lê?. A leitura é uma forma de conseguir
653. isso. – Afe, intão morri dessi jeito, sem falá certo nunca. - E o que é falar certo para você? – Falá
654. corretamenti, dentro dessa língua da iscola, num falá palavrão, num falá gíria, ah, é bem isso – Eu
655. vou ler duas frases e você me diz qual é mais bonita. “Nós trabalhamos hoje com bolsões de couro
656. ou nóis trabaia hoje com borsão de couro? – Nós trabalhamos hoje com bolsões de couro – Por quê?
657. – Ah, nóis trabaia é muito feio porque é o jeito caipirão – O que você pensa de pessoas que falam
658. caipira? – Ah, eu acho qui por falta di oportunidadi di aprendê, num teve oportunidadi, não julgo
659. muito não, porque eu tamém num falo perfeito – E o que você pensa de pessoas que falam como na
660. primeira fala? – Ah, eu adimiro, eu dô nota deiz, porque eu num consigo – Você fala bem – Todo dia
661. eu trabalho ca voz intão já tô até... – Eu vou pedir pra você ler isso aqui e me contar o que você leu,
662. tudo bem? – Ai, lê!... Lê eu leio bem, mais eu sô péssima nessi negócio di intendê i interpretá – É só
663. você me contar mesmo, resumir, certo? – Tenho pois aqui a história de duas mulheres amigas e
664. unidas como carne e unha, razões de simpatia e de convivência longa trouxeram esta amizade, qui
665. fazia as felicidade das famílias e admiração de toda genti, uma chamava-se Júlia e a outra Tereza
666. esta tinha cabelos louros e era clara, aquela tinha-os castanhos e era morena – O que você leu? –
667. Ah, elas era, duas amigas qui era carne i unha, uma era morena a outra era loira e a felicidadi
668. delas, ai... – Está ótimo! E o que você está vendo aqui? – Amigos jogano bola na praia, um dia di sol
669. lindo maravilhoso, qui eu quiria tá lá! – Isso te traz que tipo de sentimento? – Di alegria, di di
670. euforia, di ansiedadi, vontadi tá lá! – E aqui, o que você vê? – Monti de aluno istudano – E que tipo
671. de sentimento te passa? – Ai, di tristeza, di brigação – você tá no terceiro ano? – aham, vontadi di
672. sumi logo da iscola, num vai – E aqui? – Num gosto, ah, pra, dependendo da religião num é, num
673. gosto di santo, num gosto di imagem, não gosto di idolatria – E que tipo de sentimento isso aqui te
674. traz? – Disprezo – Vou pedir para você ler mais uma vez tudo bem? – Uhum – mesmo esquema você
675. lê e me conta o que você leu? – O policial do um nove zero atendeu o telefone e foi anotando o
676. pedido de socorro, por favor socorro mandem alguém urgenti, entrou um bicho terrível aqui em
677. casa, o policial estranha o pedido e pergunta, um bicho perigoso, um animal selvagem, um cão
678. pitbull Não um gato! Mais como assim um gato em casa Um gato pô, invadiu minha casa e está
679. caminhando em minha direção socorrrro, mais isso é ridículo passando trote pra polícia,
680. identifiqui-se já quem está falando aí Aqui é o papagaio imbecil! – O que você leu aqui? – Ah, qui
681. alguém tava passando troti na polícia, só qui eu não entendi essi ‘identifiqui-se já quem está falando
682. aí é o papagaio imbecil’, entendiiii, era o papagaio qui tava ligano lá, porque o gato ia quiria pegá
683. o papagaio, entendi! – É isso mesmo, tem algum dia que você considera que foi o dia mais feliz da
684. sua vida? – O dia qui a minha filha nasceu – Você pode me contar um pouquinho desse dia? – Um
685. dia qui tinha tudo pa dá errado, mais deu tudo certo – Por causa daquelas coisas qui você já me
686. falou né? – Aham, aí foi perfeito, deu tudo certinho, tudo encaixou certinho e ela nasceu no H.U. – E
687. tem um dia triste? – Até agora, dum tempo pra cá, o sentimento qui mais doeu foi a morti do
688. professor, nossa mais dói ainda bastanti, num sei por que, acho qui é porque eu ainda num perdi
689. nunca ninguém muito próximo da minha família sabi, nunca perdi vó, vô assim qui eu mi lembri,
690. quando eu era piquena, mais já passou essi sentimento, mais igual mãe e pai sabi, i ele era uma
691. pessoa qui tava muito próximo da genti, qui tinha ali, aquele, tudo mundo, qui era tudo pra genti
692. sabi, faiz parti di qualquer um da iscola, aí, quando ele faleceu doeu dimais , nossa eu fiquei um
693. monti di tempo sem conseguí dormí, tive qui i na igreja pedí oração porque tava ‘foda’ – Eu senti
694. também – Intão, eu tava, eu tava teno aula cum ele deisde qui ano... desdo do pri... do finalzinho do
695. primero ano até hoje, faz quatro anos, qui eu repeti o tercero, qui tava junto cum ele, direto, direto
696. ele brincava, ele chamava, ele chamava minha filha de norinha, falava qui minha filha, qui o filho
697. dele ia passá o rodo na minha filha, daí sabi, foi muito ‘foda’ – É! E se você fosse falar alguma
698. coisa para todos os jovens, o que diria? – Qui corressem atráis dos seus sonho, sempre. Ok
699. INF7 - tem qui sê compreto? – Não – minha idade é dizoito e eu tô no primero ano – Onde você
700. nasceu? – Ortiguera – E por que você veio pra cá? – Causo dos meus pai né, veio mudano como a
701. genti era do sítio né, aí meu pai vivia mudano di sítio im sítio, fazenda im fazenda até hoje, até
702. aposentá né aí, aí eu também casei e vim pra cá né – Você ficou um tempo sem estudar, não é? –
703. Isso resolvi, depois di um tempo, daí deu uma chance eu voltei né, qui eu parei pra trabalhá né, aí
704. hoje eu preciso do istudo pra trabalhá di novo né, intão, senão não tinha parado, mais aí resolvi
705. voltá, deu certo di voltá né – Você mora aqui no Paiquerê? – Moro aqui no Paiquerê – E sua família
706. mora toda por aqui? – Mora toda por aqui, assim meu pai, minha mãe mora em Guaravera e alguns
707. irmão também mora em Guaravera, aí eu moro aqui, meu marido né qui é daqui, i tem minha irmã
708. tamém qui mora aqui – E você tem filhos? – Tenho. Tem uma menina – Você costuma ir para
709. Londrina? – Costumo – Em que ocasiões? – Tô, ah, na maioria das vezes quando sai o meu
710. pagamento né, qui eu trabalho, aí eu vou pagá as conta, compra alguma coisa, na maioria das vezes
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711. nas minhas folga – E pra diversão? – Ah, é raro heim, di veiz im quando, assim, qui daí às veiz
712. sobra um dinhero aí eu levo a minha filha no cinema, no shopping, daí né – Mas não é costume? –
713. Não, vô mais pra casa dos meus pais, final di semana – O que você mais gosta de fazer? – No meu
714. dia a dia Ah eu gosto, quando eu tô em casa, eu gosto di fazê bolo, pudim, essas coisa é qui eu gosto
715. di fazê, mais final di semana, assim eu gosto di i pra casa di meus pais – Você sempre estudou aqui
716. nesse colégio? – Não, não já istudei em otros colégio, aqui mesmo eu só tô istudano quando eu
717. voltei a istudá né, aí mais eu já istudava im outros, já istudei im Londrina, istudei im Guaravera
718. também e otros lugares também daí deis di quando começô né – Você sabe alguma coisa da história
719. daqui do distrito? – Do distrito Ai não muito, poquinha coisa – Aqui tinha uma festa do milho né? –
720. Tinha, num vai tê mais – E você chegou a participar? – Já – O que você achava? – Ah, achava
721. gostoso, assim é um, como é qui fala, uma, uma festa qui, porque num tem, num aconteci nada aqui
722. assim di, pra si diverti né, aí uma festa assim é bom né pra genti í ca família, cos, ca minha fia de
723. veiz im quando, mais agora num tem mais aí – Você já passou por uma situação que você correu
724. risco de vida? – Ai, eu acho qui sim, sim – Você já ficou doente de ficar em hospital? – Não, mais já
725. fiquei internada de um dia pro outro – O que aconteceu? – Quando uma, uma veiz uma cobra mi
726. picô, aí eu achava qui era muito venenosa né, mais graças a Deus num era, daí deu aquele susto né
727. ‘ah vô morrê’, porque, né, cobra né, aí o médico, daí o médico falô ‘não, seu exame não deu nada’
728. intão num era venenosa mais ou menos, intão eu acho qui é um risco né – Ah com certeza, tem
729. algum momento em que você se preocupa em falar mais caprichadamente? – Tem, momentos quando
730. eu tô com otras pessoas, um nível superior né, pessoas mais como patrões né, pessoas mais
731. istudada, e antis eu num falava muito bem certo não, mais, depois qui eu fui trabalhá im Londrina
732. eu aprendi muita coisa, aprendi a falá as coisas correta – Você acha que o trabalho te ajudou? –
733. Ajudô, falá um pouco milhor, milhor isso ajudou. Quando eu tive minha filha também, porque falava
734. errado, eu percebi qui ela tava começano a falá errado, eu falei ‘num podi’ começá a falá certo, eu
735. falava umas palavra tudo cortada né, daí ela começô a falá igualzinho, aí eu falei ‘não’, começá a
736. falá certo pra ela aprendê a não falá errado né, isso tamém, i no trabalho tamem aprendi muinta
737. coisa – Você tem religião? – Tem – De qual religião você é? – Católica – E qual a importância da
738. igreja na sua vida? – A fé, eu acho qui si a genti tem fé, a genti chega, chega em qualquer lugar qui a
739. genti quera, e eu acho qui toda a veiz qui precisei, a fé qui me ajudô, intão assim fé, mais Deus né –
740. Você já mudou alguma coisa na sua vida por causa da religião? – Não, não – Nem a maneira de
741. falar? – Ah não, acho qui não, num falo palavrão, nunca gostei, até intão, como assim deis da minha
742. adolescência, assim, pa mim num falá palavrão falava ‘cacilda’, falava ‘coitada das pessoa qui
743. chama cacilda né’, nunca gostei, é tem hora qui a genti né dá um, mais não, assim, aqueles palavrão
744. feio, xingamento, é não, já nem porque isso acho qui atrai né as coisa pra genti ruim – Qual a
745. importância da escola na sua vida? – Ah a importância é assim, di eu terminá, vê si eu consigo
746. terminá pra mim depois tá fazendo um curso, alguma coisa qui eu mi identifico né, intão é muito
747. importanti também por causo da minha fia né, eu tenho qui dá o exempro, né, num quero qui ela
748. fique atrasada igual eu tô, perdi dois ano, intão sempre eu falo pra ela ‘eu to ino na iscola, você
749. também tem que í ou você vai’ – E qual a importância do trabalho? – O trabalho, a iscola... você fala
750. no trabalho? – Não, não o seu trabalho como funcionária? – Ah, tem uma importância porque mi
751. ajuda, mi ajuda né, uma renda qui eu tenho, uma renda qui ajuda meu marido, meu marido mi
752. ajuda, intão eu acho qui a genti precisa trabaia né, é sê independenti né, intão – Qual é a pessoa
753. com a qual você mais conversa? – Qui eu mais converso Eu acho qui meu marido, cum ele – E para
754. quem você contaria seus segredos? – Ah, pra minha amiga – Como que é nome da sua amiga? – é
755. Cris – Ela mora perto? – Não, ela mora im Londrina – Então você tem contato frequente com
756. pessoas da cidade? – Tenho, todas, assim, veiz quando eu recebo né, pra falá qui eu tenho qui í pra
757. Londrina, já ligo pra ela ‘vamo almoçá’, ‘ah, vamo’ na hora, vamo da um rolé – O que ela faz? –
758. Ela trabaia, trabaia no hospital tamém, ela é assim como qui eu, falo faxinera assim, essas coisa, eu
759. também trabaiava lá, intão ficamo bem amiga – Tem alguma pessoa da sua relação que você
760. considera que é mais inteligente? – Ai, eu acho a professora Giseli, nossa ela abri a cabeça, ela abri
761. assim a cabeça, nossa como qui cabi tudo aquilo dentro daquela cabeça Qui a minha cabeça não é
762. igual a dela (risos) – E qual é a pessoa mais importante na sua vida? – A minha fia – De sábado até
763. hoje, quais foram as pessoas com as quais você mais conversou? – Meu marido, minha irmã, minha
764. fia, no serviço, coas minhas colega – Você faz o quê? – Eu trabaio no mercado – Aqui – Isso, aqui
765. mesmo – Então tem mais colegas que trabalham juntos? – Isso, juntas – E você tem um patrão Você
766. sabe a se ele tem estudo, faculdade? – Ah eu acho qui sim né, os filho dele tudo istuda no Maxi, bom
767. né, ele i minha patroa né, qui são os dono, vai, acho, creio qui eles tenha né – Se você ganhasse um
768. prêmio hoje, com quem dividiria? - Ai, qui maravilha qui fossi! Co meu marido, minha fia, a mãe e o
769. pai i i ah coa Cris, claro! - Eu vou falar algumas entidades aí você me diz se são muito importantes,
770. só importantes ou não têm importância, tá? – Aham – Família? – Muito importanti – Igreja? – Muito
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771. importanti – Trabalho? – Importanti – Escola? – Importanti, muito importanti – Amigos? –
772. Importanti – A televisão? – Ai, a televisão ah importanti por causo dos jornais só, eu nu tenho
773. muito tempo di ficá assistino não, intão – Leitura, qual é a sua relação com a leitura? – Poca heim, é
774. muito poca, quiria tê mais tempo, mais o tempo num, num ajuda – Quando lê, lê o quê? – Eu gosto di
775. lê, ai história di romance, i história assim, tipo autoajuda, qui conta uma históra assim, qui nem qui
776. eu li um livro, Quem comeu meu quejo, li também um qui eu ganhei, Memórias di um burro, ganhei
777. um livro aí depois a partir dessi livro qui eu ganhei, isso lá im Londrina, aí eu passei a gostá mais di
778. lê, ai, mais a genti ainda lê pouco né? – Sim. Se você viajasse hoje, pra onde iria e quem você
779. levaria? – Aí eu acho qui eu iria pra uma praia, levaria meu marido, minha fia só – Você pretende
780. fazer faculdade? – Ah, sinceramenti, não, mais eu incentivo muito minha fia a querê fazê, eu falo pra
781. ela ‘você vai fazê’ qui ela, piquinininha já fala qui qué sê veterinária ‘você vai fazê, qui eu vou ti
782. ajudá lá com seus bichinho.’ Ai eu faço curso ai, mais pretendê eu num pretendo não, pelo menos
783. terminá o tercero e fazê um curso – O seu marido faz o que? – Ele é agricutor, mexe cum, cum roça
784. aí co vô dele, intão eles trabaia junto – E seus pais? – Meus pais, agora eles tão aposentado, o meu
785. pai tá aposentado, mais ele, tipo assim, ele era lavrador né, na cartera tá lavrador, mais ele ainda
786. faiz uns bico né, é aposentado mais não, ele mesmo não para – O seu marido, qual é a formação
787. escolar dele? - Até o primero, eu já falei pra ele voltá, ai ela fala qui não - E seus pais, têm estudo?
788. – Meu pai não, meu pai iscreve um poquinho, mais é raro quem intendi, eu intendo né,quando eu
789. fazia lista, ia pegá a lista dele di compra n,é ele fazia, daí né eu ia passá a limpo né, daí eu ‘qui qui
790. é isso pai’, aí ‘é tal coisa’, mais ele sabi, ele fala qui só entrô na iscola pra si iscondê di chuva e
791. assiná boletim, mais sabi um poco, agora, minha mãe não, minha mãe num sabe – Então, na infância
792. ninguém lia ou contava histórias pra você? - Não, não, nunca. Eles sempre trabaiô muito, né, e num
793. lê - Como é seu relacionamento com os professores? – Ah é assim, eu converso, falo oi, oi, tchau, na
794. na sala também o relacionamento é muito bom porque, tipo eu sê casada, intão num tem qui eu ficá
795. fazendo bagunça igual os otro, aquele conversero, igual os otro adolescenti tem né, intão eu sô mais
796. reservada – Você acha que alguém te influência de alguma maneira? – Ah não, acho qui não - Você
797. acha que você sabe falar português? – Eu acho qui não - Por quê? – Porque eu falo a maioria das
798. palavras erradas, né, tudo pela metadi, a não ser quando eu tô perto di alguém assim qui tem, aí eu
799. tento falá mais certo, mai memo assim – Como assim, fala pela metade, você pode me dar um
800. exemplo? – Eu posso (risos), é igual pensá né, você fala ‘ah eu pensei’ eu falava muito ‘eu pensi’,
801. comia palavra né, eu pensi, aí até qui minha fia começô a falá errado daí eu falei’ tenho qui começá
802. a falá certo’, liquidificador eu encurtava, falava licador, intão é bem errado né, daí depois eu
803. comecei a falá certo, ai a genti começô a tê mais contato com mais pessoas, porque eu vivi a minha
804. vida intera no sítio intão, depois eu fui me, pera aí, fui vendo qui, falá mais correto né – Você acha
805. que a língua que você fala é diferente daquela que é ensinada na escola? – É, é sim – Por quê? –
806. Porque ah eu, aí num sei dizê mais, eu não sei dizê porque, é assim, acho qui a professora, ela
807. insina correto né, o qui qui a genti tem qui falá i se a genti qué aprendê, a genti aprendi, mais tem
808. palavra qui a genti deixa pulá né, aí eu me interessei mais pra lê mesmo, lê daí insina a genti
809. também falá correto né, conforme você vai leno, cê vai guardando as palavra, cê vai sabeno o
810. significado de algumas palavra, porque tem palavras qui a professora fala, agora sim, antis eu
811. ouvia e nem sabia o significado daquilo, ficava boiano né, agora não, agora tipo assim, já pega na
812. leitura, a genti já sabi, tá leno aquele livro, tem umas palavras qui não é, cê já sabi o qui qui
813. significa as palavra intão é por isso qui acho – O que seria o falar certo para você? – Ai, eu acho
814. falá correto, assim as palavra, num comê palavra, igual eu falei aquela hora né, falá bonito – Eu
815. vou ler duas expressões e você me fala qual você acha mais bonita? – tá – Nós trabalhamos hoje com
816. bolsões de couro ou nóis trabaia hoje com borsão de couro? – A primera é mais bonita – Nas suas
817. relações, as pessoas que estão perto de você falam mais como a primeira ou a segunda forma? – Ai,
818. eu acho como a segunda – O que você pensa das pessoas que falam como a segunda forma? – Ai, eu
819. acho qui é as pessoas mais assim qui deixaram di istudá, qui num tão istudano, qui num teve o
820. privilégio di istuda também, num teve tempo né e alguns falam porque qué mesmo, qui sabi, alguns
821. sabi qui tá errado, mais continua falano errado né, ou as veiz por vergonha di di querêr falá o certo
822. aí fala errado ‘eu não vou falá certo qui alguém vai tirá sarro de mim’– Você fala gíria? – Ah às
823. vezes, às vezes, mais é alguma coisinha ou otra, mais eu acho qui não – Eu vou pedir para você ler
824. para mim em voz alta esse pequeno trecho aqui, por favor? – Hum, vai travá tudo... Tenho pois aqui
825. a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e unha, razões de simpatia e de
826. convivência longo trouxeram essa amizade, qui fazia a felicidade das famílias e a admiração de toda
827. a genti, uma chamava-se Júlia e outra Teresa esta tinha cabelos louros e era clara, aquela tinha-os
828. castanhos e era morena, eram estas as diferenças no mais igualmenti belas e igualmenti vestidas –
829. Você pode agora contar para mim o que você leu? – Ai, acho qui tá contano a história de mulheres
830. qui eram admiradas e bonitas – Agora vou pedir para você ler esse aqui, mesmo procedimento, ok?
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831. – O policial do cento e noventa atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro, por favor
832. socorro mandem alguém urgente entrou um bicho terrível aqui em casa, o policial estranha o pedido
833. e pergunta, bicho perigoso, um animal selvagem, um cão pitbull Não um gato, mais como assim um
834. gato em casa Um gato pô, ele invadiu minha casa e está caminhando em minha direção,
835. socooooooorro, mais isso é ridículo passando troti pra polícia, identifique-se já, quem está falando
836. aí E o papagaio imbecil! – Você pode agora recontar o que você leu? – Ah, ai, ai, alguém ligano po
837. policial lá po cento e noventa pedindu socorro né, mais no fim era o papagaio passando troti – Você
838. pode falar o que você vê aqui nessa imagem? – Ah tô veno três pessoa, três homem brincano di bola
839. na praia – E aqui? – As criança em sala di aula - E o que você vê aqui? – Ah, religião, religião
840. acho qui é, lembra santo – Houve um dia que foi o mais feliz da sua vida? - Ah o dia qui eu fui mãe
841. – Você pode me contar como foi? – Ah foi, foi ah inesquecível né, intão pra qui, acho quem é mãe
842. né, você lá ganhano o seu fio, na hora do parto eu ainda avisei meu marido pra ele assisti o parto
843. tamém, foi maravilhoso, eu falei pra ele assim ‘oh a hora qui entrá na sala di parto o nenê saí, você
844. vai atráis, dexa eu lá, nem qui eu tivé morreno, dexa eu lá e vai atráis e fica com ele.’ E o medo di
845. alguém pega né Aí saiu, foi pra lá na hora lá qui, a hora qui eu saí da sala, já tava todo tomadinho
846. banho, ela já tava toda tomada banho co macacãozinho qui eu tinha levado, no colo dele, ai a
847. enfermera só pegô do colo dele pra pô em cima di mim intão – Você fez parto normal? – Normal, aí
848. depois, dá o mamá também é uma coisa bem mágico é eu acho qui isso - E tem um dia que você
849. considere mais triste? – Ah ainda não, assim a genti teve né, dias a genti tem né, mais um qui doa
850. muito assim acho qui não, qui nem essas, faz umas duas semana qui a genti perdeu um professor
851. muito quirido, doeu pra caramba porque a genti gostava dele pra caramba, mais eu acho qui um
852. bem sofrido acho qui ainda há di tê com certeza, vai tê um dia né – Se você tivesse que falar alguma
853. coisa pros jovens todos, o que falaria? - Oia, pras menina que cuidi pra não engravidá cedo, né É
854. mágico como qui qui eu falei já, mais as coisa se descontrola um pouco né, intão, pra si cuidá
855. mesmo.
856. INF8 - dezesseis anos, tô no segundo – Onde você nasceu? – Nasci im Londrina – Você mora em
857. Paiquerê? - Moro no sítio, no Guairacá – E você sempre morou por ali? – É, sempre por aqui – E
858. você trabalha? – Não – Sua família toda mora lá? – Não todo mundo, não né, daí os otros moram im
859. Londrina, tios, avós – Você mora com seus pais? – Moro co meu padrasto, cá minha mãe co meu
860. irmão – Você só tem um irmão? – A otra, tem mais uma uma irmã qui é casada – E você tem
861. sobrinhos? – Não, ainda não – E em que ocasião você costuma ir para Londrina? – Ai, eu num vô
862. muito não, não vô cum frequência não, eu vô, mais quando precisa comprá alguma coisa, mais não
863. vô cum frequência não – O que você mais gosta de fazer? – Ai, eu gosto di iscutá música, ai eu gosto
864. di música evangélica, gosto di pop, essas música aí – Você sempre estudou aqui nesse colégio? –
865. Comecei istuda aqui no sexto ano – Antes você fazia lá? – Antis eu fiz im Londrina – Em que colégio
866. você estudava? – Eu istudei no Albino – E por que você veio estudar aqui? – Ai, lá num tava muito
867. bom assim di, di vida, meu padrasto num tava consiguindo arrumá imprego, daí ele, como ele
868. conseguiu daí pra cá, daí a genti veio pra cá – E você estranhou muito essa mudança? – Se quiria
869. muito – Se você estranhou? – Istranhei um poco, no começo istranhei, mais depois acostumei. Hoje
870. acostumei – Você sabe alguma coisa sobre a história aqui de Paiquerê? – Aqui não – Aqui tinha a
871. festa do milho né, você costumava vir? – Eu vinha – E o que você achava da festa? – Ah é bem legal
872. né, tinha bastanti coisa diferenti, eu gostava – Você alguma vez correu risco de vida? – Não –
873. Nunca ficou doente? – Não – Qual foi o dia mais feliz da sua vida até hoje? – Nossa o dia mais feliz
874. da minha vida Ah, eu acho qui eu num tive ainda – E um dia muito triste? – Um dia muito tristi... ai
875. foi quando a minha vó faleceu – Você pode me falar um pouco a respeito? – Não – Com que pessoa
876. você mais conversa? – Ai, converso coa Elen – E da sua família? – Converso mais ca minha mãe,
877. mais a Elen eu conto mais as coisa assim – Então, se você fosse contar um segredo hoje, pra quem
878. contaria? – Eu contaria pra Elen – Há alguma pessoa em que você se espelhe? – Num tenho – Se
879. você ganhasse um prêmio hoje, com quem dividiria? – Ca minha mãe – Tem algum momento que
880. você se preocupa em falar de forma mais caprichada? – Tem – Que momentos seriam? – Ai, foi uma
881. veiz qui eu fui fazê intrevista né, aí tem qui falá mais certinho né, mais formal, aí a genti tem qui si
882. preocupá né, a genti não é muito acostumado, daí sei preocupa falá certo – E agora tá se
883. preocupando com isso? – Um poco – Tem alguma pessoa quando você vai conversar você se
884. preocupa em falar mais certo? – Não – Você acha que alguém te influencia de alguma maneira? – Mi
885. influênciá Não, acho qui não - Você sabe falar português? – Portuguêis Eu acho qui sim – Por que
886. você acha que sim? – Ai, sei lá, eu acho qui sim né – Você acha que a língua que você fala é
887. diferente da língua que você aprende na escola? – É, ah a genti fala num jeito e quando tá na aula di
888. portuguêis tem qui falá tudo certo né, qui a professora vai ensiná a genti a falá tudo certo, qui fica
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889. mais bonito até né di falá eu acho qui aí é - O que é falar certo para você? – Falá certo ai, falá tudo
890. certinho, tudo é bem assim bem detalhadinho, tudo bem certinho – Vou ler duas expressões para
891. você e você me fala qual você acha mais bonita ‘Nós trabalhamos hoje com bolsões de couro’ ou
892. ‘Nóis trabaia hoje com borsão de couro’? – A primera – Por quê? – Ai, fala mais certo né, trabaia,
893. nóis, ai não! – O que você pensa de pessoas que falam como na primeira expressão? – Nós
894. trabalhamos ai, é uma pessoa, fala certo né, não é aquela pessoa, ai, qui num fala muito bem, ela
895. fala certo, nós trabalhamos, agora nóis trabaia, não, num é certo – E quem fala ‘nóis trabaia’, o que
896. você pensa dessas pessoas? – Ai, tem genti qui aprende já falano dessi jeito né, em alguns lugares,
897. mais agora as otras qui não, qui sabem falá certo i falá assim, num sei, deveria falá do jeito qui
898. sabi né – Hoje as pessoas com as quais você convive falam mais como a primeira forma ou a
899. segunda forma? – Como da primera – Você fala gíria? – Falo – Há alguma ocasião em que você se
900. preocupa em não falar gíria? – Ah, quando tá conversano, assim, com professor eu tomo meio
901. cuidado, assim, pa falá né – Qual é a importância da igreja na sua vida? – Da igreja ah é muito
902. importanti né, í pra igreja – De que religão você é? – Eu sô evangélica – Você já deixou de fazer
903. alguma coisa por causa da igreja? – Si eu já deixei di fazê alguma coisa Já, às vezes deixei di i numa
904. festa pra í pra igreja, i num mi arrependo – E você já mudou alguma coisa na sua vida por causa da
905. igreja? – Se eu já mudei ainda não – A sua formação evangélica é desde criança? – Eu era desdi
906. criança, aí depois é, parei di í pa igreja, agora eu voltei di novo, agora eu participo – Qual é a
907. importância da escola na sua vida? – Da iscola Ah, ah também é importanti – Por quê? – Ah vai
908. ajudá muito a genti no futuro né, a genti aprendi as coisas ah é muito importanti – Você já deixou
909. de fazer alguma coisa por causa da escola? – Já, às vezes dexei di, também de í num lugar pra num
910. faltá na iscola porque tinha prova ou tinha trabalho – E qual a importância da televisão? – Ah, não é
911. muito importanti não né, a genti liga a televisão quando qui a genti num tá fazeno nada, a genti tá
912. desocupado, a genti vai liga né, não é importanti não – Há alguma pessoa das suas relações que
913. você considera mais inteligenti? – Mais inteligenti, ai meu Deus mais inteligenti... acho qui num tem
914. não, ah, minha mãe, ah ela é muito inteligenti – Você tem alguma relação com seu pai? – Não – E
915. seu padastro? – Eu num converso cum ele muito não, mais ou menos, a genti convive e tal, normal,
916. oi assim, conversa di vez em quando – Qual é a pessoa mais importante para você hoje? – Mais
917. importanti hoje A minha mãe, cum certeza – Ela é sua base? - Pelo caráter, é uma base, assim, pelo
918. caráter – De sábado até hoje, quais as pessoas com quem você mais conversou? – Mais conversei Ai,
919. eu conversei vamo vê… cá Helen, co João Paulo, co Nicolas e coa minha mãe também eu converso
920. todo dia, eu i ela é como fossi amiga assim – Eu vou falar algumas entidades que quero que você fale
921. se é importante, muito importante ou não tem importância tá? – tá – Família? – Muito importanti –
922. Igreja? – Muito importanti – Trabalho? – Importanti – Escola? – Importanti também – Amigos? –
923. importanti – Televisão? – Não, não é importanti não – Leitura? – Leitura A leitura é importanti –
924. Você costuma ler? – Di vez im quando eu leio, bom, agora eu tô leno Dom Casmurro – E se você
925. fosse viajar hoje, para onde você iria e quem levaria? – Pra ondi eu iria Ah, eu acho qui iria pros
926. Estados Unidos, vamo vê quem qui eu levaria... levaria minha mãe, levaria a Helen também, i i, ah,
927. só, só elas – Você pretende fazer faculdade? – Sim – Qual curso? – Já pensei im Direito, já pensei im
928. ser professora também, mais ainda não mi decidi – Qual é a profissão da sua mãe? – Da minha mãe
929. Não, ela num trabalha... ela é, bom, ela mexe com comércio também né intão, ah é como si fosse
930. uma lanchoneti no distrito - E você costuma trabalhar com ela? – Não, eu tenho vergonha di atendê
931. as pessoa – Qual é a sua vergonha? – Ai, eu tenho vergonha di uma pessoa chegá, perguntá pra
932. mim, eu também nem sei também o preço das coisa né, daí eu vô ficá “ah, qui preço qui é’, intão, si
933. eu num sei, nem vô – Como é o seu relacionamento com os professores? – Cos professores Ah eu
934. acho qui é bom – E você conversa com algum professor fora da sala de aula? – Ah, eu gosto di
935. conversá cum Altair – Até que ano sua mãe estudou? – Minha mãe Estudô até a quarta série – Ela
936. gosta de ler? – Ah, ela é bem inteligenti por tê parado até a quarta, ela é bem inteligenti, tem coisa
937. qui eu num sei qui ela sabi, parece qui antigamenti o ensino era melhor, eles sabi mais, muito mais
938. coisa qui a genti – Quando você era pequena, ela lia ou contava história para você? – Eu lembro, lia,
939. lia – Você lê em voz alta esse trecho aqui, por favor? – Tenho, pois aqui a história de duas mulheres
940. amigas e unidas como carne e unha, razões de simpatia e de convivência longa trouxeram esta
941. amizade, qui fazia a felicidade das famílias e admiração de toda genti, uma chamava-se Júlia e a
942. outra Tereza esta tinha cabelos louros e era clara, aquela tinha-os castanhos e era morena, eram
943. essas as diferenças, no mais igualmente belas e igualmente vestidas – Pode fazer um resumo? – Eu li
944. o textinho di duas amigas qui era como carne i unha, uma era loira e clara a outra era morena, é –
945. Eu quero que você me diga o que vem a sua cabeça quando vê essa imagem? – Ah, eu vejo um aluno
946. como si ele tivesse é... dano uma aula, como si ele tivesse dano aula, explicano alguma coisa qui ele
947. feiz i a professora pediu para ele í lá na frenti né fazê o qui ele tinha feito no caderno – E essa aqui?
948. – Essa Ai essa mi lembra, vamo vê, pessoas se divertindo na praia, jogando bola – E agora essa
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949. aqui? – Igreja, ai, vejo imagi, santos eu acho né – Você pode ler mais este texto para mim? – Em voz
950. alta tamém? – também, por favor – O policial do um nove zero atendeu o telefone e foi anotando o
951. pedido de socorro, por favor socorro mandem alguém urgenti entrou um bicho terrível aqui em
952. casa, o policial estranha o pedido e pergunta bicho perigoso, um animal selvagem, um cão pitbull –
953. não um gato, mais como assim um gato em casa – um gato pô, ele invadiu minha casa e está
954. caminhando em minha direção socorrooooo, mais isso é ridículo, passando trote pra polícia,
955. identifiqui-se já quem está falando aí – é o papagaio imbecíl! – Você pode recontar ela pra mim? –
956. é, ligaro né pu um zero nove da policia e falô qui tinha, qui é um bicho pirigoso dentro da casa qui
957. ia pegá ele i daí a polícia pergunta qui bicho perigoso qui é, daí ele fala qui é um gato, daí o
958. policial fala qui você tá passando troti né i pra si identificá, dai aí fala qui é um papagaio – Se você
959. pudesse dar um recado para todos os jovens hoje, o que diria? – O qui eu diria Recado Hum, num
960. sei... – Muito obrigada.
961. INF9 – é como é qui é idadi Idadi dezoito anos e curso segundo ano – Onde você nasceu? – Eu nasci
962. em Manoel Ribas – E por que você veio para cá? – Intão, é qui daí meu pai achô uma condição
963. melhor di trabalho, daí a genti veio pra cá – E você mora no distrito? – Eu moro no sítio – E a sua
964. família mora toda por ali? – Não, eu tenho aqui minha vó e um tio meu qui mora aqui, i daí os otros
965. também mora im Pitanga, Manoel Ribas, todos meus tios, é separado – E você trabalha? – Não, eu
966. saí do meu emprego agora, e tô vendo uma intrevista agora qui eu fiz e tô isperando o resultado – E
967. você trabalhava em quê? – Eu trabalhava numa loja de ropa, confecção, assim, eu trabalhava lá,
968. aqui, aqui mesmo, é uma lojinha piquena, só qui trabalhei ali um bom tempo, uns quatro meses lá
969. sabe, daí, tipo, eu saí por que ela colocô uma irmã dela e daí, tipo, né, a irmã dela precisava
970. trabalhá aí eu peguei aí eu saí – E você fez essa entrevista por conta própria ou você fez curso na
971. Epesmel? – Não, eu fiz por conta própria, eu tenho otros cursos tipo di informática i secretariado,
972. daí eu daí eu, tipo, eu sube i fui - Você costuma ir para Londrina? – Muito poco, eu mesmo num
973. gosto muito, eu sou mais assim di ficá isolada assim eu num gosto muito sabi, eu vô quando tem
974. necessidade ou pra trabalhá – O que você mais gosta de fazer? – Sai cum os amigos assim, passeá,
975. assim, no fim di semana, daí semana é só semana assim, coisa qui só pra istudá mesmo – Você veio
976. para cá com que idade? – Não, eu vim aqui eu tava no primero ano, agora já faz dois anos qui eu tô
977. morando aqui, eu morava em Grandes Rios antes di morá aqui, intão eu fiz mais lá, eu fiquei oito
978. anos morando lá, aqui faz dois anos – E como foi essa mudança para você? – Pra mim foi bom sabi,
979. eu lá tenho vários amigos e tudo assim, mais pra mim foi bom, conheci pessoas novas, otros lugares
980. assim diferenti, é, a genti fica meio balançado né, porque lá a genti tem uma rotina i tudo, mais pra
981. mim num assim, di afetá mal, não - E não ficou triste? – É, a genti fica tristi pelos amigos, mais é… é
982. normal a hora qui a genti tem qui segui a vida também qui é essa né, mais a amizadi continua –
983. Você sabe alguma coisa da história aqui do distrito, ou da região? – Não, é sinceramenti não, tipo
984. cheguei agora intão tipo eu num sei assim, sei o qui mi contam assim por cima sabi, mais eu
985. sinceramenti eu num sei di muita coisa – Você sabe que tinha uma festa do milho aqui? – Sei –
986. chegou a participar? – Eu cheguei, eu vinha di lá, eu participei várias festa aqui, porque eu tinha
987. parenti aqui intão eu sempri pegava e vinha, daí aqui morando aqui eu vim numa festa, daí como
988. essi ano num tevi, intão – E você sabe por que não tem mais a festa? – Eu num sei, eles falaro qui
989. dero um probreminha na organização aí eles num fizero, mais aí tipo a genti num sabe né – Que
990. pena né? – É… é a coisa da história é qui acabô né – Você já teve em uma situação que correu
991. perigo de vida? – Internada fica, mais não di corrê risco di vida, assim, nunca passei por cirurgia
992. assim, não, já fiquei internada, assim, por doenças, assim, bobinhas, assim, gripe, alguma coisa
993. assim, não di corrê risco, graças a Deus, não – Qual é a importância da igreja na sua vida? – Tudo –
994. Você pode me falar um pouquinho? – Deisdi piquena, assim, meus pais mi levava, a família do meu
995. pai também é assim, da minha mãe também era assim, intão, desdi piquena di colo ainda sempre ia,
996. e agora tipo assim tem dia qui eu não posso í mais eu todo domingo qui posso eu vô, i é uma coisa
997. qui eu passaria pos meus filhos tamém, entendeu i é uma coisa qui eu aprendi desdi criança, desdi
998. berço, a minha mãe falano, a minha mãe era professora di catequista, intão tipo minha mãe sempre
999. tevi involvimento cum isso intão é eu sempre tive envolvida com isso, sempre aprendi qui Deus era
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tudo, intão pra mim é desdi di piquena, num tem como – E qual é a importância da escola
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É, pra mim assim otra coisa qui tamém desdi criança meus pais sempre me obrigaram, meu
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pai, começa por obrigação, depois como a genti vai crescendo, a genti vai entendendo,
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quando a genti vai pegá um serviço, agora mesmo qui eu fui, já era necessário eu tê o
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segundo grau completo, intão tipo o serviço, meu pai mesmo tava falando, o serviço qui ele
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qui num tem istudo ganha um salário, o salário do meu pai e da minha mãe juntano vai dá o
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meu, qui eu tenho um pouco mais di istudo do qui ele, intão, tipo assim, você vê qui qui você
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vai precisá daquilo. Eu nem terminei o, como diz o otro, eu num sei di nada ainda, mais eu
já vejo como é importanti no imprego, eu agora qui eu tô entrando assim no mercado di
trabalho eu vejo como é importanti, como o istudo faz diferenti, eu quero cursá faculdadi
tudo, intão né aquilo qui a genti olha lá na frenti acha muito longi mais é, tem coisa qui é
muito né você sabi – E qual é a importância da família para sua vida? – Pra mim minha
família é tudo, sempri qui, qui eu tô longe dum deles eu fico meia assim, meu pai i minha
mãe mesmo, aconteceu qualquer coisa cum eles qui eu quiria qui acontecesse comigo e ca
minha mãe e meu pai (inaudível) minha irmã, meu irmão, i tem meus amigos qui considero
como parti di minha família assim, é ota coisa qui é tudo pra mim tamém eu acho qui si
acontecesse ,assim, qualquer coisa eu ia sofrê – E qual é a importância do trabalho na sua
vida? – O trabalho Também eu acho qui é uma coisa pra você dá um passo na sua vida, é
um passo di liberdadi, si você também precisa daquilo ali pra você crescê, pra você mostrá
pra sociedade qui você é alguém – Você assiste à televisão? – Assisto – O que você costuma
assistir? – Eu gosto mais di novela i daí di jornal assim, dependi o jornal também, qui nem
tem um jornal qui eu não, qui eu num gosto, não aquele jornal qui é muito pesado assim,
muito puxado assim di coisa qui eu vejo qui é muita tragédia dimais, dimais, daí eu num
gosto, gosto daquelas qui dá a notícia mais assim dá, sabi, eu num gosto assim, eu sei qui
isso aconteci, mais tipo assim eu prefiro evitá, é tipo o jornal qui esforça muito sabi, qui
mostra muito assim eu num... – Como você classificaria a importância da televisão na sua
vida? – Eu acho importanti pra você vê o qui tá acontecendo no mundo, di uma forma geral
assim, i também o jeito di si, você si distraí um poco, porque também você vivê naquela
pressão di todo o dia, você num consegui – Qual é a pessoa com a qual mais conversa? –
Conversa do jeito assim – De tudo, sobre tudo? – Acho qui é minha mãe, minha vó eu acho
qui é as pessoas qui mais converso assim, meu pai fica meio assim porque, por eu sê
mulher, converso mais ca minha mãe assim as coisa, cas amigas assim meio por cima, mais
ca minha mãe e minha vó, assim, peço conselho, assim, essas coisa – Se você fosse contar
um segredo hoje, para quem contaria? – Pra minha mãe – Tem alguma pessoa que seja um
modelo para você? - Minha mãe, minha mãe eu acho qui é uma mulher i tanto, admiro
muito, é ela já passô por muita coisa, muita coisa ruim e conseguiu saí bem – Se ganhasse
um prêmio, com quem dividiria? – Co a minha família, meu pai e minha mãe – Você tem
irmã né? – Sim – Mais nova ou mais velha? – Mais nova, tem doze anos – E vocês se
relacionam bem? – Sim, é, tem um, sempre tem ermão assim, aquelas coisinhas, mais é tipo
é, amo ela, tem disputa pelo pai e a mãe sabi – Há alguma pessoa com a qual você se
relaciona que julga muito inteligente? – Qui eu considero mais inteligenti di colegas ou de
genti Uma pessoa Assim, todo mundo assim tem um ponto di inteligência qui é mais forti, é,
sempre tem uma pessoa qui di um lado ela, ela si sai melhor, assim di uma pessoa
inteligenti em tudo, aí ficou difícil porque têm pessoas qui você olha assim, tem uma coisa
qui a pessoa faiz bem, a otra já faz otra coisa qui a otra pessoa num faiz, intão fica meio
difícil assim, mais eu vô colocá uma professora qui eu admiro, a Solange é uma professora
qui eu admiro é, intão, é uma professora qui eu assim diria qui eu acho ela muito inteligenti
assim, por, é uma coisa assim qui ela, qui ela faiz, já demonstrô pra mim qui ela sabi fazê
as coisas assim inteligentis intão é a professora Solange qui eu digo – Qual é a pessoa mais
importante na sua vida? – Ai eu diria duas, meu pai e minha mãe, são tipo pra mim as
pessoas mais importantis da minha vida, porque assim, meu pai mesmo, o dia qui eu fui vê o
serviço meu pai, ele sempre foi assim muito é, cum medo di mi acontecê qualqué coisa,
assim im geral sabi, pai super protetor, nesse serviço ele mi levô, ele foi comigo, assim tudo
o qui eu vô fazê ele tá comigo, minha mãe também, intão acho qui eles são as pessoas
assim, porque tudo qui eu quero fazê, faculdadi mesmo, ele falô assim qui eu não vô
trabalhá todo o tempo, ele vai pagá, ele qué ajudá, intão eu acho qui é essas coisa – De
sábado até hoje, quais foram as pessoas com as quais você mais conversou? – Eu converso
com bastanti genti, minha sala intera, minha sala intera somo todos amigos, intão é, você
conversa cum todos, professores, é diretores também, conversei com a Selma, conversei ca,
professor Guilherme, conversei com a professora Elaine, intão conversei cum monte de
genti assim, bem co meu pai, ca minha mãe, ca minha irmã, minha vó, co meu tio, cum todo
mundo, daí sábado mesmo eu saí, conversei co meus amigo, a genti foi assistí jogo qui tinha
ali intão a genti conversô com bastanti pessoa assim, intão tipo têm pessoas qui você nem
conhece, você passa fala bom dia né, intão fica meio difícil você citá nomes porque são
bastantis pessoas – Eu vou falar alguns nomes e você vai me falar se são muito importantes,
importantes ou se não tem importância nenhuma tá? – Família? – Muito importanti – Igreja?
– Muito importanti também – Trabalho? – Importanti – Escola? – Super importanti –
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Amigos? – Muito importanti – Televisão? – Importanti – A Leitura? – É importanti, mais eu
assim tipo, leio o básico assim quando preciso, não tenho o hábito di lê um livro por
semana como muitas pessoas assim, eu leio, mais não tanto, o mais recenti o Dom
Casmurro qui uma professora passou e a genti leu, mais é assim tipo eu num tenho assim
tanto hábito, eu acho qui tenho qui melhorá isso assim eu num tenho tanto o hábito mais eu,
eu leio assim quando eu me interesso por um livro eu leio – Se você fosse viajar hoje para
onde você iria? – Pra casa dos meus avós, im Manoel Ribas – Quem você levaria com
você? – Minha prima – O que fariam? – Ah sairíamos qui a genti tem amigos lá, a genti ia
saí lá por perto também iríamos intão eu acho – Você diz que pretende fazer uma faculdade
né Já escolheu o curso? – Sim, Biologia, sempre gostei desdi piquena intão é uma área qui
eu adimiro i gostaria di fazê – Você tem vontade de dar aula? – Não, eu quiria praticá, eu
quiria i vê porque minha, eu gostaria di mexê cum bicho assim, seria a área qui eu mais
gostaria di fazê, só qui eu quiria fazê Biologia pa fica completo, sabi – Se for para trabalhar
como bióloga, você teria que sair do Paraná, teria coragem? – Sim, é uma coisa qui tipo pelo
sonho né, é intão eu iria assim o meu pai minha mãe sempri deram força assim meu pai falô
assim ‘o futuro é seu num é nosso, a genti tem qui ti motivá' i, é o meu sonho intão tipo, num
adianta eu i fazê uma faculdadi si eu num vô, num vô fazê, num vô gostá di fazê, por tudo
aquilo qui você faiz qui você não tem amor por aquilo você num faiz bem feito, intão
gostaria di fazê isso – Muito bom, o que seus pais fazem? – Meus pais faiz serviços gerais,
eles mexi cum gado assim, cum coisa assim di terra também – Os dois trabalham no sítio? –
É, os dois trabalham no sítio qui a genti mora i intão tipo, ah, eles sempre trabalharam
nisso, minha mãe já trabalhô cum serviços gerais em iscola, mais é, agora ela tá
trabalhando co meu pai, ajudando o meu pai eles trabalham nisso – O sítio é de vocês? –
Não, são funcionário – E seus pais têm estudo? – Meu pai tem a quarta série i minha mãe
tem até a oitava – Os dois sabem ler e escrever? – Sim – E, quando você era pequena, eles
liam para você historinhas? – Sim, minha mãe, minha mãe lia, tipo assim, minha mãe é mais
assim sabi, di lê assim essas coisa, assim, meu pai quando é necessário também assim – E
os dois leem com frequência? – Sim, sim, os dois qui como meu pai, meu pai já fez vários
cursos assim pra essi meio assim sabi intão tem qui tê a leitura porque tem uns livros qui
ele precisa di lê assim – Ah, sim, ele se especializou no manejo? – É, sim – Então o sítio
tem um dono. Você tem contato com ele? – Sim, ele mesmo ele almoça im casa, almoça i
janta em casa, intão tem aquele convívio sabi porque daí ele vem, ele mora im Londrina né,
ele vem i passa um bom tempo ali, ele é ingenhero só qui daí ele passa mais tempo ali, intão
tem qui tê essi convívio sabi – Seu relacionacionamento com professores pelo jeito é bom? –
É, eu não tenho nenhum tipo assim atrito cum eles nenhum, assim sempre tem alguma
coisinha qui fala assim, mais é não di si ofendê – Tem alguém ou alguma pessoa que te
influência de alguma forma? – Assim, tem muitos atos assim qui a genti vê qui a genti quiria
assim levá pra vida da genti assim, ah, eu vejo a vida dos meus avós, dos meus pais assim,
eu acho qui tipo, eles por serem, tê mais idadi, eles sabem mais da vida, intão são coisas
qui eles me falam qui com certeza eu vô leva pra minha vida intera e vô passando assim
intão eu acho qui isso a minha família intera im geral assim e qui tem mais idadi do qui eu,
eu acho qui tudo qui eles mi mostra, mi fala, coisas qui acontecero cum eles, eu levo
pra minha vida, acho qui têm coisas qui eu num faria, têm coisas qui eu faria, intão eu acho
qui isso qui influencia, acho qui a família toda é convivência da genti com quantas pessoas,
acho qui é assim – Tem algum momento que você se preocupa em falar mais
caprichadamente? – Eu sô muito faladera intão, sempre eu converso assim como tô
conversando (incompreensível), é tem horas qui a genti meio, como diz o otro, desce do
salto, daí a genti já fala mais assim, mais tem horas qui a genti vê qui tem qui tê um ponto,
intão eu acho qui tem hora qui você tem qui... – Que hora seria essa? – É uma intrevista di
emprego mesmo, você tem qui vê o qui você vai falá, qui ali eles querem uma pessoa ali qui
eles olham qui são, qui é perfeito, intão você tem qui vê qui os otros candidatos também vão
tentá isso, intão você tem qui mostrá qui você tem capacidade i você, eu acho qui nas
palavras você mostra isso – E você sabe falar português? – Mais ou menos assim – Por quê?
– Porque, como diz o otro, eu sô meio caipira assim sabe, intão, tipo, tem hora qui a genti
fala palavras erradas assim, i só qui a genti vai procurando melhorá sabi, intão tem
palavras qui a genti não vai sabê quando colocá, quando usá, intão tipo eu, i tudo qui a
genti aprende nunca é cem por cento, a genti sempre sabi, mais sabi pela metadi, a genti
nunca vai sabe tudo intão eu, eu falo portuguêis, mais não o portuguêis corretamenti assim
– E o que seria falar correto para você? – Falá correto Ai, assim tipo têm pessoas qui fala
certinho assim você vê, professor di portuguêis, como diz o otro, e tem pessoa qui já puxa
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mais assim, qui fala as palavras assim erradas, qui colocam as palavras erradas assim,
intão não é, tipo falá certo não é falá certo assim no estrito assim, mais falá certo, colocá
as palavras certas no lugar, tem pessoa qui fala a palavra qui tipo não era adequada pra
aquele momento intão – E você acha que a língua que você fala é diferente da língua que
aprende na escola? – Não, não tipo é eu acho qui não, eu acho – Eu vou ler duas frases,
você me diz qual é a mais bonita? – Tá – Nós trabalhamos hoje com bolsões de couro ou
nóis trabaia hoje com borsão de couro? – A primera – Por quê? – Não sei, soa mais normal
– As pessoas com as quais você convive falam mais como a primeira ou como a segunda
forma? – Na segunda forma – Por que você acha que elas falam dessa forma? – Ai, agora
num sei explicá assim, porque tipo é mais fácil falá errado, tipo você olha ali parece qui é
mais fácil – Você diz que é caipira né Você acha qui teria uma relação entre essa forma de
falar com essa origem caipira? – Sim, porque tipo assim a genti é, como é é porta, portão
(enfatizando o erre retroflexo) né tudo assim, intão tipo pra mim eu já ouvi muito disso,
assim é origem simples fala assim sabi, intão, tipo minha vó fala assim bem puxado, intão
tipo já seria deu falá também e eu aprendi a falá assim porque eu sempre escutei, intão, do
jeito qui a genti escuta, a genti vai falá, intão tipo muitas coisas eu falo assim sabi, e daí a
minha professora mesma fala ‘assim tá errado’ ‘é assim’, intão você vai aprendendo qui
não falo desse jeito, mais só qui você aprendeu desdi criança a falá daquele jeito, intão fica
meio assim, intão tem muitas horas qui a genti pega e fala, escrevi assim, eu muito, assim
trabalhos meus assim vem com muito erro di portuguêis porque tipo, eu iscrevo do jeito qui
eu aprendi a falá, intão tipo a genti fica assim – Você fala gíria? – Um poco, assim cos
colegas assim, com professores, intrevistas di imprego não, mais a genti tem veiz qui sem
querê a genti fala, a genti fala e também é mais fácil fala assim sabi – Ler e resumir? –
Tenho pois aqui a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e unha, razões de
simpatia e de convivência longa trouxeram essa amizade qui fazia a felicidade das famílias
e admiração de todos de toda a genti, uma chamava-se Júlia e a outra Tereza essa tinha
cabelos louros e era clara aquela tinha-os castanhos e era morena - duas amigas i
caracterizando as duas – Ler e resumir? – O policial do cento e noventa atendeu o telefone
e foi anotado o pedido de socorro, por favor socorro mande alguém urgenti entrou um
bicho terrível aqui em casa a policía estranha o pedido e pergunta bicho perigoso, um
animal selvagem, um cão pitbull Não um gato! Mas como assim um gato em casa Um gato
pô, ele invadiu minha casa e está caminhando em minha direção socorro, mais isso é
ridículo passando troti pra polícia, identifiqui-se já, quem está falando aí Aqui é o papagaio
imbecil! Um troti prum policial, um troti bem ridículo – Agora vou pedir para você observar
e descrever algumas figuras. Essa aqui? – Os amigos em uma praia jogando futibol, é acho
qui é di felicidadi porque os amigos no fim di tardi se divertino – E essa aqui? – É uma sala
di aula com jovens alunos, acho qui di obrigação, uma coisa necessária – E essa daqui? – É
uma imagem di santos, é uma paiz, uma paiz – Qual foi o dia mais feliz da sua vida? – Um
dia, tipo data Acho qui meu aniversário do ano retrasado qui tipo passô meu aniversário
cum toda família, tudo junto, qui meu aniversário é dia vintiseis di dezembro, intão tipo é
sempri depois do Natal, intão tipo nós ficamo desdi o dia vintiquatro até dia vintiseti junto
intão tipo ficô, eu fui pra casa dos meus avós daí veio tudo a família i si reuniro tudo junto
acho qui foi essi mais assim especial assim – E um dia triste? – O dia qui meu tio morreu di
acidenti – Como foi? – Sim, é eles tava voltando do serviço é na verdadi eli num ia
trabaiá assim no sítio assim, eles plantam e eles tavam indo plantá, só qui daí eles foram
di carro porque as máquina já tava lá e daí pra í lá tipo tem a entrada i di asfalto e daí o
meu tio falô assim ‘não, eu vô’ i daí, meu tio Abel, e daí essi otro meu tio falô ‘não, hoji eu
vô, podi dexa qui eu vô hoje i você fica em casa ajudano o pai’, qui é meu avô e daí eles
foro e daí quando eles tava voltando eles tinha qui passá do otro lado do asfalto pra í pra
casa e daí na hora qui eles passaro veio um carro, eles já tava pra fora do asfalto, só qui
daí o carro veio saindo porque achou qui eles não ia conseguí e daí pegô no meio do carro
do lado qui meu tio tava e daí tipo acabô co carro i daí o meu tio qui tava dirigindo, tinha
dois tio meu, só o qui tava no carona morreu na hora, quebrô o pescoço, daí o otro quebrô
costela, perdeu um rim, tipo fico traumatizado tamém, daí tipo ainda o otro rapaiz qui tava
no carro tava embriagado, tava co a mãe dele i daí tipo até hoje tá processando o meu avô
porque disse qui a mãe dele tá traumatizada, ela quebrô um dedo e daí tipo o meu tio ainda
foi, ficô dentro do carro tudo amassado porque não conseguiro tirá ele ali intão tipo foi
meio tipo meio tristi assim intão acho qui seria isso – E se você pudesse falar alguma coisa
para todos os jovens do mundo, o que diria? – Nossa, tem tanta coisa pra puxá a oreia
dessi povo! Eu acho qui falaria ‘hoje é festa, amanhã quem sabi’ Porque tipo tem muita
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genti aí na droga a genti vê, parece qui virô normal, é normal você vê um monti di
molecada aí, criança, intão aqui mesmo eu já vi criança assim qui mal sabe andá cum litro
di vodica dibaxo do braço, intão tipo eles acha qui a vida vai sê toda aquela festa, até o
útimo dia da vida deles é festa, intão tipo só qui eles vê qui aconteci coisas tristi cum
amigos deles é já aconteceu vários acidentis por causa di pessoas alcoolizadas aí, só qui
eles não ligam, eles acha aquilo bunito aquilo, qui eles acha qui morreu por que tinha qui
morre, falam assim ‘ah, é normal’, só qui eles num acha qui si eles num tivesse feito aquilo
não iria acontecer e pra eles parece qui eles nem senti, parece qui pra eles ali aconteceu
aconteceu, acabô – Se você me permitir usar no meu doutorado? – Podi usá, sim. Acho até
bunito assim e, tipo, um dia póde sê eu! - Com certeza! Muito obrigada!
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INF10 - tenho dezesseis anos, tô no segundo ano – E você mora onde? – Ah perto do
Paiquerê mesmo - Você nasceu onde? – Em Assaí – E por que você veio para cá? – Ah,
porque minha mãe, nóis, meu pa, meu padrasto acharo serviço pra cá melhor i veio – Você
trabalha? – Não, num trabalho não – Sua família toda mora por aqui? – Não, tem parenti
aqui, tem Londrina, tem Assai, parenti da minha mãe, mãe da minha mãe mora lá, mãe do
meu pai tamém mora lá – E você costuma visitar essas pessoas? – Custumo, eu fui sábado i
voltei segunda da casa da minha vó – E para Londrina, em que ocasiões você costuma ir? –
Ai, tem veiz qui eu vô só cá minha mãe pra comprá algo pro meus irmão, mais é difícil eu í
– Quando você sai para passear, você sai por aqui? – É, aham – Você sempre estudou aqui
nesse colégio? – Não, em Assaí, aí depois eu vim pra cá – Com quantos anos? – Ah, num
tem bastanti tempo qui eu vim pra cá, foi uns oito meses atrais – E como foi essa mudança?
– Ah, eu achei ruim, porque, por causo da iscola né, os conteúdo di lá num eram o mesmo
daqui né, era mais, aí fico difícil um poco assim, mais controlei – E o seu namorado é
daqui? – É daqui – Então é um namoro recente? – É, tem treis meis – Então você não sabe
nada da história daqui do Paiquerê? – Não, num sei – Chegou a participar na festa do
milho? – Não, nunca participei daquela festa – Ouviu falar? – Já, já ouvi falá, disse qui é
muito boa – Você já teve em uma situação na qual correu perigo de vida? – Acho qui não –
Já ficou doente seriamente? – Não, nunca graças a Deus – Qual a importância da igreja na
sua vida? – Ah eu acho qui sempre, di veiz im quando tem qui i um poquinho né, mais acho
qui não infuência tanto assim não, vai da pessoa – Qual a importância da escola? – Eu acho
qui é bem importanti porque ela qui, como posso dizê, ela qui ajuda a genti pra depois di
pegá um serviço milhor né, fazê uma facudadi, intão acho qui a iscola é importanti sim – E
o trabalho? – Eu acho qui é bem importanti tamém, porque daí assim eu acho qui você
trabalhano dá pro cê comprá suas coisa, ajudá seus pais né e guardano dinhero pra fazê
uma facudadi – E qual é a importância da família? – Bem importanti porque sem a família
eu não sô nada – E a televisão? – Ah, bem importanti porque ela tem, mostra informação, o
qui tá aconteceno no mundo né, dia a dia o jornal passa bastanti mancheti, tudo qui tá
aconteceno, bem importanti – Qual a pessoa com a qual você mais conversa? – Minha mãe
– Se você fosse contar um segredo hoje, contaria para quem? – Pra quem qui eu contaria Ah
pra minha mãe, talvez, dependi do segredo né - Tem alguma pessoa em que você se
espelha? – Meu pai é uma pessoa bem alegri i pensa positivo, tudo qui ele qué fazê ele tenta
pelo menos ele sim – Se você ganhasse um prêmio hoje, com quem dividiria? – Ca minha
mãe – E qual a pessoa mais importante na sua vida? – Minha mãe, minha vó, a minha
madrinha – As mulheres são bem marcantes na sua vida? – É, bem marcanti, meu pai... é eu
nem gosto di comentá muito sobri ele né mais, agora qui ele tá seno importanti assim,
porque antis, quando eu nasci, mi abandonô eu i minha mãe, intão eu não acho qui ele
merece todo o amor do mundo, quem merece é minha mãe, ele só um poquinho – Incomoda
essa situação de seus pais assim separados? – Ah incomoda muito, eu choro bastanti, té hoje
– E você acha que quando se casar você vai procurar manter o seu casamento? – Ah sei lá,
acho qui vai sê diferenti, eu vô tentá fazê diferenti né – Tem alguma pessoa, do seu
convívio, que você acha muito inteligente? – Não, acho... não – De sábado até agora, qual
foi a pessoa com a qual mais conversou? – Coa minha vó – Eu vou falar algumas entidades
e você me fala se são importantes, muito importantes ou sem importância. A família? –
Muito importanti – Igreja? – Importanti – Trabalho? – Muito importanti – Escola? – Muito
importanti – Amigos? – Importanti – Televisão? – É importanti tamém – E a leitura? –
Muito importanti – Você costuma ler? – Adoro – Se você fosse viajar hoje para onde você
iria e quem levaria com você? – Eu sempre tive vontadi di i, ah hoji, assim, pra Curitiba di
novo i quem qui eu levaria? Acho qui meu namorado – Você pretende fazer faculdade de
Direito né? – É – por que você escolheu direito? – Ah, porque eu sempre gostei assim di
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atendê as pessoa, tamém é uma coisa qui eu sempre quis sabê, intão acho qui eu quero fazê
Direito – Qual é a profissão da sua mãe e do seu padrasto? – Intão, eles trabalha, ele é como
posso dizê, é, ele trabalha numa fazenda sabi, ele cuida da fazenda – E sua mãe? – Minha
mãe é dona di casa –– E eles têm estudo? – A minha mãe tem até a quarta série e ele acho
qui estudô até a primera série, mais ele só sabe iscrevê o nome dele – Ah então a leitura
dele é pouca? – É poca, ele nem sabe lê, só sabi iscreve o nome, agora minha mãe sabe lê e
sabi iscreve certinho – E seu pai? – Meu pai, ele terminô tudo – qual é a profissão do seu
pai? – Intão, como qui é a profissão dele assim eu num sei o nome, eu só sei qui ele trabalha
com carro, montano carro, essas coisa assim – Quando você era pequena, você lembra se
sua mãe lia historinhas para você? – Não lia não – Como você se relaciona com seus
professores? – Ah normal assim, pergunto o qui tem di perguntá, o qui num entendi, só,
mais não fico muito conversano não – Tem alguém que te influência de alguma maneira? –
A minha mãe sempre fala pra mim, conversa comigo – E tem algum momento em que você
se preocupa em falar caprichadamente? – Acho qui não – Você sabe falar portugues? – Bem
falado, não, mais sei, ah a iscola, a professora tamém ti dá umas fonti – Você acha que o
português que você fala é diferente do português que aprende na escola? – Ai, eu acho qui
sim porque a genti fala às vezes qui, meio errado e não é aquilo qui a genti tem qui falá no
meio, a genti tem qui falá certo mais tem genti qui num liga com isso não – E em que
momento a pessoa deve falar um português correto? – Quando vai fazê uma dissertação, um
texto, um poema, iscrevê uma frase, tem qui sabê como qui iscreve, o ponto ondi qui fica, as
coisa tudo isso aí – E na fala? – É, tem, num ligo muito não qui essas coisa di falá assim
não, mais é pra quando é texto, presto mais atenção, mais na escrita – O que é falar certo
para você? – Ah, tudo certinho, é falá a palavra correta – Vou ler duas expressões aí você
me fala qual é mais bonita e qual é a mais feia. – Tá – A primeira é “Nós trabalhamos hoje
com bolsões de couro” e a segunda é “nóis trabaia hoje com borsão de couro”. Qual a mais
bonita? – Acho qui a segunda – E por que você acha mais bonita a segunda? – Ah, eu num
sei, eu gostei mais da segunda – O que você pensa de pessoas que falam tudo corretamente?
– Ah, é uma coisa boa porque é um jeito certo, um tom qui as pessoa tá certa – E de pessoas
que falam ‘nóis trabaia’, ‘nóis vai’ o que pensa? – Fala no mesmo sentido, só qui a palavra
tá errada né – E as pessoas com as quais convive falam mais como na primeira ou mais
como na segunda expressão? – Mais como a segunda – Por que você acha que eles falam
assim? – Ah é custume né, custume – Você fala gíria? – Não, não fico falando muito não,
procuro não falá – Eu vou pedir para você ler um texto em voz alta e resumir no fim, pode
ser? – Tenho pois aqui, a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e unha,
razões de simpatia e de convivência longa trouxeram esta amizade que faziam as
felicidades das famílias e admiração de toda a genti, uma chamava-se Júlia e a outra
Teresa tinha cabelos louros e era clara, aquela tinha os olhos tinha-os castanhos e era
morena – O que você leu aí? – Duas amigas qui conviviam juntas, uma di pele clara a outra
di pele escura, olhos castanhos, eu acho – Vou mostrar algumas imagens e você vai me
falar o que você tá vendo tá? – Tá – Primeiro essa? – Pra falá o qui qui eu tô vendo? – É
descrever de alguma forma – Esse aqui é o Dia do Juizo Final eu acho, esse aqui é um, devi
sê alguma coisa a vê cum Deus sim – Agora essa daqui? – Essa aqui é treis criança jogano
bola na praia, mais tamém não passa sentimento não - E por último, essa daqui? – Ah essa
aí é diferenti, dentro da sala di aula né, o pessoal ali o aluno escreveno a professora acho
qui aquela de rosa ali, isso é importanti – Tem um dia que foi o dia mais feliz da sua vida?
– Acho qui foi o dia qui eu nasci, porque minha mãe ficô muito feliz – E um dia triste já
teve? – Ai, o dia qui meu vô morreu – Você pode me falar um pouquinho? – Intão, acho qui
foi, foi dia vinte e dois não, dia nove di setembro do ano passado, ele morreu, morreu di
câncer minha vó nunca falô pra genti, comentô assim sabi, mais é isso, morreu di câncer aí
foi muito ruim nossa, muito difícil – Se pudesse falar alguma coisa para todos os jovens do
mundo, o que falaria? – Nunca desistí do sonho dele, por mais qui tudo aconteça – Muito,
obrigada!
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INF11 – tô no primero ano do ensino médio, tenho 15 anos – Onde você nasceu? – Nasci
aqui em Londrina – E você sempre morou por aqui? – Eu não, eu fui uma veiz só pra São
Paulo, mais morei poco tempo lá – E você mora na Vila Rural né? – Isso – A vila rural é
sitio? – É em chácaras – Você trabalha? – Eu trabalhei uma veiz numa lojinha i agora eu
passei agora trabalhá PB Lopes é de Scania – Você vai pela Epesmel? – Isso, é agora tô
fazeno vinti dia di curso lá na Epesmel, aí depois eu começo a trabalhá – Lá em Londrina?
– É, tô fazeno lá – A sua família mora toda aqui? – Não só eu tô ali, por parti do meu pai
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mora eu i mais os tios e por parti da minha mãe mais ninguém, mora longi i o resto dos
familiares do meu pai mora im Tamarana – O que você mais gosta de fazer? – Ah é fica im
casa, assisti televisão, ficá no computador – Você tem computador em casa? – Tenho – E
você gosta de facebook? – É mais facebook mesmo – Você chegou a estudar em São Paulo?
– Não, eu tinha treis aninho – Você sabe alguma coisa sobre a história daqui? – Não –
Quando tinha a festa do milho, participava? – Vinha, eu sempre eu vim – E o que achava da
festa? – Ah, era festa boa né, é mais agora qui acabô senti falta né quando chega perto – E
você já esteve em uma situação em que correu risco de vida? – Não - Nunca ficou doente? –
Quando eu era criança, eu tinha anemia aí eu fui tratada, mais nunca fiquei a bera da morti
memo não, porque tinha tratamento tudo mais, só isso só – Qual a importância da igreja na
sua vida? – Ah é tudo pra mim, aham costumo i todos os sábado, todos domingo, encontro
eu vô, os encontro qui tem eu assisto – E você participa de grupos de jovens? – Não porque
aqui num tem, num tem – E qual a importância da escola? – Ah, é importanti pra mim
porque atravéis dela eu sei qui meu futuro vai sê bom – E do trabalho agora, qual é a sua
perspectiva agora? – Ah é bom heim, a genti tá mais responsável e num precisa ficá
dependendo dos pais né, porque a genti num fica dependenti, isso é bom – E qual é a
importância da família na sua vida? – Vixi, é muito importanti também heim, nossa, sem eles
eu não sô nada – Você tem irmãos? – Tenho dois, uma tem cinco e a ota tem treis – E qual a
importância da televisão na sua vida? – Ah mais passatempo mesmo é, pra mim não faiz
muita falta não – E o que você costuma assistir? – Novela mais, novela, programas às veiz
só né – Qual é a pessoa com a qual você mais conversa? – Vixi, ai é difícil hein, não, ah, eu
converso mais aqui na iscola, porque eu istudo cedo e di tardi faço curso, i tem a minha
prima i a Aline da minha sala é elas qui eu fico o dia inteiro i é elas qui eu converso – Se
você fosse contar um segredo, contaria para quem? – Ah uma amiga minha di Londrina a
Nathaly, ela desdi do pré ela estudô cumigo aí essi ano qui ela foi embora, ela é a melhor
pra mim – E tem uma pessoa modelo para você? - Não – Se você ganhasse um prêmio hoje,
com quem dividiria? – Co a minha família – E tem uma pessoa com a qual você se relaciona
que você acha ela muito inteligente? – Ah tem menino da minha sala qui é, são bem
inteligenti – Quem é a pessoa mais importante na sua vida? – Meus pais, meus irmãos e as
amiga – De sábado até hoje, quais foram as pessoas com quem você mais conversou? – Foi
meus pais mesmo e as meninas im casa – Vou falar algumas entidades e você me diz se são
muito importantes, importantes ou sem importância. A família? – Muito importanti – Igreja?
– Também – Trabalho? – Tamém – Escola? – Tamém – Amigos? – Muito – Televisão? –
Não – Leitura? – É importante, mais eu não costumo fazê muita não – Você não tem muito
o hábito de ler? – Não – Você já leu um livro completo – Antis, eu tenho a bíblia dos
anjinho, eu lia todo dia, todo dia antis di dormi eu lia, agora qui eu fiquei mais um poco
mais sonera, é muita coisa pra fazê, aí deixei di lado, li uns dois, treis livros qui eu num
lembro, mais são pocos e quando eu era criança eu lia mais (ininteligível) essas coisas
agora já dexei mais di lado – Quando você era pequena, os seus pais liam para você? - Ai
num lembro – E você lembra se eles contavam histórinhas? – Acho qui minha mãe, acho
qui contava histórinha mais contos assim histórinhas sem lê, mais era di veiz im quando só
– Contava da cabeça? – É, tão bom – Se você fosse viajar hoje, para onde iria? – Iria pra
Pernambuco conhecê o resto da minha família qui tá lá – E quem levaria? – Meu pai,
porque os parenti dele (inaudível) tão lá – Você pretende fazer faculdade? – Num pretendo
não, acho qui num vai sê uma, sei lá, eu num tenho vontadi, eu tenho vontadi de cursá pra
modelo, só qui minha mãe num apoia muito, mais faculdadi em nunca pensei em fazê não –
Qual é a profissão dos seus pais? – Meu pai é operário di operador di empilhadera na
fábrica di salgado e minha mãe é doméstica – Ela trabalha fora? – Não, é di trabalhá im
casa di família, fora im Londrina –Todos os dias? – Não, quatro dia da semana só – E até
que ano eles estudaram? – Minha mãe acho qui terminô, meu pai acho qui não terminô, meu
pai acho qui parô na quarta série, ainda mais qui ele feiz bastanti curso, agora ele tá mais
prendado, é lá, é verdadi, lá ele feiz já bastanti curso pra isso, é di bombero ele feiz é, esse
dia ele feiz di brigada sabi, feiz porque lá precisa né ele tem já bastanti curso – Quer dizer,
de alguma forma ele estudou? – É, ele cresceu, qui ele estudô mais – E mesmo vendo isso,
você não quer fazer faculdade? – É, né - Como é seu relacionamento com os professores? –
Me dô bem, nunca fui di brigá, di batê boca – Você conversa com algum professor fora da
sala? – Ai, nunca fui assim di tê muita amizadi porque todos mora longi daqui, mais ondi
vejo eu vô cumprimentá, só só normal mesmo (inaudível) – É você acha que alguém te
influencia de alguma maneira? – Ah minha mãe mi influencia bastanti a estudá, trabalhá, pa
tê um futuro bom isso, nas coisas boa, na ruim acho qui não – Você não parece ter amigos
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de má postura? – Ah, qui eu saiba não né, tem amigas qui são mais atiradinha assim, mais
elas, elas seguem a vidas delas e eu a minha, num sô di í na onda di ninguém não – Tem
algum momento em que você se preocupa em falar mais caprichadamente? – Como assim,
falá mais certo fora da... Ah não pra mim não, do jeito qui eu sô num mudo por nada assim
– Quando você foi falar para obter o trabalho? – Não, lá eu tive qui melhorá bastanti né, eu
istudei pra i, mais eu falei di mim, di mim di verdadi, eu num menti, num aumentei nada pra
mim, foi eu mesma – Você acha que você sabe falar português? – Ah eu acho qui
perfeitamenti não é, ninguém perfeitamenti, mais eu acho qui eu num sô di errá muito não –
Você acha que o português que fala é diferente do que aprende na escola? – Não, eu
acredito qui na iscola qui se aprendê mais falá né – O que é falar certo para você? – Falá
certo uai, acho qui sem gíria, falá claramenti as coisa sem ficá cum gíria, acho qui é isso
mesmo – Eu vou falar duas expressões e você me diz qual você acha mais bonita. ‘Nós
trabalhamos hoje com bolsões de couro’ e a segunda é ‘Nóis trabaia hoje com borsão de
coro’? – A primera – Por quê? – Porque tem qui usá o plural aí qui não usô na segunda í ta
né só na leitura da pra vê qui segunda, a primera é melhor – As pessoas com as pessoas
você convive falam como na primeira ou como na segunda forma? – Ah, hoje em dia tá mais
claro o portugueis né, falam melhor, tem gírias sempre tem né, a genti usa, a genti erra,
mais acho qui usá, a genti hoji im dia falá mais me…, fala melhor, aprendi mais né, acho
qui é a primera – E o que você acha das pessoas que falam como na primeira forma? – São
pessoas inteligenti i qui aprendero i tá usando o qui aprendeu – E quem fala como a
segunda forma? – Ah, é são pessoas acho qui num tevi muito iestudo também, qui não
aprendeu, pessoa mais malandra qui tem muita gíria né isso – Você fala gíria? – Ai, pocas
vezes, não costumo usá muito não – Você pode ler esse texto em voz alta e no final resumir?
– Tenho, pois aqui a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e unha, razões
de simpátia e de convivência longa trouxeram esta amizade, qui fazia a felicidade das
famílias e a admiração de toda a genti, uma chamava-se Júlia e a outra Teresa esta tinha os
cabelos loiros e era clara, aquela tinha-os castanho e era morena – Resumo? – Tinha duas
amigas a Júlia e a otra – Teresa – Teresa uma era loira e a outra morena i qui tinha uma
grandi amizadi – Vou lhe mostrar três imagens e você vai me descrever o que está vendo? –
Uma praia com amigos – Esse aqui? – Iscola di aula, sala di aula, hã amigos tamém i
aprendizagi – E aqui? – São santo né, importantis, nossa! – Leitura e resumo? – O policial
do cento e noventa atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro, por favor socorro
mandem alguém urgenti, entrou um bicho terrível aqui em casa, o policial estranha o
pedido e pergunta, bicho perigoso, um animal selvagem, um cão pitibu Não, um gato mais
como assim um gato em casa Um gato pô! Ele invadiu minha casa e está caminhando em
minha direção, socoooooorrro, mais isso é rídiculo passando trote pra polícia, identifiquise já, quem está falando aí Aqui é o papagaio imbecil! – O que você leu? – Qui era um
papagaio tinha ligado pra polícia, qui tinha entrado um gato na casa dele i a polícia
achando qui era um troti né, mais na verdadi é qui papagaio tem medo di gato – Tem um
dia que considere o dia mais triste da sua vida? – Dia tristi, ai eu costumo vê por todos os
meus dias, dias felizes sabi mais, dia tristi aí, o qui me dexa muito, muito tristi mesmo é
doença sabi, mais a minha família nunca tevi doenças graves assim, eu acho qui uma, pra
mim era quasi segunda mãe, quando morreu foi tristi pra mim, era minha vizinha desdi
quando eu mudei ali na vila quando ela morreu foi difícil pra mim, pra mim ela era muito
próxima di mim, acho qui esse dia foi o dia qui eu mais baquiei mesmo – E um dia muito
feliz? – Ah o dia feliz pra mim também todo dia pra mim é felicidadi mais ah acho qui cá
minha família sempre fica muito feliz assim – Se pudesse falar alguma coisa para todos os
jovens, o que falaria? – Estudi pra tê um futuro bom e acima di tudo agarre a Deus pois
com ele vai consegui tudo – Muito obrigada!
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INF12 - tenho quinze anos, tô no primero ano do ensino médio – Você trabalha? – Não –
Onde você nasceu? – Nasci em ... – Em qual cidade? – Londrina – Você sempre morou
aqui? – Sempre, não eu sempre morei pra cá, eu moro no Posto Serrinha, eu moro no sítio e
já vai fazê, bom, desdi quando eu nasci, mais meu pai i minha mãe já mora antis – A sua
criação então é no sítio? – Isso – A sua família mora toda por ali? – A minha vó paterna e
meu vô paterno mora em Guaraci, perto di Maringá, agora o restanti é tudo im Londrina
mesmo – E você costuma ir para Londrina? – Ah, direto, onti memo eu fui, eu vô sempre – O
que vai fazer lá? – Ah, vô fazê curso, vô no centro fazê as compra, essas coisa – O Serrinha
fica relativamente entre Londrina e o Paiquerê, por que você resolveu estudar aqui e não em
Londrina? – Aqui é mais perto, eu pego, vai em casa uma van, chega no Irere eu troco, pego
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o ônibus e venho pra cá, i a van pega na porta di casa, isso di pé – O que você mais gosta
de fazer? – Ah conversá cos amigo, essas coisa – E você sempre estudou aqui? – Não eu já,
eu fiz o ensino fundamental no Irerê agora eu vim pra cá, esse é o primero ano meu aqui –
E como foi essa mudança? – Ah, no começo foi meio diferenti, você não, até conhecê as
pessoas, ah num sabia como lidá assim co as coisa – Você sabe alguma coisa da história
aqui da região? – Não – Antes tinha Festa do milho né? - Isso – Você costumava vir? – Ah,
eu vim algumas vezes só, não muito – E o que achou? – Ah bom, um poco di bagunça, mais
bom – E você sabe porque ela não acontece mais? – Não – Você já correu risco de vida? –
Não – Já ficou internada? – Não, só tenho bronquiti mesmo – E usa alguma medicação,
bombinhas? – Não, bombinha, igual a minha prima, a maioria das minhas prima tamém usa
essas bombinha, agora eu não – Qual é a importância da igreja na sua vida? – Vô, vô, eu
participo di um terço di setenta e dois peregrino dia di quarta, i como hoje é quarta eu vô
tamém, i vô na sexta e no primero domingo eu tamém vô – Então a igreja é bem importante
na sua vida? – Isso, os pai carrega pra lá i pra cá né, esses, oh domingo passado memo em
fui num retiro, já fui em dois retiro essi ano – E onde foi esse retiro? – Lá, fui um im
Londrina pra baixo do xópin catuaí – No Emahus? – Isso, ele memo, i, o, essi di domingo
passado foi no Guairacá, mais foi só no domingo no Guairacá – Qual é a importancia da
escola na sua vida? – Aprendizagi – Você acha que a escola já fez você mudar alguma coisa
na sua vida? – Já, muitas, educação principalmenti, sê mais educada – E a maneira de falar?
– Muito tamém, antis falava tudo errado, ainda tenho essas coisa um poco mais, ninguém
vai mudá di uma hora pra ota né, dessi jeito – Qual a importância da família na sua vida? –
Tudo, tudo, tudo – Você tem irmãos? – Tenho, treis irmão, dois homem e uma mulher, mais
velhos, dois casado e uma soltera, é um mora perto di São Luiz i um mora im Londrina i a
minha irmã mora cá minha tia – Lá na sua casa está só você? – Só eu, mais vêm, fica mais
em casa do qui na casa im Londrina i fica pagano aluguel ainda – E qual a importância do
trabalho? – Importância do trabalho, ah pra você aprendê, si informá mais, num ficá só
naquela rotina di istudá, istudá, istudá, apesar qui trabalhá i estudá tamém é muito corrido
né? – Não é fácil. Você costuma assistir à televisão? – Sempri, novela, alguns programas di
moda, eu quero podê um dia fazê moda, um poco di jornal tamém – E ela é importante? –
Quasi nada, pra mim televisão num tem muita importância não, isso só pra quando não tem
nada mesmo pra fazê – Qual é a pessoa com a qual você mais conversa? – A pessoa qui eu
mais converso co a minha cunhada – E se você fosse contar um segredo, contaria pra ela? –
Pra, com ela – Por que pra ela? – Ah porque eu já, sempri peguei confiança cum ela né,
apesar da minha mãe, mais eu num tenho muito papo co a minha mãe não – Há alguém
assim na sua vida em que você se espelhe? – Não, não, im coisa nova, novidadi assim tudo é
bom pra mim – Se ganhasse um prêmio hoje, com quem dividiria? – Ah meu pai e minha
mãe – Tem uma pessoa com a qual convive que você acha a mais inteligente? – Meu pai –
Por quê? – Ah, porque ele, porque além dele sabê tudo certinho, ele, como qui eu posso
explicá, ele tamém já tem uns ano di vida mais pra frenti qui eu né, bem mais aprendizado
qui eu só – Quem é mais importante hoje na sua vida? – Pai, mãe, irmão e irmã – De sábado
até hoje, com quem você mais conversou? – Sim, ca minha cunhada i a minha vizinha qui
ela é pedagoga, ela mi entendi di veiz em quando, eu vô lá pra conversá cum ela tamém – O
que sua cunhada faz? – Nada, fica im casa. Acho qui ela feiz até a sexta acho - Vou falar
algumas entidades e você me diz se são importantes, muito importantes ou sem importância.
Família? – Muito importanti – Igreja? – Importanti – Trabalho? – Importanti – Escola? –
Importanti – Amigos? – Mais ou menos, nem sempre são amigos di verdadi né, sempre tem
um qui passa a rastera na genti – Televisão? – Não é importanti – Leitura? – É importanti –
Você costuma ler? – Di veiz im quando, bem difícil – E o que você já leu? – Ah, um romanci
essas coisa, umas poesia, comédia e um di ação – Se você fosse viajar hoje, para onde iria?
– Pra capital da moda, Londres – Quem levaria com você? – A minha irmã – O que fariam
lá? – Ah, num sei o qui vai sê di mim não, mais sei qui nóis ia olhá tudo, olhá aquelas
coisas, compará, olha os famosos, não os famosos, a bolsa dos famosos, muito legal – Você
pretende fazer faculdade de – Moda? – E por que você escolheu moda? – Ah, porque eu
amo dimais, dimais, dimais, num tem uma coisa qui passa na televisão qui eu num perco, si
eu perdê vô na interneti e já procuro – E você lê coisas sobre moda? – Todo dia, todo dia.
Vô na interneti pra vê e pra lê. - Qual a profissão dos seus pais? – Meu pai, ele é agricultor
e minha mãe fica im casa mesmo – E eles têm estudo? – Até a quarta série, i são mais
inteligenti qui eu qui tô no primero ano – Cada pessoa tem a sua inteligencia né? – É bem
diferenti, qui nem minha mãe fala, você nasceu onti i qué sabê mais qui eu - Quando você
era pequena, eles liam ou contavam alguma história para você? – Não – O seu pai é o dono
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das terras ou trabalha para alguém? – Trabalha pra alguém, ele é o, ele é como fala – O
administrador? – Não, ele é impregado, mais eles se dá bem, nossa dimais, é, o patrão é
padrinho do meu irmão, eu já chamo o patrão di tio, dessi jeito – Você sabe o que ele faz? –
Ele é aposentado, eu num sei se ele é aposentado mais ele, ele vive lá no sítio mesmo –
Mora por lá? – Aham, não ele mora im Londrina – Mas sempre está lá? – Sempre todo, todo
dia seis e meia, a hora qui tô saino pra vim pra iscola, não, não seis i meia, a hora qui eu tô
si arrumano ainda ele já tá ligano ‘como tá o sítio, hoje vai fazê isso, isso, isso’ co meu pai
– Como você se relaciona com os professores? – Converso cá professora di portugueis qui
eu precisei – Elaine ou a Geovana? – A Elaine, é daí converso um poco, aquele um qui entrô
aqui eu já briguei cum ele, isso por causo da matéria di inglêis, teve qui vim minha mãe
aqui, eu tentei uma discusão ali mais passô, depois ainda passei ainda o bloco - Por qual
motivo? – É, ele fala, uma hora ele falava uma coisa, otra hora ele falava ota – Você acha
que alguma pessoa te influência de alguma maneira? – Uma coisa boa? – É – Sim, meus
amigo, meus professor, eu tenho uns amigos tamém qui são, mi levam pra muita coisa boa i
eu nem mi tocava – Tem algum momento em sua vida que você se preocupra em falar mais
caprichadamente? – Ah, não – Você sabe falar portugues? – Não, muito poco – Por quê? – A
matéria mais ruim minha é portuguêis - Por quê? – ah porque di ano em ano, num sei si
meses i meses cada vai mudano as palavras né, os símbolo, essas coisa – Então você acha
que a língua que você fala é diferente do português que você aprende na escola? – Isso – Por
quê– Ah porque ela vai se renovano né, i nem sempre você consegue acompanhá ela tudo
certinho, intão num consegue falá certinho tamém – O que é falar certo para você? – Fala
certo Não diria tudo certo, mais um bom, boa parti, dizê certo seria o qui você aprendeu na
iscola, a sua própria língua, aprendê a falá portugueis é você aprendê a sua própria língua
certo – Eu vou ler duas expressões e você me diz qual é a mais bonita. ‘Nós trabalhamos
hoje com bolsões de couro’ ou ‘Nóis trabaia hoje com borsão de coro’?– A primera – Por
quê? – Porque ela é bem mai detalhada, bem mais falada, certa né – As pessoas que
convivem com você falam mais como a primeira ou como a segunda forma? – A segunda –
Por que elas falam assim? – Ah porque já começa falano errado desdi o começo, aí vai se
acostumano, vai falano errado, vai falano errado, agora quando você já começa falano
certo, já vai acostumano, falano certo né – E o que você pensa das pessoas que falam como
na primeira forma de falar? – Muito inteligenti, dimais – E os que falam como na segunda?
– Ah num tevi muito istudo – Você fala gíria? – Poco, bem poco – Você pode ler esse texto
em voz alta e depois resumir? – Tá pode sê, tenho pois aqui a história de duas mulheres
amigas unidas como carne e unha, razões de simpatia e de convivência longa trouxeram
esta amizade qui fazia a felicidadi das famílias e a admiração di toda a genti, uma
chamava-se Júlia e a ota Teresa essa tinha cabelos loiros e era clara, aquela tinha-os
castanhos e era morena – Você me conta o que leu? – Qui, dexa eu só vê o nome, qui a
Júlia, ela era clara dos olhos verdi, e a Teresa era mais morena dos olhos (Ininteligível ), aí
tá pareceno mais parti do racismo, um branco e outro moreno, qui hoje isso é uma coisa
qui a maioria dos moreno, os branco julga muito os moreno, apesar qui eu tenho vários
amigos mais moreno i eles num liga não, eles zoa comigo tamém i é assim, uma amizadi
bem forti – Eu vou mostrar algumas figuras e você me diz o que você vê. O que vê aqui? –
Uma boa imagem di um cara muito bom qui feiz tamém, i da igreja – E aqui? – O colégio,
sem dúvida, os aluno aprendeno – E essa daqui? – Diversão, pura diversão com os subrinho
i os amigo na praia – Agora eu vou pedir para você ler também esse texto e depois resumir?
- o policial do um nove zero atendeu o telefone e foi anotano o pedido de socorro, por favor,
socorro mandem alguém urgenti entrou um bicho terrível aqui em casa, o policial estranha
o pedido e pergunta, bicho perigoso, um animal selvagem, um cão pitibuu Não um gato!
Mais como assim um gato em casa Um gato pô! Ele invadiu minha casa e está caminhando
em minha direção, socorrrrrroo! Mais isso é ridículo, passano troti pra polícia, identifiquise, quem está falano aí Aqui é o papagaio imbecíl! – O que você entedeu? – Qui era um
papagaio qui tava passano um troti pra polícia, brincano com a cara da polícia e
ultimamenti tá teno muita essas coisas, tão fazeno propaganda qui os policiais pedino pra
não passa troti, o telefone público memo im distrito essas coisa acontece muito disso,
especialmenti entre os adolescentis qui não têm nada o qui fazê – Já teve um dia que foi
mais triste da sua vida? – Sim – Você pode falar um pouquinho desse dia? – Não – E um dia
feliz? – Sim, o dia em qui, dexo vê, o dia qui meu subrinho nasceu tamém, porque eu tenho
seis sobrinho, são cinco, é quatro homens e uma menininha, i o otro mais novo qui eu, qui é
um homi, teve um, tá lá im casa uma hora dessa – E você como você se relaciona com essas
crianças? – Dimais, criança não porque tem um qui é dizenove, tem um qui é da minha
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idadi, tem um di treze, um di seti, i a menininha di quatro e esse um novinho di um aninho –
E e se você pudesse falar alguma coisa para os jovens, o que falaria? – Ser mais educados,
pensá um poco mais nas coisa qui estão fazeno, não í muito pelas cabeças dos oto, influ,
influ - Não se influenciar? – É, porque muitos vão pela cabeça dos otos, num si drogá qui é
essa coisa tá aconteceno cada dia tá piorano que bagunça é assim, i só, tê mais respeito di
si próprio – Muito obrigada.
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INF13 - dezessete anos e tô no primero ano, né - Onde você nasceu? – Eu Nasci im
Londrina - E você mora no Distrito mesmo? - Moro exatamenti - E você sempre morou por
ali? – Sim, eu já mudei, é único lugar mais longi foi no Posto Serrinha qui mudei duas vezes
sabe, ida e volta na fazenda la qui eu morava - Então você morou no sítio já? – Sim morei
no sítio já - Hoje você mora no centro do distrito? – É, no, ali mesmo - Você trabalha? – Ah,
óia às vezes co meu tio, mais não fixo, sabi é, ah ajudo meu tio, ele é, ele mexi cum gesso,
gessero, eu só ajudo mesmo não passo a hora intera - Então você nunca trabalhou de forma
fixa? – Não, não - E sua família toda mora ali? – É algumas mora aqui, tem, tem família
vive im São Paulo também, é na verdadi, eu tenho duas família né, eu sou adotado, aí a
minha família agora qui eu vivo mora no Paiquerê, nas proximidadis Irerê, posto serrinha,
São Paulo – E sua família de origem, mora por aqui também? – Mora alguns, sim - E vocês
têm contato? – Sim, só cum minha mãe não – Sabe como aconteceu? – Não, só sei qui eu fui
adotado comum só - Sua família te contou? - Contô desdi piqueno eles já me contaro - E
você tem contato com as duas? – Sim. Agora tá complicado, porque eis tá brigando. Mais
num quero morá cum eles não. Você costuma ir pra Londrina? – Sim - Em que ocasião? –
Óia, tem veiz qui vô pa pagá umas conta, comprá rémedio, essas coisa - E o que você mais
gosta de fazer? – Eu gosto di jogá bola - Mas você joga em time ou você só por...? – Não,
eu jogo campeonato na quadra assim, no campo eu num sô muito, é na quadra - E você
veio pra esse colégio esse ano? - Essi ano - E como foi essa mudança? – Óia, pra mim no
começo num gostei muito não, falá bem a verdade, num gostei, mais depois fui fazê
amizadis né, intão gostá dos professores - É a mudança é difícil né? – É difícil - Você já
teve em situação em que correu risco de vida? – Risco di vida Não, acho qui não - Já ficou
doente? - Intão, mais quando era bebê, fiquei vinti i quatro dias internado, pineumonia sabi,
essas coisa, eu tinha muita bronquiti, curô agora, uma dessas, uns tempo pra cá, essi ano,
ixi, é um, cansa, cê num podi fazê nada assim fica cansado é muito ruim - E você sabe
alguma coisa da história do Distrito? – História Eu sei qui me pai conta pra mim qui é,
muitas, muitas pessoa já moraram ali, pessoas tipo pessoas famosas sabi, Camargo memo
ali sei si já morou por aqui tamem, como formação eu ouvi dizê qui ali ah, nas proximidadi,
o Irerê foi o primero lugar qui teve teatro, teve cinema quér dizê, primero lugar até antis
qui Londrina, teve delegacia também, antigamenti - Quando tinha festa do milho, você
costumava frequentar? – Nunca vim na vida, tinha vontadi sim, mais meus pais é muito
rígidos, eles num deixava, como saia muitas brigas, não, é briga direto - Você frequenta a
igreja? – Frequento, fui batizado esses dia, domingo agora fiz a primera comunhão, oia, eu
gosto muito di igreja, todo domingo e quarta fera eu vô – Por que você se batizou só agora?
– Porque eu num fui batizado quando eu era bebê daí, daí já não ia, não, não tinha riligião,
era pagão - E você optou por ser católico? – Tem, é, foi té bom batizá agora qui daí eu
gosto, tô tocano na igreja também, vô começá tocá violão, cantá, tô tô gostano mesmo di
segui essi caminho, a maioria dos jovem di hoje em dia num tá querendo segui essi caminho
di igreja, prefere i pra otros canto, essas coisa - E qual a importância da escola pra você? –
Ué a iscola é muito importanti por causo qui aprendizagi né, é qui nem professor, tem muita
genti qui fala qui num gosta dos professores i tal, só qui o qui seria di nóis sem os
professores né, pra, senão a genti num seria nada - Qual a importância do trabalho? – Óia,
eu tô querendo muito trabalhá, eu já era pra mim tá trabalhano já fixo já, mais eu num
tenho documento, ai né, por causa dessa minha identidadi di duas família lá sabi, quiria
ajudá meu pais tamém, todo mundo passa necessidadi né, ai poder ajudá-los só - E a
importância da família? – Óia, família, família tem qui tá sempre unido, pra lutá sempre
junto, agora a minha assim, já num tá tão assim mais, ai é, mai eu amo todo mundo, família
é primero lugar - E você assiste à televisão? – Assisto sim – E qual a importância da
televisão na sua vida? – Óia, acho qui importância num tem muita importância não, acho
qui é mais um lazer né, quando a genti num tem pa fazê sabi, vai lá e asséste tevezinha com
a veinha, i peguei mania di assisti novela com minha mãe, intão, aí sim – Qual é a pessoa
com a qual você mais conversa? – É, pode sê da família, amigo - Em geral? - Mais converso
Ah, acho qui é ca minha mãe - Se fosse contar um segredo, pra quem contaria? - Pro meu
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amigo, melhor amigo, ele é daqui da, o Bruno, do nono ano - Tem uma pessoa em quem
você se espelhe? – Tem. Meu pai, o cara é genial, apesar dele não tê estudo, ele trabalha
como pedrero, mais eu quero sê como ele, a pessoa sabi, o caráter, quero sê como ele - E
qual a pessoa mais importante na sua vida? – Óia, as pessoa mais importanti na minha vida,
meu pai, minha mãe, minha famia, pra mim meus amigos - Se ganhasse um prêmio hoje,
com quem dividiria? – Meu pai, minha mãe, di certeza - E tem alguma pessoa que você
considere inteligente? – Mais inteligenti mesmo, acho qui a minha madrinha, ela é muito
inteligenti – Por quê? - Ah acho qui ela leva uma vida sabi sem, sem muito essas coisas do
mundo sabi, ela é sossegada, é muito genti boa, não costuma falá essas palavrão assim, i é
muito isperta tamem, trabaia na, im impresa, essas coisa sabi, muito inteligenti - De sábado
até hoje, com quem você mais conversou? - Di sábado até hoje é, foi ca minha mãe e meu
pai qui eu comunico bem - Se viajasse hoje, quem levaria e pra onde iria? - Até quantas
pessoas pode levá – Quantas você quiser? – Nossa, eu levava minha famia intera, meus
amigos - E pra onde você iria? – Gostaria muito de conhecê a praia, praia pra mim é um
sonho qui eu quero realizá tão cedo - Vou falar algumas entidades e você me diz se são
importantes, muito importantes ou não têm importância Família? - Muito importanti –
Igreja? - Muito importanti – Trabalho? - Muito importanti tamem – Escola? - Muito
importanti – Amigos? - Muito importanti quando eles é verdadeiro – Televisão? - Não tem
importância – Leitura? - Importanti - Você costuma ler? – Hum, leio bastanti gibis – Ah, é,
você lê gibi? – Gosto, gosto muito, Turma da Mônica gosto muito - Você pretende fazer
faculdade? - Pretendo, pretendo sim – E já pensou num curso? – Oia, eu quiria fazê
adiministração, trabalhá im impresa assim qui eu vejo qui o pessoal se dá muito bem
quando a pessoa vai firme memo no trabalho, vai muito bem e eu quero pode ganhá um
dinhero digno assim sabe, ajudá minha família senão, meu pai coitado ele, eu vejo o
sofrimento dele, trabaia como pedrero i ai, ganha muito poco, é difícil - E você pretende
criar a sua própria família? – Com certeza, meu maior sonho é tê meu filho, dois no máximo,
porque hoji im dia si a genti tivé muito fio é pirigoso você num guentá sustentá – O que sua
mãe faz? - Minha mãe ela é dona di casa, tá sempre presenti - E o seu pai trabalha por aqui?
– Óia, ele ultimamenti tá trabaindo im Londrina na impresa - Ele não é autônomo? – Não,
mais ele trabaia aos sábados i domingos tamem, qui daí eu dô uma força pra ele, qui é
fazeno uns bico né, é aqui no Paiquerê mesmo, é tem qui fazê né, pá ganhá umas economias
- Seus pais têm estudo? - O meu pai, como eu falei pru ce qui ele não foi na iscola né, ele
até não sabi lê direito, mai conta sabi fazê mió qui eu, agora minha mãe ela estudô até a
quinta série só – Quando você era pequeno, alguém lia historinhas pra você? – Óia, qui eu
lembre acho qui minha antiga professora di literatura, era o único, minha família acho qui
nunca leu assim pra mim não - Só na escola que você teve esse contato com leitura? – É,
cum certeza, a não ser quando era piqueno qui ai num lembro, é, mais até qui lembro não –
Como você se relaciona com seus professores? – Óia, falá bem a verdadi, eu sô muito
brincalhão assim, tem veiz qui eu passo do limiti, qui meu professor João Eduardo, ai
mesmo qui a genti fica trocano as famosas tiradas né, intão, é sô mais, tô, tô bem, tirei
nenhuma vermeia nas matéria deis, tô bem, vô passa di ano, si Deus quisé - Você acha que
alguém te influencia de alguma maneira? - A sê quem eu sou É eu tento mi ispelhá muito no
meu pai, como eu já le disse, i no meu tio tamém - Seu tio faz o que? - É gessero, lá qui eu
trabaiei - Ele tem um gesso conta própria? – Tem, ele tem uma impresa, ele abriu a impresa
agora, é aqui no Irerê, im Londrina, eu, qué dizê, começô agora - Tem algum momento que
você se preocupa em falar mais caprichadamente? – Sim – Quando? – Qui nem agora –
Você está se preocupando mais agora Por quê? – Ah, porque sim, porque não né, falá
qualqué coisa qui nem numa intrevista di um imprego, si você fô falá qualqué coisa lá di
palavras diferentis o cara já num, num aceita né, tem qui começá lidá cum isso deisdi agora
- Você sabe falar português? – Acho qui sim - Por quê? – Porqui é nossa linguagi di origi –
Você acha que a língua que você fala é diferente da que você aprende na aula de português?
– Acho qui sim - Em que sentido? – Não, não em sintido muito assim sabi essi sintido, como
eu posso dizê, sei lá, sintido diferentí pra pra mim sabi, mai num é tipo errado, o jeito
errado sabi qui nem, os oto fala qui nem ‘os oto’, ‘os oto’ num existi não né essa palavra
mais – E o que é falar certo pra você? – Falá certo, ué falá certo é, é falá sobri coisa séria
sabi, sem brincaderas, falá sério mesmo – Eu lerei duas expressões e você me fala qual é a
mais bonita, pode ser - Sim - A primeira é ‘nós trabalhamos hoje com bolsões de couro’ e a
segunda é ‘nóis trabaia hoje com borsão de couro’? - A primeira né – Por quê? – Porque é a,
é a linguagi formal da cidadi né, porque se fô falá dessi jeito aí o pessoal vai dá dá muita
risada, qui é o jeito caipira di si falá qui eles fala né – O que você pensa sobre pessoas que
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falam como na primeira forma? - Óia, é que têm istudo, inteligentis né, qui deve tê dinhero –
E a segunda? - Segunda é genti di pobre, trabaia na roça, qui num tevi istudo - As pessoas
com que você vive falam de qual maneira? - É da segunda, é eu acho qui a maioria dos, as
criança hoji im dia não, qui as crianças estão tendo muito istudo, acho qui antigamenti eles
não tinha essa, essa assistência qui eles têm hoji aqui pra istudá sabi, prá aprendê, e o
acesso é mais fácil, é eles aprendi, lá no passado, por isso qui eles até paro di istudá,
porque tinha qui ajudá a família, sei lá, era muito sofrido né, talvez hoji im dia tem muito
istudo qui a genti acaba isqueceno dos qui ficô pra trais né, ai escondi, acho qui influencia
um poco - Você fala gíria? – Falava, até esses tempo atráis, eu falava i parei, é eu parei né
di falá isso ai porque, lindo do jeito qui é isso, andava até os treze ano, ixi maria, eu quiria
andá, mi ispelhá nesses cantores aí qui tá aparecendo né, di fanqui tal, bonezinho
abarrento tudo, agora, parei cum isso - E você acha que a igreja fez você mudar? - Com
certeza, parei cum tudo – Você pode ler em voz alta esse pequeno trecho e depois resumir?–
Podi começá Tenho pois aqui a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e
unha, razões de simpatia e di convivência longa trouxeram esta amizadi, qui fazia a
felicidadi das famílias i a adimiração de toda a genti, uma chamava-se Júlia e a outra
Teresa, estas esta tinha cabelos louros e era clara, aquela tinha-os castanhos e era morena.
– Pode me resumir o que você leu? – Ah duas amigas né, qui aparências diferenti né, qui,
acho cor di pele diferenti tamém né, acho qui na época passada tinha esse preconceito né,
entre as duas raças, é isso, amizadi, juntas, unidas - Agora esse? - Tá, o policial do cento e
noventa atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro por favor socorro mande
alguém urgenti entrou um bicho terrível aqui em casa o policial estranha o pedido e
pergunta, Bicho perigoso, um animal selvagem um cão pitibuu Não um gato, mais como
assim um gato em casa Um gato pô, ele invadiu minha casa e está caminhando em minha
direção, socorrrrro mais isso é ridículo passando troti pra polícia identifiqui-se já quem
está falando por aí, aqui é o papagaio ímbecil! – O que você leu? – Ah isso aqui é qui nem
a história do gibi né, o gibi assim si pareci muito porque o papagaio também disse qui, fala
bastanti, acho qui achou qui seria uma, uma verídica né, ou seja, alguma qui é, qui toca
muito lá o telefone deis lá, cum pedido di socorro, mais muita genti passa troti assim
mesmo, acha qui isso aqui é uma realidadi – Por favor, você pode descrever o que vê? –
Podi falá já É, é santos isso aí. Intão eu acredito muito né, sou, creio bastanti im santos,
nos discípulos, o sentimento di amor, sentimento di amor, fé - Agora esse aqui? –
Felicidadi, os treis molequis são muito felizes na praia jogano futebol - E aqui? - É
aprendizagi, um aluno colaborano com a, com a com a aula né, escrevendo no quadro,
mais cadê a professora Ah, a professora devi tá falano pra ele fazê lá contas né é isso ai –
Tem um dia que você considera o dia mais triste da sua vida? – O dia mais tristi da minha
vida É teve um o dia agora qui o pai do meu padrinho morreu, eu chorei, é difícil, é difícil
né, convivia muito assim né, eu cheguei a chorá mesmo, i ó qui sô forti nisso, eu num choro
não muito fácil assim não - E do que ele morreu? – A doença mais feia qui tem, câncer - E
teve o dia mais feliz? – Foi, foi o dia qui eu passei lá no, da oitava série, passei pra cá né, o
dia qui eu passei, aí nóis ganhô um passeio lá po Odiparqui, nossa, mai foi muito bom,
nunca tinha ido, é, é pra mim era, é primera i úrtima veiz, eu acho, qui é muito caro as
coisa, nóis, nóis tevi qui juntá um dinhero, alugá ônibus, alugá quiosque, levá cumida, é
difícil mais - Ai vocês passaram o dia? – O dia intero, deis das deiz da manhã até as seis,
mai me diverti muito, foi a turma toda da sala, mai a nossa aula num tinha muito aluno, no
máximo era onzi, onzi aluno, mais juntô é duas oitava, ai juntô as duas, uma di onzi otra di
dizesseis, dizesseis aluno, foi muito bom - Se você pudesse falar alguma coisa para todos os
jovens, o que falaria? – Óia, é tem muita, muito jovem si ispeiando, i a maioria qui eu vejo,
eu só vejo im Londrina jovens dessi tipo aí, si ispeiando im roqueros, fanqueros, é muito
raro vê argum jovem sertanejo por ai né, qui gosta di música sertaneja, aquelas música di
raiz, intão pra num, num si espelhá nessas música, aquela música só fala o qui di
bandidagi, di assassinato, pedofolia essas coisa, essas coisa nojenta e daí acho acho qui
isso aí, inspirá essas jovens, essas crianças di arguma forma, porque eu acho qui inspira
sim essas música, é, esse traficanti sabi, eu acho qui é isso - Agradeço muito.
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INF14 – Estou no primero ano do ensino médio e tenho quatorze anos - Onde você nasceu?
– Ah em Londrina mesmo - Você sempre morou por aqui? – Sim - Você mora no Distrito
né? – Isso - Você trabalha? – Não - E já trabalhou? – Não - Sua família toda mora por aqui?
– Sim - Você costuma ir pra Londrina? –Às vezes, ah mais di, im fim di semana pra passeá
geralmenti, co a família - O que você mais gosta de fazer? – Jogá bola - E você joga assim
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oficialmente ou só com os amigos? – Não, só jogo com a molecadinha mesmo - Você
sempre estudou aqui? – Sim - Você sabe alguma coisa da história aqui do Patrimônio? – Não
- Quando tinha a festa do milho aqui, você costumava participar? – Sim - E o que achava da
festa? – Ah eu achava muito interessanti né - Você sabe porque ela acabou? – Intão, dizem
qui por causa di recurso, dizem qui foi por causo qui não liberaram a verba pra festa,
parece qui não requeriram, na verdadi, num teve uma comissão organizadora direito, qui
organizasse, i o prefeito liberasse, intão não há verba, num fizero projeto - Você já correu
risco de vida? – Não - Você já ficou doente? – Já, ah na verdadi, eu já corri risco di vida
sim, assim, o ano passado eu mi intoquisiquei cum veneno, eu tava caminhando i o homem
tava passano veneno na propriedadi agrícola aí veio co vento, aí mi intoquisiquei, fiquei
internado, um monti di tratamento tive qui fazê, i im dois mil e nove também peguei suspeita
di gripe A, fiquei dizesseis dias im casa gritano - Qual a importância da igreja na sua vida?
– Ah, mais na fé né, mais na parti di fé mesmo, cum Deus - Qual é a importância do trabalho
na sua vida? – Bom, acho qui o trabalho podi vir mais é, como posso falá, vários benefícios
pra você né, um salário, cê também vai convivê com outras pessoa, você vai fazê o qui você
gosta no trabalho assim, intão é isso, intendeu, o qui você gosta no lugar – E qual a
importância da família? – Ah família é tudo né, família é tudo - Você tem irmãos? – Tenho,
dois, uma menina e um molequi, os dois é mais velho - Tem algum casado? – Meu irmão –
Você assiste à televisão? – Sim, novela i jornal - E qual seria a importância da televisão na
sua vida? – Ah, no entretenimento, né - Qual é a pessoa com a qual você mais conversa? –
Qui eu mais converso em casa – Geral? - No geral, meus amigos i minha família - Se você
fosse contar um segredo, pra quem contaria? – Minha mãe - E tem alguma pessoa que você
tenha como modelo de vida? – Tem meu tio i minha tia – Por quê? – Ah, por causo qui eles
trabalham do jeito mais, em várias, na vida deles foi conquistando muitas coisas sabi,
muitas coisa boa, comprô carro, conseguiu comprá a casa, já tá no nome deles, tudo
certinho, carro né, casa, tudo no nome, não tivero qui ficá pagano aluguel né - E se você
ganhasse um prêmio hoje, com quem você dividiria? – Minha mãe - Tem alguma pessoa
com a qual você se relaciona que considera muito inteligente? – Minha vó – Por quê? – Ah
ela é muito, sabi, ela sabi muito, sabi, ela tem uma ixperiência di vida muito boa, pur isso –
Quem é a pessoa mais importante na sua vida? – Meu vô, minha vó, minha mãe, meu pai,
minha irmã e meu irmão – De sábado até hoje, quais foram as pessoas com as quais você
mais conversou? – Meu primo, minha prima, a minha família intera por causo qui teve um
aniversário da minha vó, aí deu uma festa, intão conversô cum todo mundo, foi muito boa a
festa né, qui ela tava muito feliz, cheio di bejinho, brigadero pra ela, i cheio di presenti i ela
adora, ah, tava boa a festa - Eu vou falar algumas entidades e você me fala se são
importantes, muito importantes ou não tem importância tá. Família? - Importanti, muito
importanti – Igreja? – Importanti – Trabalho? - Importanti – Escola? - Importanti –
Amigos? - Importanti – Televisão? - Mais ou menos – Leitura? - Importanti - Você costuma
ler? – Às vezes eu leio um livro, agora eu ganhei uma inciclopédia do Decamerão, agora eu
vô lê por causo qui principalmenti cai im vestibular - Se você fosse viajar hoje, pra onde
você iria? – Pra praia - Quem levaria com você? – Meu pai e minha mãe - E o que você
acha que iriam fazer? – Ah andá bastanti lá no mar – Você quer fazer faculdade? – Uhum –
Qual curso? – Já, eu vô fazê, não primero eu tô pensando em trabalhá cum tecnologia, mais
eu vô fazê mesmo jornalismo - O que seus pais fazem? – Minha mãe trabalha di faxinera e
meu pai ele é conferenti, ele confere Natura - E eles têm estudo? – Meu pai tava estudando
até poco tempo, mais ai ele desistiu por caso qui muito cansaço, dava muito, já minha mãe
não, ela tem só o ensino fundamental completo - Então os dois sabem ler e escrever? – Sabi,
lê i iscrevi - Quando você era pequeno, alguém lia pra você? – Não, num lia não - Como é
seu relacionamento com os professores? – Bom, sim di boa - Você acha que alguma pessoa
te influencia de alguma maneira? – Não, ah, pas coisas boas sim, minha mãe, minha vó
principalmenti - Tem algum momento em que você se preocupa em falar mais caprichado?
– Tem – Quando? – Ah quando eu estou perto com pessoas da cidadi principalmenti, aí
parece qui capricho mais né - Tem uma pessoa que faz com que você se preocupe mais com
essa fala quando você conversa com ela? – Ah minha mãe - Você sabe falar português? –
Sim - Por quê? – Bom, primero qui a genti istuda sempre, tá no dia a dia da genti, i ota qui
a genti convive com isso né, tem qui conversá cum otras pessoas intão - Você acha que a
língua que você fala é diferente da língua que aprende na escola? – Não – O que é falar
certo pra você? – Ah não errá muito né nas palavras - Eu vou ler duas expressões e você me
fala qual a mais bonita. A primeira é ‘nós trabalhamos hoje com bolsões de couro’ e a
segunda ‘é nóis trabaia hoje com borsão de couro’? - A primera – Por quê? – Porque tá mais
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correta né - As pessoas com quem você convive falam mais como na primeira ou da
segunda forma? – Da primera – O que você pensa das pessoas que falam como a primeira
expressão? – Bom, cê pensá melhor sobre elas, mais qui eu, penso qui, como elas falam,
igual a segunda cê vai intende: ou num teve istudo ou num teve a oportunidadi – Você fala
gíria? – Não. Muito raro - Você lê esse pequeno trecho e no final pode resumir pra mim? –
Tenho pois aqui a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e unha razões de
simpatia e de convivência longa trouxeram qui essa amizade qui fazia a felicidade das
famílias e a diversão de toda genti uma chamava-se Júlia e a outra Tereza esta tinha
cabelos louros e era claro aquela tinhas castanhos e era moreno, - O que você leu? – Bom
eu li sobre duas amigas, uma era loira a otra era morena, qui elas eram muito amigas qui
elas viviam como carne i unha - Agora vou te mostrar algumas imagens e você me fala o
que está vendo? – Bem, religiosidadi, os desenho né, bonito dimais né muito bonito - E essa
aqui? – Alunos estudando, bom também, também gostei bastanti - E essa? – Futibol na
praia, ah, é muito bom - Agora você lê de novo esse trecho? - O policial do cento e noventa
atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro por favor socorro mandem alguém
urgenti entrou um bicho terrível aqui em casa o policial respondeu o pedido e pergunta
bicho perigoso, um animal selvagem um cão pitbull Não um gato mais como assim um gato
em casa, um gato pô invadiu a minha casa e está caminhando em minha direção socorrro,
mais isso é ridículo passando trote para a polícia pra polícia, identifiqui-se já quem está
falando aí Aqui é o papagaio imbecil! Bom, aqui mostra qui é um troti, aí o policial primero
ele num sabia qui era troti, ele procurô sabê direito sobre a situação pra ele mandá a
viatura né como sempre, todo o policial faiz isso, mais a verdadi era um papagaio qui tava
passando um troti - Agora queria que você me falasse um dia que foi muito feliz na sua
vida? – Quando eu nasci – E um dia muito triste? – Ah quando eu fiquei doenti a última
veiz, nossa foi muito ruim - Você pode falar um pouquinho sobre isso? – Nossa fui, im uma
semana fui oito vezes no pronto socorro, fui várias vezes no pronto socorro do Evangélico,
até aí, cada dia era uma coisa, um dia era vômito i diarreia, oto dia era muita dor di
cabeça, pressão começô a subi, aí até qui eu tinha marca..., a minha mãe tinha marcado
uma neuro, aí eu fui, aí ela pegô e feiz o eletro na minha cabeça nada, ela disse qui poderia
ser intoquisicação, aí ele foi pesquisá direto e viu, analisou melhor e era, aí os, inclusive os
espasmos qui eu tive, era muito igual, aí ela pegô, procurô sabê direito e me internô direto
eu fui saí onze, oito hora di casa qui tive qui fazê exame di sangue, aí saí em jejum intão aí
fiquei até onze hora lá aí depois até duas e meia, isperando pa se internado, aí depois fiz
tomografia, num deu nad, fiz eletro certinho até no cardiologista eu fui, tava tendo visão
dupla, foi foi feio. Foi uma correria é - Se você tivesse como falar alguma coisa para todos
os jovens hoje, o que você falaria? – Não usem drogas, isso só istraga a vida - Muito
obrigada.
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INF15 – Tô no segundo ano e tenho dezesseis ano – Onde você nasceu? – Londrina – E
você sempre morou aqui no Paiquerê? – No sítio, Guairacá eu moro – Você sempre morou
lá? – Uhum – Você trabalha? – Ah, ajudo meu tio, meu pai, ah é serviço, no sítio – Mas é
uma coisa diária? – Quasi, quasi diária - A sua família toda mora sítio? – Não tem, tem
genti im Londrina, tio, prima – Você mora com seus pais? – Aham – Você tem irmãos? –
Tenho – Quantos? – Uma irmã e um irmão, um da mema idade minha, vai vim aí – São
gêmeos? – Aham, i uma irmã mais velha, vinti i quatro anos, casada – Você costuma ir para
Londrina? – Ah, veiz im quando, ah, pa comprá umas ropa, fazê é compras im mercado daí
eu vô co pai, passiá – O que você mais gosta de fazer? – Mais gosto di fazê... Gosto bastanti
di andá di moto – Mas você não tem habilitação? – Não, tem moto mais habilitação não, só
no sítio lá – Você tem a sua moto? – Tem co meu irmão, metadi cada um – Você sempre
estudou aqui nesse colégio? – Não, lá no sítio tamém istudei di primera a quarta, da quinta
até o tercero aqui – Você sabe alguma coisa da história de Paiquerê? – Eu não – Aqui tinha
a festa do milho né? – Uhum - Você veio em alguma? – Não, sempre vinha, era todos os
ano – Vinha com quem? – Co meu pai, minha mãe, algum tio as veiz vinha também – Você
já correu perigo de vida? – Risco di vida, acho qui não – Já ficou doente no hospital? – Não,
no hospital não – Qual foi o dia mais feliz da sua vida até hoje? – Mais feliz Ah gostei
bastanti quando eu fui pra praia – Alguns dias? – Ahã, foi dozi dias – Por quê? – Ah nunca
tinha ido, primera vez i era a vontadi né di um dia dá certo né – E já teve um dia triste? –
Quando meu vô morreu, primero qui morreu foi um dia meio tristi – Qual é a pessoa com a
qual você mais conversa? – Co meu irmão qui mais converso, tá sempre por perto – E se
fosse contar um segredo, contaria para quem? – Prele né – Pro seu pai e sua mãe não? –
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Não, o dependi o qui houve num tem nenhuma importância di falá não, eu conversaria sim
– Tem alguma pessoa em que você se espelhe? – Ah acho qui meu pai na responsabilidadi
né qui ele tem, i ele é uma pessoa qui, pá... isquici a palavra agora, é... si inspirá – Se
ganhasse um prêmio hoje, com quem dividiria? – Coa minha irmã, ela tá fazeno a casa dela
aí tá precisano di dinhero, ajudaria ela – Há algum momento em que você se preocupa em
falar mais caprichadamente? – Ah quando tá na iscola fazeno seminário aí tem qui tentá
falá mais certo – Agora você tá preocupado com isso? – Ah, não, tô di boa – Alguém te
influência de alguma maneira? – Mi influencia Qui eu ouço um pouco a minha irmã, aham,
qué o melhor pra minha vida, ela sempre fala – Você sabe falar português? – Ah acho qui
sei um poco né – Por que só um pouco? – Porque é muito, muitas palavra, né é, não é todas
qui você fala certo, num tenho muita, muito conhecimento – Você acha que a língua que
você fala é diferente daquela que você estuda na aula de portugues? – Não é, mais ou meno,
dependi a a palavra mais sem, é bem bem igual, parecido assim – Vou ler duas expressões e
você me diz qual é mais bonita, certo ‘Nós trabalhamos hoje com bolsões de couro’ ou
‘Nóis trabaia hoje com borsão de couro’?– A primera – Por quê? – Ah ela do jeito qui tá
escrita certo, acho qui ela é mais bonita – Você convive com pessoas que falam como a
primeira ou segunda forma? – A primera, eita, o meu vô num tem tanto istudo mais, ele teve
um pouco, mais num fala dessi jeito não – O que você pensa de pessoas que falam como a
primeira expressão? – Da primera, ah é o modo certo di falá i é o jeito qui ela aprendeu,
talveiz – E de pessoas que falam da segunda forma? – Ah alguém qui tem talvez um sotaque
dessi jeito daí ele num po..., num tem como mudá ou talveiz alguma pessoa qui não tevi
istudo aí talveiz fala dessi jeito – Você fala gíria? – Hum, talveiz algumas palavra da tipo
brincado daí fala, eu falo alguma veiz, brincano – Em que ocasiões você se preocupa em
não falar gíria? – Ah quando tá perto da família né intera reunida, aí é meio difícil né ficá
disso né, falá palavrão essas coisa, a gíria nem tanto porque talveiz sai uma brincadera lá,
aí falo - Qual é a importância da igreja na sua vida? – Ah bastanti – De que religião qui você
é? – Católica – E qual a importância da escola na sua vida? – Ótima, boa – Qual a
importância da televisão na sua vida? – Bom – Você assiste bastante? – Assisto sempre –
Você já deixou de fazer alguma coisa por causa da televisão ou deixa? – Não nunca dexei,
mais só qui sempre dexo po, pra depois qui cabá um filme talveiz daí eu qui não tenho tanta
pressa pa fazê, mais se fô alguma coisa urgenti, dai eu paro a televisão e vô fazê – Tem
uma pessoa do seu convívio que você considera muito inteligente? – Muito inteligenti, hum,
podi sê professora – Qualquer pessoa do seu convívio? – a Giselle, professora di História,
ela é inteligenti – Qual é a pessoa mais importante na sua vida hoje? – Ah meu pai e minha
mãe – De sábado até hoje, quais as pessoas com quem você mais conversou? – Di sábado
ah meu irmão mais conversei – Vou falar o nome de algumas entidades e você me diz se são
importantes, muito importantes ou sem importância tá? – Família? – Muito importanti –
Igreja? – Importanti – Trabalho? – Importanti – Escola? – Importanti – Amigos? – É
importanti também– Televisão? – Mais ou menos – Leitura? – É importanti – Você lê
Bruno? – Oi – Você costuma ler? – Ah, di veiz im quando, hum, leio livro quando é pra fazê
trabalho – Quando a escola pede? – Aham – Mas você gosta de ler? – Não – Se você
viajasse hoje, pra onde você iria e quem você levaria com você? – Se eu viajasse hoji Acho
qui iria pra São Paulo (ininteligível) eu iria coa minha família, meu irmão, minha mãe,
minha irmã – Por que você escolheu essas pessoas? – São importanti né, passá o dia, passá
essa, essa viagi cum eles – Você pretende fazer faculdade? – Por enquanto eu num penso,
mais é muito bom - O seu pai trabalha no sítio? – Ah ele, ele trabalha como é, puxa aluno da
iscola i trabalha di pedrero também – Então ele não faz trabalho lá no sítio? – Não, no sítio
não – Mas você faz? – Uhum, meu tio, ele cuida di tudo lá, é sítio, o sítio é do meu vô –
Esse seu tio estudou? – Ele é técnico di agricultor, agropecuário - E a sua mãe faz o que? –
Ela cuida di casa, ajuda só nas casa, ajuda minha vó ela já tá meio di idadi, as duas vó a
mãe dela e a ota tamém – Seus pais têm estudo? – O meu pai feiz o o, meu pai terminô até o
tercero mais ele feiz o, o, esquici a palavra... – Supletivo, Cebeja? – É, minha mãe tem até a
sétima série eu acho, ela num terminô – Os dois sabem ler e escrever? – Sabi – Eles
costumam ler? – Meu pai às veiz, mai num lê muito não – Quando você era pequeno, sua
mãe lia alguma coisa pra você ou contava historinhas? – Não fazia isso não – O seu avô é
analfabeto? – Não, ele sabi, sabi sim iscrevê, sabi lê, dum lado do paterno ele sabe mais,
daí a do materno, meu vô já morreu i minha vó já é meia analfabeta – Como você se
relaciona com os seus professores? – Ah mais ou menos, porque vergonha um poco di falá
errado, mais tudo di uma forma boa – Você pode ler em voz alta esse pequeno trecho aqui?
–Tenho pois aqui a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e unha razões de
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simpátia e convivência longa trouxeram essas amizade qui fazia a felicidade das famílias e
admiração de toda a genti uma chamava-se Júlia e a ota Tereza essa esta tinha cabelos
loiros e era clara tinha aquela tinha-os castanhos tinha os castanhos e era morena eram
essas as diferenças no mais igualmenti belas e igualmente vestidas. As duas era melhores
amigas e tinha aparência tipo igual, andavam igual, é é uma si ispelhava na otra - Você
pode me falar alguma coisa sobre essa figura? – Alegria, alegria a praia, divertino, lembra
família – E essa? – Sala, os aluno respondê talvez um, uma coisa no quadro e eles tão
prestano atenção, tentano aprendê né – E aqui? – Dois Deus, eu acho, círculos, estrela,
como são importanti – Agora leia esse aqui em voz alta, por favor? – o policial de cento e
noventa do cento e noventa atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro por favor
socorro mandem alguém urgenti entrou um bicho terrível aqui em casa o policial estranha
o pedido de o pedido e pergunta Bicho perigoso, um animal selvagem, um cão Pitbull Não
um gato, mais como assim um gato em casa Um gato pô ele invadiu minha casa e está
caminhando em minha direção socoooooro! Mais isso é ridículo passando trote para pra
polícia identifiqui-se já quem está falando aí É o papagaio umbecil! – Pode me falar o que
você leu aí? – O policial né tava, tava lá di boa pa atendê o telefonema, aí chegô essi
telefonema tipo uma pessoa fazeno uma gracinha daí daí ele foi perguntano, tentando
descubri o cara já foi falá, aí ele pensou já qui era um troti, acho qui isso – Se pudesse, o
que você falaria para todos os jovens? – Ah, pá fica di boa só - Muito obrigada.
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INF16 - Quinze ano, tô no primero né - Onde você nasceu? – Londrina - E você sempre
morou por aqui? – Sim, eu moro ali atráis do campo - Toda sua família mora por aqui? –
Sim - Você trabalha? – Não - Costuma ir pra Londrina? – Sim - Em que ocasião você vai pra
lá? – Ah no caso qui eu faço curso da guarda mirim, di segunda, terça e quinta eu vô - O
que você mais gosta de fazer? – Sei lá, o que toda genti faiz, assistí tevê, mexê na interneti,
essas coisa - Você tem computador em casa? – Não - Onde você costuma mexer na
internet? – Pego o celular, ou quando eu vô na casa di algum amigo qui tem computador ai
eu mexo - Você sempre estudou aqui? – Não, esse é meu primero ano aqui, istudava lá no
Irerê – E como foi essa mudança pra cá? – Ah, no começo foi ruim, mais agora já mi
acostumei já, foi normal, foi bem - Você chegou a vir na festa do milho? – Não, nunca vim –
Já correu risco de vida? – Não - Já ficou doente? – Já, mais nada tão grave assim - Chegou
a ficar no hospital? – Internado não, só ia lá tomava alguma coisa e vinha embora - Aqui
tem um hospital? – Tem - Qual a importância da igreja na sua vida? – Ah, sô batizado, sô
tudo, mais na igreja eu num vô não - E importância do trabalho? – Ah é bom né, tê seu
próprio dinhero essas coisa, adquiri experiência – E a escola? – Iscola é praticamentei tudo
né, qui, é, sem istudo cê né nada - E a família? – Hum, é o principal, é o tudo né, pessoas
que cuidam di você e ti cuida deisde criança - Você tem irmãos? – Tenho uma irmã, mais
velha, é oito anos mais velha qui eu, casada – Você assiste à televisão? – Sim, direto - Que
a importância você daria para a televisão? – Ah você fica informado das coisas qui tá
acontecendo no mundo, no Brasil - Qual é a pessoa com a qual você mais conversa? – Vixi,
cos meus amigos - Se você fosse contar conta um segredo, pra quem contaria? – Hum,
minha mãe, meu pai i alguns amigos - Há alguma pessoa que você considera como um
modelo? – Não - Se você ganhasse um prêmio hoje, com quem dividiria? – Com meus pais Há uma pessoa com as quais você convive que considera muito inteligente? – Tem, ah meus
amigos di classe mesmo Aline, Isabela, Thalita a Cintia são pessoas inteligentis - Qual é a
pessoa mais importante pra você? – Ah, minha mãe - De sábado até hoje, quais são as
pessoas com quem mais conversou? – Meu pai, minha mãe, minha irmã, meu cunhado, o
Isaac, o Uelito, a Aline, Renan, a Isabela, a mãe da Isabela, o pai da Isabela essas pessoas
– Por que você conversou com o pai da Isabela e a mãe da Isabela? – É porque eu direto eu
vô lá no mercado, onde eles trabalham, daí eu converso com eles - Vou falar algumas
entidades e você me fala se são importantes, muito importantes ou não têm importância tá.
Família? - Muito importanti – Igreja? - Importanti – Trabalho? - Importanti – Escola? –
Importanti – Amigos? - Importanti – Televisão? - Mais ou meno – Leitura? - Importanti –
Você costuma ler? – Não, mais lê é bom né, mais eu não leio não - Nem na internet assim?
– Bem difícil - Se você fosse viajar hoje pra onde iria, quem levaria e por quê? – Aqui no
Brasil mesmo ou pra fora Estados Unidos, ah acho qui minha família e meus amigos né,
são as pessoas qui istudam comigo, pessoas qui levaria - Qual é a profissão dos seus pais? –
Minha mãe é diarista e meu pai é pedrero - A sua mãe trabalha aqui ou em Londrina? – Lá
em Londrina - Seus pais sabem ler? – Sabi, os dois - Até que ano eles estudaram? – Acho
qui foi até a oitava - Os seus pais leem? – Minha mãe gosta – E quando você era pequeno,
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ela lia histórias para você? – Lia, bastanti. Até hoji às veiz ela qué lê - O seu pai é
autônomo? – É por conta própria - Como você se relaciona com seus professores? - Bem –
Você acha que alguma pessoa te influencia de alguma maneira? – Meus pais – Você
pretende fazer faculdade Qual curso? – Engenharia - Tem algum momento que você se
preocupa em falar mais corretamente? – Ah, muitos, tipo uma intrevista di trabalho ué,
agora, falando com amigo é normal - E tem alguma pessoa que te faz se preocupar mais
com a fala? – Não - Você sabe falar português? – Sei – Por quê? – Ah, é a língua di, do
Brasil né - Muito bem. Você acha que a língua que você fala é diferente da língua que
aprende na escola? – Não - O que é falar certo pra você? – Não sei - Eu vou falar duas
frases e você fala qual você acha mais bonita, tá ‘Nós trabalhamos hoje com bolsões de
couro’ ‘Nóis trabaia hoje com borsão de couro’. Qual é mais bonita? – A primera - Por quê?
– Ah porque tá do jeito certo né, o jeito di falá comum - As pessoas do seu convívio falam
mais como a primeira ou como a segunda forma? – Na segunda - O que você pensa das
pessoas que falam como na primeira forma? – Ah uma pessoa inteligenti, que gosta di falá
certo - E na segunda? – Ah uma pessoa normal, é divertida, baguncera fala errado só por
falá mesmo – E quem fala da segunda forma por que não aprendeu, não teve escola? – Ah,
daí já não podi julgá né, é si a pessoa num aprendeu, tem genti qui demora mais pra
aprendê, num sei – Você fala gíria? – Muito - Tem algum momento qui você se preocupa
em não falar? – Não – Por favor, leia em voz alta esse pequeno trecho aqui depois no final
você me conta o que você leu. pode ser? – Aham. Tenho pois aqui a história de duas
mulheres amigas e unidas como carne e unha razões de simpatia e de convivência longa
trouxeram essa amizade qui fazia a felicidade das famílias a admiração de toda a genti uma
chamava-se Júlia e a outra Tereza esta tinha cabelos louros era clara aquela tinha tinha-as
castanhos era morena. Ah, sobre duas amigas qui traziam felicidadis as famílias, qui eram
bem admiradas, qui eram bastanti amigas – Agora, você lê esse e depois você me conta o
que você leu? – O policial do um nove zero atendeu o telefone foi anotando o pedido de
socorro por favor socorro mande alguém urgenti entrou um bicho terrível aqui em casa o
policial estranha o pedido e pergunta: bicho perigoso, um animal selgavem, um cão pitbull
não um gato! mais como assim um gato em casa, um gato pô ele invadiu minha casa e está
caminhando em minha direção socorro, mais isso é ridículo passando trote pra polícia
identifiqui-se já quem está falando aí Aqui é o papagaio, imbecil! - Sobre um papagaio ligô
pra polícia falando sobre o gato qui o gato na verdadi tenta comê o papagaio né, ai ele liga
pra polícia pedindo socorro só qui é uma coisa bem idiota qui fala né – Eu vou mostrar três
imagens e vou pedir para você descrevê-las. Essa? – Ah pessoas istudando, ah felicidadi né
vendo o povo querendo aprendê i tudo - Agora é essa aqui? – Sobre religião, igreja, é bom –
E, por fim essa daqui? – Estão na praia, bom tirando um lazer si divertindo é bom ter - Tem
algum dia que foi o dia mais feliz da sua vida? – Vixi, eu acho qui não - Um dia muito
triste? – ah, o dia qui meu pai foi internado, ele tava jogano bola daí o cara bateu a falta,
ele defendeu, a bola espirrô, ele foi pegá a bola, o cara deu uma joelhada na cabeça dele,
ai ele perdeu a memória por treis dias, ele num sabia quem era, ondi ele tava, quem qui era
a família dele, num sabia nada é isso, ele jogava, agora ele parô - Por causa disso? – É - Se
você pudesse falar alguma coisa para todos os jovens, o que falaria? – Dedicá nos istudos
né, todo mundo amá os pais, as família, isso – Muito obrigada.
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INF17 – Eu tenho quinze anos, estou no primero ano – E onde você nasceu? – Nasci im
Londrina mesmo – E você sempre morou por aqui? – Sempre – E você mora aqui mesmo no
Paiquerê? – Aham, morei aqui e no Japão, fiquei uma veiz di treis anos e a otra eu fiquei
dois ano – Com quantos anos você foi? – Fui cum treis e voltei cum seis, depois eu fui cum
nove e voltei cum onze – Você trabalha? – Não – E sua família toda mora por aqui? – Uhum
– E você costuma ir para Londrina? – Ah, às vezes quando eu vô dá uma passiada, as veiz
quando precisa í mesmo – E o que você mais gosta de fazer? – Ah, conversá bastanti e saí
com os amigo – Você sai bastante? – Saio – Você tem namorada? – No momento não - Você
fala japonês? – Ah, bem poco, poco mesmo porque lá eu istudei im iscola brasilera – Você
sabe alguma coisa sobre a história do Paiquerê? – Não – Quando tinha festa do milho, você
costumava vir? – Aham – O que achava da festa? – Ah festa muito boa assim né, vinha
bastanti pessoas legal – Você sabe por que parou de ter? – Não, eu sei um poco assim por
base – Você já correu perigo de vida? – Hum, não, acho qui não – Já ficou doente? – Ai, eu
já uma veiz (inaudível), eu peguei gripi suína, aí eu tive qui ficá uns dia im obiservação –
Qual a importância da igreja na sua vida? – Ah, bem importanti né, a genti fica assim dianti
di Deus né, im primero lugar – E você costuma frequentar? – Ah, não vô dizê qui vô toda
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semana, mais eu costumo í, sim – Qual é a importância da escola na sua vida? – A iscola é
essencial tamém né, qui hoje em dia próprio colégio tem qui, tem qui tê um colégio assim,
pra sê alguém na vida, arrumá um bom emprego – Você já reprovou algum ano? – Ah, eu
reprovei a sexta – O fato de ter ido para o Japão atrapalhou o seu estudo? – Atrapalhou
muito, porque quando eu cheguei lá eu tive qui fazê um negócio lá ei eu parei di estudá aí
eu aí depois voltei e foi difícil di acompanhá – Qual é a importância do trabalho na sua
vida? – Ah trabalhá, ah, é bom né porque aí você passa a dependê di você mesmo, tê seus
próprios dinhero, não dependi nada dos seus pais, podi comprá alguma coisa, num precisa
pedi pra eles, podi ajudá o pai e a mãe tamém se quizé, ah, é bom – E qual a importância da
família? – Ah a família é bem importanti pa, bem, ah muito importanti por, chega umas
hora difícil assim tá cum a família é muito bom – Você assiste à televisão? – Uhum – O que
costuma assistir? – Ah eu assisto jornal é, é negócio di esporti, música essas coisa di jovem
– E qual a importância da televisão na sua vida? – Ai, é bom tamém porque passa bastanti
notícias assim aí a pessoa assisti, fica bem informado – Qual é a pessoa com a qual você
mais conversa sempre? – Quem eu sempre converso Co meu pai – Se fosse contar um
segredo hoje, para quem contaria? – Meu pai – Tem alguma pessoa em quem você se
espelhe? – Ah, eu num, num, acho qui meu pai – E se você ganhasse um prêmio hoje com
quem dividira? – Ca família – Você tem irmãos? – Não, só eu – Essa família seria pai e
mãe, então? – Ah mãe o vô e a vó – Tem alguma pessoa com a qual você se relaciona que
você acha muito inteligenti? – Tem, tem uma amiga minha na sala di aula, ah ela, vixi, ela é
uma pessoa muito, muito legal assim, ela sabi, ela intendi o assunto, o qui você fala i meu
pai tamém é – Quais são as pessoas mais importantes para você hoje? – Ah família
(inaudível) – De sábado até hoje, quais foram as pessoas com quem você mais conversou? –
Ah, tem bastanti heim, ah pessoas aqui da sala mesmo, os amigo, pai e mãe, amigo, vizinho
– Eu vou falar algumas entidades e quero que você fale se são importantes, muito
importantes ou sem importância. Família? – Muito importanti – Igreja? – Importanti –
Trabalho? – Importanti – Escola? – Importanti – Amigos? – Importanti – Televisão? – Ah,
importanti – Leitura? – Muito importanti – E você costuma ler? – Ah, num sô muito
chegado a lê livro não, mais eu leio, tipo notícia assim poco assim di, na interneti, às veiz
tem uma notícia, um vídeo assim tamém eu vejo – Você pensou já em fazer uma faculdade?
– Já – E qual curso? – Engenhero Mecânico – Por quê? – Meu pai ele é, meu pai e meu vó
eles são mecânicos tamém – E sua mãe, o que ela faz? – Acho qui ela é auxiliar di limpeza
– E ela trabalha em Londrina ou aqui? – Trabalha im Londrina – Seus pais têm estudo? –
Minha mãe tem o ensino médio completo e meu pai acho eu nem sei – Seu pai sabe ler? – Ah
sabi, sabi lê – E quando você era pequeno, liam historinhas para você? – A minha mãe,
minha vó tamém lia pra mim – O seu pai tem uma oficina ou é funcionário? – Não, ele tem
oficina – Aqui no Paiquerê? – É, agora ele mudô pra cá – Como você se relaciona com seus
professores? – Ah, bom cum esses professores aqui desses blocos qui tem aí nóis fomos bem,
agora alguns dos blocos passados, num fui muito bem, não – Você é muito bagunceiro? –
Tipo, ah eu não só aquele aluno ruim, péssimo, assim muito baguncero, mais eu converso
um poco assim i qui chega atrapalhá um poco a aula – E mesmo tendo conciência disso,
você faz? – Não, chega um ponto qui não né, num dá mais – E qual a matéria que você tem
a nota mais alta? – Eu acho qui educação física – Você acha que alguém te influência de
alguma maneira? – Aham, bastanti – Quem? – Ah, os amigos mais próximos e primo meu
qui eu tenho aqui tamém qui são – Em que sentido seria essa influência? – Ah, não é aquela
influência má assim qui, qui é muito ruim assim, mais as veiz fazeno umas coisas qui não é
certa, aí as veiz vai pela cabeça né – Tem algum momento em que você costuma falar
caprichadamente? – Tem, sim, mais ou menos tipo agora, nesse momento, numa intrevista –
E tem uma pessoa que, quando está perto, você se preocupa em falar caprichadamente? –
Não – Você sabe falar português? – Sei – Por quê? – Ah, porque eu nasci num país, Brasil
né, qui fala portuguêis – Você acha que a língua que você fala é diferente da língua que
aprende na escola? – É bem diferenti – Por quê? – É porque na rua as pessoas mais
chegadas, entre amigos assim, num fala certo, fala mais na gíria né qui fala – E o que seria
falar certo para você? – Ah, (inaudível) falá a palavra certo né – Eu vou ler duas expressões
e você me diz qual é mais bonita e qual é mais feia tá? - Tá – A primeira é ‘nós trabalhamos
hoje com bolsões de couro’ e a segunda é ‘nóis trabaia hoje com borsão de coro’? – A
primera é melhor né – Por quê? – Ah, porque a primera o jeito qui a pessoa fala mais certo,
a ota não – E o que você pensa de pessoas que falam como a segunda forma? – Ah, nada
contra, mais deveria falar mais correto né – As pessoas com as quais você se relaciona
falam mais como a primeira ou como a segunda forma? – Tipo num chega a falá igual a
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segunda né, mais fala errado, num fala qui nem a primera tamém não – Você fala gíria? –
Eu falo – E tem algum momento em que você se preocupa em não falar? – Ah, mais com a
família porque num dá, só cus amigos qui intendi assim tamém – Você pode ler isso pra
mim e depois dar uma resumida? – Tenho, pois aqui a história de duas mulheres amigas e
unidas como carne e unha, razões de simpatia e de convivência logo trouxeram essa
amizade, e fazia a felicidade das famílias e a admiração de toda a genti, uma chama-se
Júlia e a outra Teresa esta tinha cabelos louros e era clara, aquela tinha olhos castanhos e
era morena – O que você leu aqui? – Ah, qui tinha duas amigas qui eram bem próximas e
uma era morena e a otra era loira – Vou te mostrar algumas imagens e você vai me dizer o
qui você está vendo. Essa? – Vejo, ah num sei explicá, o qui é na missa – E aqui, o que você
vê? – Ah vejo alunos aprendeno na iscola – E, por fim, essa? – Ah, uns amigos jogando,
brincando na praia - Agora eu vou pedir para você ler aqui para mim e também resumir no
final? – o policial do um nove zero atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro,
por favor socorro mande alguém urgenti entrou um bicho terrível aqui em casa, o policial
estranha o pedido e pergunta, bicho perigoso, animal selvagem, um cão pitbull Não um
gato! Mais como assim um gato em casa Um gato pô! Ele invadiu minha casa em está
caminhando em minha direção, socorrrro! Mais isso é ridículo passando trote pra polícia,
identifiqui-se já, quem está falando aí Aqui é o papagaio ímbecil! – O que leu? – Ah qui ah
uma pessoa estava passando um troti e falô qui era um papagaio, eu acho. Uma, ah, tipo,
piada Uma, eu não sei dizê, mais acho qui não, é uma piada – Tem um dia que foi o mais
triste em sua vida? – Já – Você pode me contar? – Foi ah, eu num sei o dia específico, há
bastanti tempo mais, foi quando meu vô sofreu um acidenti, aí ele quebrô as duas perna i a
bacia e num pudia andá, ah mais ele já si recuperô já do acidenti, agora ele tá andando –
Houve sequelas? – Teve sequela, ele anda mancano, incha a perna e dói bastanti – E um
dia muito feliz, você já teve? – Foi final de semana agora – Por quê? – Ah, tevi uma festa,
foi aniversário di uma amiga nossa qui teve aqui da sala, i foi muito legal – Se você
pudesse falar algo para todos os jovens, o que falaria? – Ah, qui a cada pessoa seja você
mesmo, não í pela cabeça dos otros porque hoje em dia o mundo tá muito mau, muito ruim
e as pessoas tê um pouco mais di humildadi – Obrigada
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INF18 – Tenho dezesseis anos, tô no segundo – E onde você nasceu? – Londrina, aqui
memo – E você sempre morou aqui no Paiquerê? – Não, morei lá no Guairacá sempre lá, é
lá perto do Tibagi – Você trabalha? – Ah só im casa, por inquanto – E você mora no sítio? –
No sítio – Então você faz serviço do sítio? – É, co meu pai lá – E sua família mora toda no
Guairacá? – Ah tá, tá meio ispaiado lá tipo assim, a minha mãe tem nove irmão daí tem um
pra São Paulo, um pra... tá espaiado, mai a maioria tá por aqui memo – E seus avós Você
tem ainda seus avós? – Tem só o só, num tenho vô, qui é por parti de pai, daí tenho vó por
parti di pai i o oto tem tamém– E eles moram tudo por aqui? – Mora aqui memo – Você
costuma ir para Londrina? – Di veiz im quando – Em que ocasiões? – Dependi, si fô pa pegá
alguma, andá dei veiz im quando co pai ou pegá algum documento assim, mai é raro – O
que você mais gosta de fazer? – Jogá vídio gueime – Competindo com outras pessoas? –
Sozinho mesmo - Você sempre estudou aqui? – Até a quarta série foi no Guairacá, daí da
quinta até agora foi aqui – Lá tem ensino de primeira a quarta? – tem, agora tem di primera
a quinta, fizero o ano passado, mai o resto tem qui sê aqui – Você sabe alguma história aqui
da região? – Ah tem aquelas qui o vô conta pa nóis, di assombração, só tem aquela lá né –
E na festa do milho, já foi e gostava? – Já, ah eu, eu gostava, só qui agora eis tiraro – Você
já esteve em alguma situação em que correu perigo de vida? – Não – Já ficou doente? –
Doenti memo assim doenti di ficá no hospital bastanti tempo não – Há um dia que pode
considerar o mais feliz da sua vida? – Não – E um dia muito triste? – Tristi até agora qui eu
lembro foi o quando o molequi qui morreu, o Renan bateu di moto, esse dia foi bem tristi –
E faz muito tempo? – Faiz, não faiz tempo, morreu o mês passado, é ele bateu numa vaca lá
e morreu di moto – Que triste. Você foi ao enterro? – Não, fui só na no Guairacá qui tevi o
velório i na missa di sétimo dia, mai no interro memo lá num fui – Triste Com qual pessoa
você mais conversa? – Cos amigos da iscola aqui memo – Com seu pai e sua mãe, costuma
conversar? – Ah, di veiz im quando converso – Se fosse contar um segredo hoje, para quem
contaria? – Dependi o segredo, mai, ah pus amigo né, sempre o pai é o último a sabê – Há
uma pessoa em que você se espelhe? – Tem uns qui fala ‘ah num quero sê tal daquele jeito’,
ah i num tem uma pessoa qui assim qui cê fala ‘aquele lá quero sê igual aquele’, num tem –
Como é sua relação com seu pai? – Ah, ele é, tipo assim, ele é bem, ele era bem brabo né,
mai agora ele tá mais calmo, ele assim, pa pai memo assim, ele é legal até, só qui tipo
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assim, pra saí ele é um pai bem o seguinti, num qué nem sabê – Se você ganhasse um
prêmio hoje, com quais pessoas dividiria? – Os familiares – Há algum momento que você
procura em falar mais caprichadamente? – Tem – Qual seria? – Ah quando fala cum alguém
importanti aqui na iscola memo, assim evita falá né, mais fácil – Você acha que alguém te
influência de alguma maneira? – Não – Você sabe falar português? – Ah a genti fala né,
num sabe si fala certinho – Por quê? – Ah, a genti fala as palavra portuguêis né, algumas
certo, mais num fala o portuguêis bem certinho – O português que você fala é diferente
daquele que aprende na escola? – Ah é – Por quê? – Ah porque a genti, tipo assim cos
colega tem uma maneira di falá diferenti né di qui na iscola, já eles já ensina a forma certa
e já costuma fala di otro jeito – O que é falar certo para você? – Ah fala bem calmo, usá as
palavra certa, bem assim na norma culta qui é certo – Eu vou ler duas expressões e quero
que e me diga qual é mais bonita. “Nós trabalhamos hoje com bolsões de couro” ou “Nóis
trabaia hoje com borsão de coro”? – A primera forma é mais bonita – O que você pensa de
pessoas que falam como da primeira forma? – Ah, num penso nada, é o jeito deles falá,
custume, custume – E quem fala como na segunda forma? – Ah mesmo é o jeito deles fala,
nasceu daquele jeito, fala daquele jeito – Hoje, na sua convivência, as pessoas falam mais
como a primeira ou como a segunda forma? – Da primera – Você fala gíria? – Falo – Tem
algum momento em que você se preocupa em não falar gíria? – Tem, quando tá tipo num, co
vô memo assim, eu tento falá certo porque ele é meio… falá bem certo, i ele é senhor, essas
coisa assim – Qual a importância da igreja na sua vida? – Ah igreja é pra mim ,é tudo –
Qual sua religião? – Católica – E qual a importância da escola? – Do aprendizado – E você
já mudou de alguma maneira por causa da escola? – Já, ah di Im casa memo, precisa fazê
alguma coisa assim, talveiz cê usa mais matemática, cê pricisa aprendê alguma coisa ou
podi insina o pai, qui o pai num foi qui nem nóis – E qual a sua relação com a televisão? –
Diária – E você deixa de fazer alguma coisa por causa da televisão? – Ah ah, di veiz im
quando, dexo sim – Tem alguma pessoa que você acha a mais inteligenti? – Não, tudo igual,
às veiz, meu pai memo é mais inteligenti, ixperiência di vida tudo, sabê fala as coisa né –
Qual é a pessoa mais importante na sua vida hoje? – Pai e a mãe – Você tem irmãos? –
Tenho um irmão mais novo, ah briga bastanti, ah genti briga - De sábado até hoje, quais as
pessoas com as quais você mais conversou? – Ah aqui na iscola memo cus colega i cu pai –
Vou falar algumas entidades e você me diz se são importantes, muito importantes ou não
tem importância nenhuma. Família? – Muito importanti – Igreja? – Muito importanti –
Trabalho? – Muito importanti tamém – Escola? – Muito importanti – Os amigos? –
Importanti – Televisão? – Ah é pouco importanti – Leitura? – Ah, importanti, mai num
gosto di lê não – Então você não gosta de ler? – Ah eu num gosto – Se fosse viajar hoje, para
onde você iria e quem levaria? – Ah, eu viajei pra uma praia assim i levava os amigos pra
se diverti – E por que não seus pais? – Ah, pai só ia ficá lá, divertino uma… mai divertino
memo é com os amigo né, ia zuá, aí talveiz o oto ano se vai lá pra praia – Você pretende
fazer faculdade? – Ah, não tenho a idéia meio di certa ainda não – Está pensando ainda? –
Aham – O seu pai trabalha no sítio? – É isso memo – E a sua mãe? – É dona di casa – Mas
ela ajuda também lá no sítio? – Ajuda – Qual a escolaridade dos seus pais? – Acho que foi
até a quarta – E os dois sabem ler? – Sabi, só a bíblia o único livro qui eles lê – Quando
você era criança, eles liam historinhas para você? – Di veiz im quando contava história, mai
num lia muito não, era tipo todo sábado qui a genti reunia a família assim a meia noite aí
eles começa a contá – Como o seu relacionamento com os professores? – Ah, zuo bastanti
cum eles, brinco bastanti, com alguns né, tem alguns qui já é mais, mais quietos – Leia e
resuma? – Tenho, pois aqui a história de duas mulheres amigas e únicas como carne e
unha, razões de simpatia e de convivência longa trouxeram esta amizade qui fazia a
felicidade das famílias e administração de toda a genti uma chamava-se Júlia e a outra
Teresa esta tinha cabelos loiros e era clara, aquela tinha-os castanhos e era morena eram
essas as diferenças, no mais igualmente belas e igualmente vestidas – Resuma? – Di duas
mulheres qui era bem amiga i uma era ela era bem diferenti da otra – O que vê nessa
figura? – Ah, uma praia tinha os amigo jogano bola, jogano vôlei pelo jeito na praia, no Rio
di Janero – Sobre essa daqui? – Uns aluno, o colega deles tava passano exercícios no
quadro, eles tava prestano atenção – Agora essas duas daqui? – Ah, u santo i devi tá na
procissão e essa mercadoria aí não sei (inaudível), a segunda eu num sei bem o qui qui é,
mai devi sê tipo um ajudanti tamém, as pessoa im volta do cara no centro – Ler e resumir?
- O policial do cento e noventa atendeu o telefone e foi anotado o pedido de socorro, por
favor socorro, mande alguém urgenti entrou um bicho terrível aqui em casa, o policial
estranha o pediu e pergunta bicho perigoso, um animal selvagem, um cão pitbull Não um
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gato! Mais como assim um gato em casa Um gato pô! Ele invadiu minha casa e está
caminhando em minha direção, socooooorrro, mais isso é ridículo passando trote pra
polícia, identifiqui-se já quem está falando aí ahahah É o papagaio ímbecil! – Pode
recontar? – Posso, o policial atendeu o telefone daí o cara tava pedino socorro, daí o
policial achô istranho porque era um gato né, o cara cum medo dum gato daí ele achô qui
era o papagaio qui tava falano – E se pudesse falar alguma coisa pros jovens, o que diria? –
Ah, sei lá, qui aproveitassi a vida, num sei, não, professora.
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INF19 – Tenho dezesseis anos, tô no segundo – Você mora em Paiquerê ou no sítio? – No
Sítio, Guairacá - Onde você nasceu? – Tamarana – E por que você veio para cá? – Ah num
sei, porque meu pai quiz – Você mora com seu pai e sua mãe? – I minha vó – Tem irmãos?
– não – Você trabalha? – trabalho im lavora, é junto co meu pai – Onde moram as pessoas
da sua família? – Ah, tem um poco aqui i lá né, mais a metadi mora lá, a maioria mora lá –
Perto de vocês? – sim, mora lá também minha vó i a ota mora no sítio lá – Você costuma ir
para Londrina? – di veiz im quando, máximo uma veiz por mêis, aí quando eu vô no dentista
e tem veiz qui eu vô dá uma passiada – O que você mais gosta de fazer? – Jogá bola – E
você joga em um time? – Não, nói joga, tem um timinho lá qui eu jogo direto - Você
sempre estudou nesse colégio? – Sempre, da quinta série adianti, primera a quarta foi lá –
Lá tem né escola? – lá tem – Chegou a vir na Festa do Milho? – Faiz muito tempo, ah eu
gostava, ah, faiz muito tempo já qui eu vim – Já esteve em uma situação em que correu risco
de vida? – Não – Já ficou doente de ficar internado no hospital? – Não – Tem um dia qui
você considera o dia mais feliz da sua vida? – Ah, ainda num chegô – E um dia triste? –
Quando meu vô morreu – por quê? – Ah porque eu convivia muito com ele, gostava muito
dele sabi – Qual é a pessoa com a qual você mais conversa? – Ca minha mãe – Se fosse
contar um segredo, contaria para quem? – Pra minha mãe – Tem alguma pessoa que você
tem como modelo de vida? – Ah, tem meu tem, meu pai – Por quê? – Ah, porque sim, ele é
muito bom sabi, bom mesmo – Se você ganhasse um prêmio, com quem dividiria? – Co meu
pai – Tem algum momento em que você procura falar mais caprichado? – Tem – Quando? –
ah quando tem bastanti genti, certo números de pessoas – E tem uma pessoa em especial? –
Tem, minha namorada. É, quando tô cum ela eu cuido mais do jeito di falá, é isso, cuido
mais – Você acha que alguém te influência de alguma maneira? – Não – Você pode falar um
pouquinho da sua namorada? – Tipo o que, assim? – Como ela é, como, onde vocês se
conheceram… – Ah, a genti se conheceu lá na vila né, no Guairacá lá, i ela é legal né – Ela
estuda aqui? – Não – Faz tempo? – Um meis, tamo no começo, si conhecendo. Ela é bem
legal, bem bonita – Você sabe falar português? – Mais ou menos – Por quê? – Ah, porque
falo meio, meio é errado – Você acha que a língua que você fala é diferente da língua que
aprende na escola? – A do qui eu falo? – É, você fala português e a disciplina? – Ah, eu acho
um poco, ah porque acho qui portuguêis certo é muito difícil di falá, as professora tem qui
insiná – Eu vou ler duas expressões e você fala qual você acha mais bonita “Nós
trabalhamos hoje com bolsões de couro” ou “Nóis trabaia hoje com borsão de coro”? – A
primera – Por quê? – Ah parece ser a mais correta – O que você pensa de pessoas que
falam como na primeira forma? – Com mais, aprendeu mais assim mais (inaudível) – E
quem fala como na segunda forma? – Ah, um poco mais menos istudado assim – E nas suas
relações, as pessoas falam mais como na primeira ou como na segunda expressão? – Como
na segunda – Por quê? – É, eu acho qui é por causa di sê im sítio – Você fala gíria? – Falo
bastanti – E há algum momento em que você procura em não falar? – Quando tô namorano
– Você tem religião? – Ah, é cristã – Qual é a importância da igreja na sua vida? – Ah, pra
aprendê mais as coisa di Deus assim, fala mais di Deus - Qual a importância da escola na
sua vida? – Ah, eu acho qui pra aprendê mais, pra arrumá imprego tem qui istuda né – Qual
a importância da televisão na sua vida? – Ah, a televisão, eu assisto mais é filme assim mais
num… – Tem alguém do seu convívio que você considera a mais inteligenti? – Acho qui
minha prima – Vocês conversam bastante? – Conversamo – Quem é a pessoa mais
importante para você hoje? – Hoje minha, minha mãe – Por quê? – Ah, porque ela mi ajuda
ela sempre tá do meu lado né – De sábado até hoje, quais foram as pessoas com quem você
mais conversou? – Sábado, cum meus amigos, meu primo, co rapaz qui eu trabalho, e cum
meus pais, ah converso bastanti cum eles tamém – Vou falar algumas entidades e você me
diz se são muito importantes, importantes ou não têm importância. Família? – Importanti –
Igreja? – Importanti tamém – Trabalho? – Importanti – Escola? – Importanti – Amigos? –
Importanti – Televisão? – Mais ou meno – Leitura? – Importanti – Você lê? – Não, eu leio
bem poco – O que você já leu ou o que você costuma ler? – Ah, agora eu tô lendo o livro do
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Dom Casmurro porque foi pedido pela iscola – Todo mundo está lendo né? – É, ah meio
difícil di intendê aquele livro, num tô conseguino intendê muito não, é difícil, a professora
num explico direito acho – Se fosse viajar hoje, para onde iria e quem levaria com você? –
Ondi eu iria Ai tipo pra Paris, ah levaria minha namorada – E o que vocês fariam lá? – Ah
visitaria um monti di lugar né, essas coisa – Você pretende fazer faculdade? – Ah, eu penso
– E já tem um curso em mente? – Ainda não – Seus pais têm estudo? – É, têm, tirô só di
primera a quarta – Eles sabem ler e escrever? – Sabi – Quando você era pequeno, eles liam
para você ou contavam historinhas? – Não – Você tem patrão no sítio? – Não, o sítio é do
meu pai – Como você se relaciona com os professores? – Ah, eu acho qui é bom, bem –
Conversa com algum fora da sala? – Ah, converso mais com o professor Altair e o Vanderlei
– Leia e resuma? – Podi começá Tenho pois aqui a história de duas mulheres amigas e
unidas como carne e unha, razões de simpatia e de convivência longa trouxeram esta
amizade qui fazia a felicidade das famílias e a admiração de toda a genti, uma chamava-se
Júlia e outra Tereza esta tinha cabelos loiros e era crara, aquela tinha-os castanhos e era
morena, eram estas as diferenças no mais igualmente belas e igualmente vestidas – Poderia
resumir o que acabou de ler? – Duas mulheres qui eram muito amigas (inaudível), uma loira
e a otra era cabelo castanho e qui as família gostava muito da amizadi delas – O que vê
nessa figura? – o qui eu vejo, pessoas, homens di santo pareci – Nessa aqui? – Pessoas na
praia jogando futebol – E essa aqui? – Na iscola, o aluno tá resolveno um pobrema, um
pobrema no quadro – Leia esse texto em voz alta, por favor? – O policial do um nove zero
atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro, por favor socorro, mande alguém
urgenti entro um bicho terrível aqui em casa, o policial estranha o pedido e pergunta, bicho
perigoso, um animal selvagem, um cão pitbull Não um gato! Mais como assim um gato em
casa Um gato pô! Ele invadiu minha casa e esta caminhando em minha direção, socorrroo!
Mais isso é ridículo passando trote pra polícia, identifiqui-se já, quem está falando aí O
papagaio! – O que você leu? – O policial pensô qui era uma pessoa qui tava dano troti no
telefone dele, pedino socorro e no fim era o papagaio pedino socorro – Se fosse falar algo
para todos os jovens, o que falaria? – Num sei… pra vivê bem. - Obrigada!
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INF20 – Tenho dezesseis anos, tô no primero grau – Onde você nasceu? – Faxinal – E por
que veio para cá? – Ah meu pai é, tava precisano di serviço daí acho aqui acabo mudano
pra cá, uns treis anos já – Você mora no distrito ou no sítio? – Moro no sítio próximo ao
Irerê, é indo pa Londrina próximo ao Irerê – Toda a sua família mora por aqui? – Não, tem
só uma tia, duas tia e uma prima – E você mora com seus pais? – Moro co meu pai – Tem
irmãos? – Não, sô filho único – E você vai para Londrina de vez em quando? – Vô, vô cá
minha mãe – E em que ocasiões? – Ah mais quando eu preciso fazê arguma coisa lá,
comprá arguma coisa pra mim vô junto cum ela, tipo assim, num curto muito Londrina,
mais uma vez por meis só, mais im casa, na casa dele – Você trabalha? – Ah, no momento tô
ajudano meu pai, ajudo ele no sítio lá, ajudo no negócio di prantação, mais trabaio fixo eu
num tenho – Mas você tem rotina diária de trabalho? – É, às veiz trabaio num lugar, às veiz
no otro, mais é no sítio, prantação, leite lá – Ah tem vaca também? – É, onde nóis mora,
mai tem otra fazenda qui eu tenho qui ajudá ele di vez im quando prantano. É e tem qui
sabê tudo di entregá leiti, isso eu num faço, é meu pai né, eu num quero isso não – O que
você mais gosta de fazer? – Qui eu mais gosto di fazê, ah, é jogá bola final di semana, entre
nóis memo, nói, os amigo, sábado e domingo, nói tem campo, tem no serrinha, perto do
irerê, ali perto da Cocamar, nói joga ali – Você sempre estudou aqui? – Não, aqui é
primero ano meu – Onde você estudava? – Lá no Irerê (inaudível) ali estudei a sexta, um
poco da sexta, sétima, oitava i agora vim pra cá – E você sabe alguma coisa sobre a história
do distrito? – Num sei não – Chegou a ir na Festa do Milho? – Vim o ano retrasado – O que
você achou? – Ah boa, primera vez qui eu vim i peguei, achei bom – Não tem mais? – Não,
o ano passado, esse ano num teve, acho qui ano passado teve, qué dizê – Já correu risco de
vida? – Num sei – Já ficou doente? – Ah, já machuquei um pé uma vez ajudano meu pai, fui,
ingessei a perna mais não foi tão grave não, ah fiquei seti dias sem í pra iscola, uma
semana – Há algum momento em que você fala mais caprichadamente? – Ah vezes eu penso
im falá heim, porque eu falo muito rápido as veiz ninguém intendi mais – Quando? –
Quando tô num lugar com pessoas i dá, tipo assim, mais do qui eu, pessoas adultas, pessoas
bem di vida né, mais entre os amigos assim tá normal – Você tem religião? – É católica –
Você vai sempre à igreja? – Ah, num vô heim, num frequento, mais pretendo frequentá mais
pra frenti – Qual a importância da igreja em sua vida? –Ah, a importância qui eu daria é pa
rezá co a minha família né, rezá por mim uma rotina teria qui tê (inaudível) – E a escola,
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qual a importância? – Ah, é o futuro né, Ah educação um poco tamém, é importanti porque
na dá o qui deve fazê i o qui num deve, aprendi isso – E qual é a importância do trabalho
para você? – Ah importância do trabalho pra mim é qui no final do mêis eu sei qui eu tenho
uma coisa pa recebê, pa comprá uma coisa pra mim é… prifiro tipo trabaiá do que ficá im
casa do qui é uma coisa pra mim fazê, agora ainda mais trabaio ajuda os pais – Qual é a
pessoa com a qual você mais conversa? – Ah, da minha família ou…? – Geral – Qui eu mais
converso .. É meu pai e minha mãe i di amigo eu tenho vários tamém, ondi eu moro aqui
todo dia eu tô cum eles né, seja cedo ou di noiti, sempre eles tá perto di mim – Se fosse
contar um segredo, pra quem contaria? – Pra quem eu contaria Pra minha mãe – Tem
alguma pessoa da sua relação que você considera bastante inteligenti? – Ah, como cê fala,
assim, genti da família ou…? – Geral – qui considero inteligenti … ah, considero colega
meu qui istuda comigo, qui ele vai atrais memo, traiz coisa, considero ele e uma amiga
tamém, os dois – Qual é a pessoa mais importante na sua vida? – Pessoa mais importanti na
minha vida Ah, é minha família né, meu pai, minha mãe, meus avô. É, o resto, meus amigo
mesmo, todo mundo é importanti né – E para seu desenvolvimento profissional, que pessoa
seria? – Importanti Ah, meu pai qui é mais pa isso assim – Eu vou dizer algumas entidades e
você me diz se são muito importantes, importantes ou sem importância. Família? – Muito
importanti – Igreja? – Muito importanti tamém – Trabalho? – Importanti – Escola? – Muito
importanti – Amigos? – Muito importanti tamém – Televisão? – Ah num faiz, é muito
importanti, ah, importanti né – Leitura? – Muito importanti – Você tem o hábito de ler? –
Não tem, num gosto e também sô meio tímido pa lê tamém, iscola assim sô tímido – Se você
fosse viajar hoje, iria para onde e quem levaria com você? – Onde eu iria Ah eu, fossi viajá,
o lugar por aqui memo, ah eu quiria í pa Minas Gerais, vê minha família qui ta lá, eu ia
levá (inaudível) e minha mãe – Então você tem família em Minas Gerais? – É, tem, não é
muita família não, meus primo e uma tia minha i já morei lá (inaudível) tamém era piqueno
ainda – Eu adoro Minas Gerais tem muito rio, muita cachoeira? – É, tem bastanti, morro né,
tem bastanti – Você pretende fazer faculdade? – Ah, eu quero bastanti, eu pretendo, quero
sê agrônomo, ingenhero agrônomo, mexê com ou veterinária – Alguma coisa relacionada? –
É a roça, mai eu quiria mai agrônomo, veterinária é dimais – Você gosta mais do trabalho
com a terra? – É, qui veterinária às vezes não salva o animal, aconteci alguma coisa, a
genti qui é o culpado – O teu pai trabalha na roça né? – É – E a sua mãe? – Minha mãe
tamém trabaia lá na fazenda, só qui ela trabaia di, é doméstica, faxinera, é na sede lá – Os
seus pais têm estudo? – Meu pai parô na quinta, minha mãe parô na segunda – E eles
sabem ler? – Minha mãe não sabi, não. Meu pai sabe (ininteligível) – Quando você era
criança, alguém contava historinhas para você? – Não. Lembro qui mi ajudava né, fazê
tarefa, quando pricisava, tipo tercera série, aí meu pai ajudava eu, é meu pai, porque minha
mãe num sabe iscrevê, mai não sabe lê, qui é é é… teve pobrema e não istudô – Você mora
numa fazenda e tem algum contato com os donos dela? – Sô afilhado deles – E ele mora lá?
– Mora im Londrina – Nóis costuma i lá visitá ele i a mulher dele – Qual é a profissão dele?
– Não, a profissão dele é dono, só olhá as fazenda, a firma dele né i só – E você conversa
com ele? – Converso, converso cum ele, ca mulher dele – Como é o seu relacionamento
com os professores? – Bem – Tem algum que você fala fora da sala de aula? – Sala de aula
não tem, conheci eles agora, esses tempo né – Há alguém em quem se espelhe? – Meu pai,
ah eu mi vejo nele né, é trabaiadô, hum, mi ispelho nele, só qui eu quiria tipo ota coisa na
minha vida né, i trabaiá, mais im oto setor, ajudá ele né – Você sabe falar português? – Ah
um poco eu sei, um poco eu não sei, im palavras mesmo tipo é portuguêis e a genti num
sabe falá mais… – Você acha que a língua que você fala é diferente da língua que ensina-se
na escola? – É – Por quê? – Ah, na iscola a genti respeita né, sabe o qui fala, quando tá cos
amigo fala muita coisa qui vem pela cabeça – Então existe uma forma que fala na escola e
uma…? – É, uma qui fala fora da iscola – O que é falar certo para você? – Falá certo Ah
falá certo é sabê o qui fala né, é chegá pra uma pessoa qualqué coisa, às vezes a pessoa
podi ficá meio assim costrangida com qui cê fala, cê acha qui é falá certo – Eu vou ler duas
expressões e você me fala qual você acha mais bonita? – Aham – ‘Nós trabalhamos hoje
com bolsões de couro’ ou ‘nóis trabaia hoje com borsão de coro’? - A primera – Por quê? –
Ah, porque a segunda é meio, as pessoa da roça qui fala né, pessoas antiga, a primera acho
é mais sofisticada pra falá né, fala mais certo – As pessoas do seu convívio falam mais
como a primeira ou mais como a segunda expressão? – Ah tem uns, tem parenti meu qui fala
como a segunda – E seus pais? – Meus pais falam como a primera, falam certo, mais tem
parenti meu qui fala como a segunda, mais simpres, qui nem meus avós, ah meus avós é do
antigo, eu num, como fala assim, num tô cum eles – Não tem muito convívio? – Não, vejo
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eles as veiz por dois em dois mês eu vejo eles porque eles não moram perto di casa – Você
se preocupa com a sua forma de falar? – Si preocupo quando tô perto di alguém qui fala
certinho, é não fala besteira, não fala nada, daí eu si preocupo im falá né – Por quê? – Ah
porque, qui nem eu falei a ota resposta, ali, tem genti qui, tem coisa qui a genti fala qui a
pessoa num gosta né, num fala pa genti mais pensa na cabeça, a genti deve imaginá isso aí
– Você fala gíria? – Não, ah quando tô com meus colega alguma coisa eu falo né, mais não
so di fala gíria não – Você pode ler esse pequeno trecho em voz alta, por favor? – Tenho
pois aqui a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e unha razões de
simpatia e convivência longa trouxeram esta amizade qui fazia a felicidade das famílias e
admiração de toda a genti, uma chamava-se Júlia e a outra chamava-se Teresa esta tinha
cabelos louros e a outra era clara, aquela tinha-os castanhos e era morena, eram essas as
diferenças no mais igualmente belas e igualmente vestidas – Você pode me contar o que
leu? – Ah é, duas amigas e qui a história, podi sê na vida real tamém qui elas convivia
muito uma cá ota uma na casa da ota tranquila, só, a família di cada uma gostava da
amizadi da ota é isso aí só - Como você descreveria isso? – É um, como é qui fala isso, já é
uma brincadera, amigo entre amizadi, amizadi no Rio di Janero tamém cidadi pra viajá – E
aqui? – A igreja né – Você pode descrever um pouco o que vê? – Ah, vejo cinco seis pessoas
im fila, e na ota imagi vejo um, como fala, um bando di pessoas tudo junto e o oto eu não
sei discrevê muito isso aí – E aqui? – Aí seria qui a professora pediu pro aluno fazê um
exercício e acho qui di matemática, os oto prestano atenção – Agora vou pedir para você ler
este texto aqui pra mim e resumir também tá? – O policial do cento e noventa atendeu o
telefone e foi anotando o pedido de socorro, por favor socorro mande alguém urgenti,
entrou um bicho terrível aqui em casa o policial estranha o pedido e pergunta, bicho
perigoso, um animal selvagem, um cão pitbull Não um gato! Mais como assim um gato em
casa Um gato pô! Ele invadiu minha casa e está caminhando em minha direção, socorro,
mais isso é ridículo passando trote pra polícia Identifiqui-se já, quem está falando É um
papagaio imbecil! – Pode resumir? – Ah entendi qui o papagaio viu o dono dele ligano pa
polícia, como pedindo socorro com o cachorro i o bicho i o gato um rato, igual um
passarinho, o gato entrô lá, ele ligô pa polícia pa ajudá ele – Tem um dia que você
considera o dia mais feliz da sua vida? – Dia doze, do doze, do doze. Ah, fui num parqui di
diversões, no Ody Park di Maringá, meus amigos da iscola, um dia qui si diverti bastanti,
ah era nosso último ano na ota iscola, daí nói juntô um dinhero, foi tudo nóis num ônibus,
arrecadamo o dinhero, si divertimo lá junto – Foi boa a ida? – No ônibus é conversa vai lá
nem vê chegá né, rapidinho – E um dia triste? – Ah uma notícia qui eu recebi – Você pode
falar sobre o assunto? – Hum um professor aqui da iscola, professor Rubens morreu e foi
um dia tristi heim, logo na véspera du meu aniversário recebi a notícia – Você tem vontade
de morar em Londrina? – Não, eu não gosto di cidadi baruieira, carro, essas coisa,
perigoso tamém né, prefiro mais o sítio, mais sussegado – E se fosse falar algo pros jovens,
todos os jovens, o que falaria? – Ah, pra eles Assim, como, num sei agora – Obrigada!
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INF21 – Dezesseti ano, i tercero ano – Você nasceu onde? – Eu nasci im Londrina mesmo –
Faz tempo que você mora aqui? – Faiz deisdi quando eu nasci – Você mora no sítio? –
Moro num sítio mais no caminho di Irerê – Sua família mora toda por aqui? – Mora, i mora
no Irerê – Você vai para Londrina de vez em quando? – Vô – Quando você vai? – Ah,
sempre eu vô, sempre quando tem alguma coisa lá, qui eu trabaiava lá, eu sempre ia – E
para sair, se divertir você costuma ir a Londrina? – Sim, tem veiz sim, tem veiz qui eu vô sim
– O que você mais gosta de fazer? – Ah, eu gosto muito é, diverti, tipo assim, adrenalina,
gosto muito di moto, carro, gosto bastanti, adrenalina – Então você tem uma moto? – Não,
não eu tenho meu irmão tem uma moto eu sempre eu uso a dele meu pai tem um carro eu
sempre uso o carro dele – Você já sabe dirigir? – Sei pilotá e dirigí, sei, mais eu num
arrisco tipo indo pra Londrina, essas coisa não. É, Eu sô di menor – Você sempre estudou
aqui? – Não, istudei no Irerê tamém até a oitava série, aí pra cá eu fiz o primero, segundo e
tercero – E foi ruim essa mudança? – Ah, pa mim num foi muito ruim não porque são duas,
duas, é ligado, tipo assim, Irerê e Paiquerê quasi dois, duas coisa igual, é meu tipo
Paiquerê i Irerê pra mim é normal, antis Paiquerê era pior só qui agora melhorô muito –
Era pior em que sentido? – Ah sentido qui era muita briga muitos (ininteligível) tipo vinha
cara di fora, vinha genti di fora, genti di Guaravera, Irerê sempre arrumava briga por cá,
mai agora tá di boa – Aqui tinha aquela festa do milho né, você costuma vir? – Não, era,
bem, sempre eu quiria vim, mais sempre num dava certo, nunca cheguei vim nem uma
dessas festa – Você sabe alguma coisa sobre a história do distrito? – Não, isso aí num sei,
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sei qui era bem povoado lá porque sempre falaram qui tinha shopping essas coisa, meu pai
fala sempre qui tinha esses negócio, tipo assim, qui saiu di Londrina ou saiu do Irerê e
foram pa Londrina muita genti – Você já esteve em situação de risco de vida? – Ah, um
acidenti só – Você pode falar um pouquinho desse acidente? – Não, acidenti eu tava indo eu
mais um amigo, acho qui fui buscá manga, mais eu era piqueno, aí eu fui, eu tava… i
normal, aí eu num vi qui tava vindo uma moto atráis i eu cruzei na frenti da moto, me pegô
assim lateralmenti – E chegou ir para o hospital? – Cheguei, mais só isso só, nada di grave
– Tem um momento que você procura falar mais caprichado? – Ah, momento, tipo uma
intrevista né, di imprego, mais é tipo assim numa intrevista di imprego pra mim mesmo,
porque não custumo falá tipo assim toda as palavra correta - Tem uma pessoa que você,
quando conversa, procura falar melhor? – Ah, mais é por tipo assim por meninas né, mais
atração né, assim você procura dá uma, uma melhorada – Qual a importância da igreja na
sua vida? – Não, ah, pra mim a igreja, eu não costumo í muito né, mais minha família
sempre vai – E você acha que mudaria alguma coisa na sua vida ir mais à igreja? – Ah eu
mudaria só se fô pra seguí a igreja memo, firme intendeu, qui minha mãe é evangélica – E a
escola, qual é a importância dela na sua vida? – Ah importância pra mim é o aprendizado
né, pra mim conseguí um imprego melhor, uma forma melhor di vida – A televisão é
importante pra você? – Ah, às vezes eu assisto sim, mas o menos, mais a televisão não… –
Você assisti a que tipo de programas? – Assisto muito é Pânico, desenhos tamém, dezesseti
anos, mais mentalidadi di criança ainda – Você trabalha numa fábrica de lonas né? – Isso,
eu trabalhava, fui mandado imbora, agora eu tô disempregado i daí ajudo meu vô no sítio
um poco – E qual é a importância do trabalho na sua vida? – Ah a importância pra mim é
tipo dinhero né, procurá, tipo assim, uma coisa melhor pra mim, tipo investi meu dinhero
na alguma coisa, alguma casa, algum território – Essa fábrica de lonas é aqui? – Era lá im
Londrina – E faz tempo que parou de trabalhar? – Faiz tempinho já, faiz uns, ah faiz um
ano, mais eu tavo trabalhano im otras coisa só qui num, só trabaiano um poquinho e já
parei, mais nessa aí foi firme – Qual é a pessoa com a qual mais conversa? – Ah mais é co
meu irmão, ca minha mãe – E se fosse contar um segredo, para quem contaria? – Pra minha
mãe – Tem uma pessoa das quais você se relaciona que você acha bem inteligente? – Ah,
considero muito é meu irmão – Por quê? – Ah, tipo do jeito dele né, considero ele pa
caramba – Qual é a pessoa mais importante na sua vida hoje? – Meu irmão, minha mãe e
meu pai, ah,mas muito é minha mãe né, sempre ela fala as coisa tipo, qué vê eu uma pessoa
bem, tipo assim bem istudada, sempre procurano imprego melhor assim – De sábado até
hoje, quais foram as pessoas que você mais conversou? – Conversei muito co meus colega
aqui da iscola – Eu vou falar algumas entidades e você me diz se são muito importantes,
importantes ou sem importância, tudo bem. Família? – Importanti – Igreja? – Importanti
tamém – Trabalho? – Muito importanti – Escola? – Muito importanti tamém – Amigos? –
Importanti – Televisão? – Não – Leitura? – Leitura eu acho importanti – Por quê? – Porque
é uma forma di cê si interagi mais intendeu, cê leno ali si, tipo assim um livro, um livro cê
leno você si interagi nele – Você gosta de ler, então? – Não, na verdade não - Se você fosse
viajar hoje, para onde iria? – Ah eu iria em alguma praia com minha família – Seu pai, sua
mãe e seu irmão, você tem um irmão só? – Tenho treis, dois irmão e uma irmã – Você
pretende fazer faculdade? – Não, não pretendo não – Por quê? – Acho qui as condições né,
ah chega a pensá eu cheguei né mais, vai de dinhero né – Qual é a profissão dos seus pais?
– Serviços gerais – Os dois, é, trabalha im Londrina, tipo assim, minha mãe trabalha pa
coisa qui faiz limpeza, tipo assim, im iscola os negócio, meu pai, assim, pa uma firma di
tinta – E você sabe até quando os dois estudaram? – Acho qui meu pai até o tercero e minha
mãe até a quarta – Os dois sabem ler e escrever? – Meu pai i minha mãe sabi iscrevê i lê
tamém – E quando você era pequeno, eles contavam ou liam histórias para você? – Vixi, aí
eu não lembro – Quando você trabalhava nessa fábrica, você tinha um superior? – Tinha
sim, tinha um, como se fala memo o cara qui checava lá, era o irmão do patrão, era o
gerenti, aí sempre ele checava o serviço da genti, se a genti tava fazendo da forma correta –
E como era seu relacionamento com ele? – Normal, conversava tudo di boa – Alguém te
influencia de alguma maneira? – Ah, eu acho qui não – Você fala gíria? – Ah eu acho mais
ou meno, tem veiz qui eu falo sim, tem veiz qui não – Tem algum momento em que se
procupa em não falar gíria? – Ah, tipo no momento di uma vaga di imprego né, procura fala
sempre correto – Você sabe falar português? – Sei, sim – Por quê? – Ah, sei por causo do
método deles insiná né, na iscola, eu acho método certo – Você acha que a língua que você
fala é diferente daquela que aprende na escola? – Eu acho qui não, tem nem uma influencia
– Como é seu relacionamento com os professores? – Normais – O que é falar certo para
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você? – Falá da maneira certa né, a maneira qui se aprendi na iscola – Eu vou ler duas
expressões e você me diz qual é a mais bonita “Nós trabalhamos hoje com bolsões de couro’
ou ‘Nóis trabaia hoje com borsão de coro’? – Pra mim é a primera – Por quê? – Pela forma,
é a forma mais correta, tipo sem muitas, muitos erros, forma mais correta di dizê – As
pessoas que se relacionam com você falam mais como na primeira ou na segunda forma? –
Mais como a segunda forma – Por que você acha que elas falam mais assim? – Porque elas
acham qui eu intendo mais certo né – O que que você pensa das pessoas que falam como na
primeira forma? – Ah eu penso qui são as pessoas qui sabem falá certo né – E as outras? –
Ah, eu acho qui é, tipo, qui num aprendeu a linguagem certa né – Você se preocupa com a
sua forma de falar? – Não, normalmenti não – Ler e resumir? – Tenho, pois aqui, a história
de duas mulheres amigas e unidas como carne e unha, razões de simpatia e de convivênvia
longa trouxeram essa amizade qui fazia as felicidades das famílias, e a admiração de toda a
genti. Uma chamava-se Júlia e a outra Teresa, esta tinha cabelos loiros e era clara, aquela
tinha-os castanho e era morena – Você pode resumir? – É uma amizadi né, uma tinha a cor
di cabelo diferenti da ota, um era claro o oto mais moreno – Por favor, descreva essa
figura? – Tô veno duas acho qui imagens di santos alguma coisa – E nessa? – Ah, forma
tipo sobre qui ele tá aprendeno né, tipo uma forma mais certa – E isso tráz alguma emoção?
– Tipo, uma emoção qui ele tá tentano aprendê né, tá buscano o caminho certo – E aqui? –
ah eu vejo uma diversão entre os amigos né, tipo um bati bola entre amigos, tipo, um
sentimento di alegria né qui eles tá sentino no momento – Ler e resumir? – O policial do
cento e noventa atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro, por favor, socorro
mantém alguém urgenti entro um bicho terrível aqui em casa, o policial estranha o pedido e
pergunta, um bicho perigoso, um animal selvagem, ou um cão pitbull Não um gato! Mais
como assim um gato em sua casa Um gato pô! Ele invadiu minha casa e ele está
caminhando em minha direção, socorrrro. Mais isso é ridículo passano um trote para a
polícia, identifiqui-se já, quem está falano aí Aqui é o papagaio imbecil! Ah, eu vi isso aí
foi, tipo, uma sacanagi qui fizerô, acho qui um troti, porque a polícia tá ali pá fazê seu
serviço i genti tenta atrapalhá, sentido di gozá com a cara
deles né – Qual foi o dia mais feliz de sua vida até hoje? – Não sei – E um dia triste? – Um
dia triste foi quando meus, minha vó, meu tio, morreram né, foi pra mim um dia muito tristi
porque perde treis da família i um dia feliz foi um dia uma conquista qui eu fiz na minha
vida – Você pode falar um pouquinho desta conquista? – Uma conquista tipo um jogo de
futibol, eu não gosto muito di isporti mais sempre jogava, mais sempre achava interessanti
quando si ganhava alguma coisa um troféu, uma medalha – Você realmente não quer fazer
faculdade Por quê? – Ah eu acho por questões sociais tipo questões di dinhero né, ah tipo,
sei lá não tenho muito qui expricá – Acho que deve tentar? – Seria pra mim acho qui um
desafio né – Obrigada!
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INF22 – Tenho dezesseis ano, tô no segundo ano – Onde você nasceu? – No H.U – Você
sempre morou por aqui? – É, sempre – Você trabalha? – Eu trabalho mai é na roça assim,
ajudo na vassora – Isso é uma coisa constante? – Não tem, esse dias pa trai fiquei meio
parado, ajudei meu pai na construção, ele é pedrero, agora tô na roça na, fazendo cerca,
ajudano meu tio – O que você mais gosta de fazer? – Eu Ah, sempre costumo jogá bola
bastanti – E lá tem um campinho né? – É tem no Guairacá, tem ali no pasto lá, nói joga
tamém – Você sempre estudou aqui nesse colégio? – É eu estudei até a quarta série no
Guairacá qui tem um coléginho lá, depoi da quinta eu vim pra cá – Você sabe alguma coisa
aqui da história do Paiquerê? – Ah, eu sei qui essa iscola já foi pegado fogo, o qui eu sei –
Que horror! E tinha uma festa do milho aqui né? – Tinha – Você chegou a vir? – Aham, já
vim – Você gostava? – Aham, era bom – Sabe por que esse ano acabou? – Não – Você já
correu risco de vida? – Não – Já esteve no hospital doente? – Ah, teve um uma vez qui eu
ingasguei co ispinho di pexe, só qui daí passô a noiti eu não consegui dormi, daí depois no
oto dia cedo eu, daí meu pai levô eu lá mais já não tava mais, num tava mi incomodano, daí
só deu uma revisada lá não tinha mais nada – Qual foi o dia mais feliz da sua vida? – Mais
feliz, dexo vê, num lembro não – E um dia triste? – Vixi, meu vô morreu – Por quê? – Ah
ninguém isperava né, a minha vó ainda mai doenti do qui ele, daí ele acabô faleceno
primero – Qual é a pessoa com a qual você mais conversa? – Ah, o Bruno memo, sempre ele
tá do lado – Vocês tem uma relação boa? – Uhum – São amigos? – Sim – Se você fosse
contar hoje um segredo, contaria para quem? – Pra ele – Tem alguma pessoa em que você
se espelhe? – Não – Se você ganhasse um prêmio hoje, com quem dividiria? – Ah eu ia
ajudá minha irmã terminá a casa dela – Tem algum momento em que você se preocupa em
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falar mais caprichado? – Caprichado – Falar mais, digamos, certo? – Si tivé com alguma
dúvida assim, um poblema – E tem alguma pessoa que quando você conversa com ela se
preocupa em falar certinho? – Mai certinho não, sempre di boa assim – Alguém te
influência de alguma maneira? – Minha mãe, aham,sempre fala pa trabaiá assim – Você
sabe falar português? – Acredito qui sim – Por quê? – Ah, às vezes sai meio enrolado, mais
acho qui sim, sabê sim – Você acha que o português que você fala é diferente do português
que aprende na escola? – Um poco é – Por quê? – O portuguêis ele num, a língua
portuguesa ele já ensina a falá corretamenti, você tá conversano assim, cê já fala assim
num é di qualqué jeito – O que é falar certo falar correto para você? – Num gaguejá assim
pa falá – Eu vou ler duas expressões daí você me fale qual é a mais bonita ‘Nós trabalhamos
hoje com bolsões de couro’ ou ‘nóis trabaia hoje com borsão de coro’ qual é a mais bonita?
– A primera – Por quê? – Tá mai corretamenti – Hoje as pessoas que você convive falam
mais como a primeira ou a segunda expressão? – Segunda – Por que você acha que elas
falam assim? – Ah porque já não, já, a maioria das pessoa já istudô faiz tempo i já num tem
mais essa portuguêis avançado assim – O que você pensa de pessoas que falam como na
segunda forma? – Ah são pessoa normal, tem nada a vê sí fala errado assim, todo mundo
erra – Você fala gíria? – Às veiz – E tem alguma ocasião que você se preocupa em não falar
a gíria? – Em não fala Não – Quando você vai apresentar um seminário, por exemplo, na
sala? – Ah dá muito nervoso assim meio tímido assim é difícil, aí, é fala certinho – Qual é a
importância da igreja na sua vida? – É o ensino di Deus né – Qual é a importância da escola
na sua vida? – O po imprego é melhor – Qual é a importância da televisão na sua vida? –
Televisão mostra muita coisa di ruim tamém né, a importância bom tê, qui tá sempre atento
aos noticiários, qui é muito importanti, di veiz umas novelinha – Já deixou de fazer alguma
coisa por causa da televisão? – Já, me amarro na televisão, pra assisti filme, daí a mãe fala
pra i tratá dus cachorro, ninguém vai, aí daí ela acaba ino – Coitada! Tem uma pessoa do
seu convívio que você acha inteligente? – O meu pai – Por quê? – Ele é inteligenti – Quem é
a pessoa mais importante hoje na sua vida? – Meus pais – Por quê? – Eu num sei explicá
bem assim, mais sem eles vai sê difícil heim – De sábado até hoje, quais foram as pessoas
com quem você mais conversou? – Co meus pais e minha vó, meu tio e o Bruno – Vou falar
algumas entidades e você me diz se são muito importantes, importantes ou sem importância,
tá Família? – Importanti – Igreja? – Importanti – Trabalho? – Importanti – Escola? – Mais
ou meno – Amigos? – Mais ou meno tamém – Televisão? – Não – Leitura? – Importanti –
Você lê? – Eu costumo lê muito não – Você está lendo Dom Casmurro também? – Eu tô –
Está todo mundo lendo? – Aham – E o que está achando? – Ah, tá legal, mais ou meno, li só
um pedaço por inquanto, bem parado – O que leu, está entendendo? – Acho, creio qui sim,
mais ou meno – E se você viajasse hoje, para onde você iria e quem levaria com você? –
Hoje ia pa praia e levava meus pais e minha irmã, tenho muita vontadi, eu já fui uma veiz
co meu tio, muito legal – Você pretende fazer faculdade? – Por inquanto não, num pretendo
não – Por enquanto quer dizer que você pode pensar mais sobre isso? – Posso – Seu pai é
pedreiro E sua mãe? – Dona di casa só – O que você pensa sobre você trabalhar? – Ah,
ganha um dinheirinho, muito bom, depois sai final di semana, num precisa dependê do pai,
um dinherinho pa podê come alguma coisa – E você quando sai, vai aonde? – Vô na
lanchonete – Lá no sítio? – Lá – Você vem pra cá ou não? – Não – E para Londrina? – Pa
Londrina, sim, geralmenti eu vô só co pai di carro – Nunca foi sozinho? – Já fui ca minha
irmã assim di ônibus, mais sozinho eu nunca fui ainda não – E você tem moto junto com
seu irmão? – Tenho – E como é isso? – Ai, tem qui dividi assim ele, vai uma veiz, eu volto –
Os seus pais estudaram, você sabe? –Pareci qui o pai terminô, daí ele feiz cartera, ele tem
cartera di motorista, a mãe eu num sei si ela foi até o sexto ano ou sétima série – E você vê
eles lendo? – A minha mãe lê sempre a bíblia – Quando você era pequeno, ela contava
historinhas para você? – Não – Como é o seu relacionamento com os professores? – Ah
normal é bom, não tem nenhuma é, como qui posso fala, um preconceito cum eles nada –
Ler e resumir? – Tenho pois aqui a história de duas mulheres amigas e unidas como carne e
unha, razões de simpatia e de convivência longa trouxeram estas amizade qui faziam as
felicidades das famílias e a admiração de toda a genti, uma chamava-se Júlia e a ota
Teresa esta tinha cabelos loiros e era crara, aquela tinha-os castanhos e era morena, era
essas as diferenças no mais igualmente belas e igualmente vestidas – Pode falar o que leu?
– Posso, as duas vesti igual, num falô Sempre, eu acho qui uma si inspira na ota, qué sê
igual, tem inveja eu acho – O que você vê aqui? – Parece um mulequi inteligenti aí, um
menino – Por que você acha que ele é inteligente? – Ah tá fazeno uns cálculo – E o que você
vê aqui? – hum, qui coisa, uns home sendo… cabelo grandi, tem barba, vistido pareci –
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Agora essa aqui? – Tão se divertino na praia, jogano bola – Agora você poderia ler esse
texto em voz alta para mim? – o policial do cento e noventa atendeu o telefone e foi
anotando o pedido de socorro, por favor socorro mantém, mandem alguém urgenti entrou
um bicho terrível aqui em casa, o policial estranha o pedido e pergunta bicho perigoso, um
animal selvagem, um cão pitbull Não um gato! Mais como assim um gato em casa Um gato
pô, ele invadiu minha casa e está caminhando em minha direção, socorrrrrro, mais isso é
ridículo passando trote para polícia, identifiqui-se já, quem está falando aí É o papagaio
imbecíl! – Você consegue contá-la para mim? – Contá Pedino socorro é… pareci qui tirano
sarro du policial, deis qui ele tinha visto qui ele faiz i qui… simplesmenti uma pegadinha,
muito mal gosto – Se pudesse falar algo pra todos os jovens, o que falaria? – Num sei, não –
Obrigada!
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INF23 – Tenho dezesseti anos, e to no tercero ano do ensino médio – Quem é essa pessoa
na sua camiseta? – Professor Rubens – Por que você está com ele na sua camiseta? – É qui
pra genti era um professor, mais qui um professor, ele era um amigo pra genti aqui na
iscola, a genti podia conversá cum ele, se tivesse algum problema, ele sempre deixou claro
‘ah, tivé algum problema, mi chama, posso tá na hora da minha aula atividadi, posso tá na
hora do recreio, mais mi chama pra genti conversa’, intão pra genti fazê essa camiseta pra
ele foi um modo di mostrá o carinho qui a genti tinha por ele – Onde você nasceu? – Eu
nasci aqui em Londrina mesmo – Você mora aqui no distrito mesmo? – No distrito –
Sempre morou por aqui? – Sempre, desdi qui eu nasci – A sua família mora aqui? – Intão,
tão é… tem bastanti lugar, tem genti qui mora nos Estados Unidos, a minha madrinha, por
exemplo, qui é irmã da minha mãe, mora nos Istados Unidos, tem genti qui, uma tia qui
mora im Curitiba, tem um tio qui mora im Santa Catarina, tem parti da família qui mora im
Sergipe, intão tem bastanti – E você já visitou essas pessoas em algum desses lugares? – Já
fui pra Sergipe, já fui pra Santa Catarina, fui pra Curitiba, só pros Estados Unidos que
ainda num fui por tê receio di avião – E você costuma ir para Londrina? – Muitas vezes,
todos os dias – Você trabalha lá né? – Uhum, no Shopping Catuaí, é a adiministração do
Shopping – O que você faz? – Eu sô auditor – Trabalha com números? – Bastanti números
– E você conversa com as pessoas ou fica mais na sala? – Não, eu tenho acesso e converso
com todos os lojistas – E você sempre estudou aqui? – Sempre – O que você mais gosta de
fazer? – Qui eu mais gosto di fazê Assisti filme i lê – Você gosta de ler? – Bastanti – Que
tipo de leitura? – Eu gosto di livro di, sobri religião bastanti, até porque eu leio a bíblia
todos os dias né, i gosto bastanti di livro di ficção, história di terror – Você faz parte de
grupo de jovem na igreja? – Intão, eu sô acólito na igreja – A o quê? – Acólito, eu era
coroinha, aí o coroinha depois di uma certa idadi ele vira acólito, é como si fossi um
ministro, na falta di um ministro, tem um acólito, i pela minha vó, tanto pela minha vó como
minha mãe, desdi piquinininho eu ia pra igreja cá minha vó, intão sempre tive essi incentivo
tamém da família – Pensou em ser padre? – hum hum (não) – Você sabe alguma coisa da
história aqui do distrito? – Hum hum (não) – Você costumava a frequentar aquela festa do
milho? – Bastanti, porque tipo, é uma tradição daqui, i bom, tamém qui eu saiba aqui é
agora acabô, mais ah o qui eu sabia aqui, qui era um dos mais produtores né di café, qui
depois da giada qui teve não lembro o ano – Setenta e cinco – é di setenta e cinco deu uma
parada, mais até hoje ainda tinha, esse, esse espaço qui você tem, esse espaço qui tem entre
Paiquerê e Irerê era tudo café, agora faiz um o que, faiz uns dois anos, por aí, foram
cortados os pés de café, pra tê plantação, pra substituição da plantação, mais meu pai ele
sempre coloco barraca também na festa – Você chegou a trabalhar? – Já – E acabou por
falta de incentivo da prefeitura? – Im parti devido a isso, sim, im parti im razão do pessoal
daqui mesmo, porque o ano passado mesmo deu algo, a festa fico com um poco de dívida,
porque por que os qui tavam administrando dero desviada no dinhero – Você já correu
risco de vida? – Já – Pode falar um pouquinho? – Eu tava viajano, tava eu meu pai, meus
dois tios e meu primo, a genti tava indo pra Curitiba pra casa da irmã do meu pai, i tava
cum congestionamento, aí o meu pai olhando pelo retrovisor viu qui o caminhão e a
camioneta tava vindo atrás não ia consegui frea, ai meu pai, duma vez, tirô o carro, o carro
já tava parado, mais di uma vez, ele tirô pro acostamento, o caminhão veio i pegô treis dos
carros qui tava na frenti – Tem algum momento em que você procura falar mais
caprichadamente? – Sim – Quando? – No meu trabalho principalmenti, porque lá a genti
tem comitês né, os comitês di venda, intão lá são várias as, várias filiais, porque a B.R
Malls ela é a segunda maior adiministradora di shopgpin da América latina né, ela, o
sonho dela é ser a maior do mundo i ela ta quasi lá, intão assim, são várias as filiais qui
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vêm para esses comitês di venda, intão a genti tem qui tá bem preparado pra – E tem
alguma pessoa que faz com que você fale mais caprichadamente? – Tem, meus gerentis –
Qual é a importância da igreja na sua vida? – A importância da igreja Bom pra mim qui sô
católico é buscá depois da morti né, a ressureição qui é o qui a genti acredita, intão, pra
isso a genti tem qui segui, não segui tudo qui tá na Biblía à risca, mais segui pelo o menos
parti – E qual é a importância da escola? – A iscola tem importância tudo, porque é com, é a
iscola qui vai, é o primero passo prum grande futuro – E do trabalho? – O trabalho, bom eu
já, bom já é meu segundo trabalho né, já fui menor aprendiz i o trabalho tamém é um passo
pra, pro futuro qui é cum ele qui a genti vai crescê profissionalmenti cum esses primeros
trabalhos né intão – E você foi menor aprendiz pela Epesmel? – Pela Epesmel – Onde
trabalhou? – Trabalhei na Leão Diesel, é a Leão Diesel é assim, eu adorei trabalhar lá, até
eles quiriam renová meu contrato depois qui acabô, só qui acabô num dando certo porque,
ah eu tinha qui continuá fazeno o curso, aí eles não conseguiram entrá num consenso coa
impresa, qui a impresa num quiria qui eu fizesse o curso mais, ficasse trabalhano mais do
qui o normal, é aí, ah, dexo vê, qui era a Alessandra, a Simone tava saino, era a
Alessandra, daí eles num entraro num consenso e acabô num… – Você assiste à televisão? –
Poucas vezes – Qual a importância da televisão na sua vida? – Um pouco pra, as poucas
vezes qui eu assisto televisão é jornal, eu assisto pra tá sabendo di notícias di otros lugares
tamém né – Você faz o que aos sábados? – Trabalho aos sábados - Trabalha até meio-dia ou
trabalha horário normal do shopping? – Não, eu trabalho horário normal do shooping
mesmo na adiministração é – Qual a pessoa com a qual mais conversa? – Minha mãe – E se
você fosse contar um segredo hoje, para quem contaria? – Cum a minha mãe – Tem uma
pessoa com as quais você se relaciona que julgue a mais inteligente? – Mais inteligenti entre
todas qui eu relaciono Acho qui a minha mãe mesmo – E quem é a pessoa mais importante
para você hoje? – É ela, a mãe, por ela eu daria a minha vida, im todos os sentidos – De
sábado até hoje, quais foram as pessoas com as quais mais conversou? – Sábado, foi ela,
uma amiga minha, a Michele, o meu pai e meus avós – Vou falar algumas entidades e você
vai me falar se são muito importantes, importantes ou sem importância. Família? – Muito
importanti – Igreja? – Importanti – Trabalho? – Importanti – Escola? – Muito importanti –
Amigos? – Dependi do amigo importanti, e dependi do amigo, sem importância –
Televisão? – Sem importância – Leitura? – Muito importanti – Se fosse viajar hoje, para
onde iria? – Ó, eu vô falá o meu sonho né, pra Nova Iorqui, é qui eu coloquei num projeto
di vida, um projeto pra minha vida, intão eu tô tentando segui esse projeto qui é mi formá
em ingenharia civil na Federal, o ano qui vem graças a Deus eu tô indo pra lá pra Curitiba
i depois tentá uma bolsa do governo pra fazê um intercâmbio nos Istados Unidos – Qual é a
profissão dos seus pais? – O meu pai ele é mecânico ele tem uma oficina em cima da minha
casa e minha mãe, ela é auxiliar di serviços gerais – Em casa de família ou empresa? –
Não, im casa di família, ela trabalha em condomínio, vamo fala qui ela é uma governanta
dessa casa di família – Qual é a formação dos seus pais? – Hum, o meu pai acho qui foi até
a quarta série, si eu não mi ingano acho qui é isso, i minha mãe terminô – Os dois sabem
ler? – Sim – E eles leem? – Minha mãe lê, sim, principalmenti a Bíblia. Ela gosti di lê pra
genti ouvi – Quando você era pequeno, eles liam histórias para você? – Minha mãe, sempre.
- Você tem um supervisor, um chefe direto? – Eu tenho dois, tinha dois supervisores ,agora
tenho só um supervisor, tem um gerenti – Mas você se relaciona bem com eles? – Com a
minha supervisora não muito, mais agora com o meu gerenti sim – Tem problema com a
sua supervisora? – É porque ela não vê o bem dos funcionários dela, ela só qué o bem dela,
intão eu bato sempre nessa tecla, sempre discuto com ela sobre isso – E seu relacionamento
com os professores aqui? – São ótimos, bastanti tem até uma professora qui pra mim ela é
uma é a minha segunda mãe, qui é a professora Solange – Você acha que alguém influência
você de alguma maneira? – Em partis sim, im partis não, porque, assim, na minha vida
ninguém influencia, não mexa o, é minha vida, é minha, quem tem qui cuidá dela sou eu,
agora, tem sempre aqueles qui vêm, como qui eu posso falá… assim… di uma forma mais
direta, tem os dedão qui vem metê o dedo na ondi não é chamado, aí pode sê qui de uma…
– E seus pais? – Sim, mais eles sempre falam pra mim‘você vê’, pra você vê pra sua vida o
qui fô melhor pra você, isso qui eles sempre falam pra mim – Você sabe falar português? –
Hum, intão, qui eu posso falá… acho qui, mais ou menos - Por quê? – É porque, na verdadi,
o portuguêis ninguém fala ele corretamenti como devi falá né, a genti sempre mistura gírias
no meio, a genti tá falando e mistura gírias, intão na verdadi não é o portuguêis correto O que é falar o correto? – Acho qui falá o portuguêis correto é você conversar como eu
estou conversando com você, é não colocá nem um tipo de gíria no meio e não ficá
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colocano é… como qui posso falá, é não colocá representações di otras palavras, colocá a
palavra certa na conversa i num ficá colocano otros, não falá otros significados, pronto – E
você acha que a língua que você fala é diferente da língua que aprende na escola? – Sim,
porque eu acho qui ali dentro da sala di aula, principalmenti na matéria di portuguêis, ela
sempre puxa nossa orelha, fala alguma coisa errada, ela sempre dá um puxão di orelha,
mais fora, quando a genti tá si relacionando com amigos, a genti num vai falá um
portuguêis correto, a genti sempre vai falá uma gíria, a genti vai falá uma coisa diferente
intão – Há duas for… - é eu posso falá tipo dum, é, eu falo di um jeito qui eles vão intendê,
qui si eu falá, for falá o portuguêis correto, com aquelas palavras imensas mais qui tem um
significadinho bem pequinininho eles num vão intendê tamém – Eu vou ler duas expressões
e você me diz qual é a mais bonita “Nós trabalhamos hoje com bolsões de couro” ou “Nóis
trabaia hoje com borsão de coro” ?– A primeira – Por quê? – Porque ela tá num portuguêis
mais correto, a genti não vai chegá, tipo, a genti num chega numa impresa, numa intrevista
di imprego, por exemplo, como eu faço, eu sô intrevistador, eu intrevisto os auditor tamém
ta lá, intão eu sei, mais assim né, a genti, a pessoa num vai chegá numa sala di intrevista
vai fala assim ‘nóis vai, nóis fomo’ ele vai colocar um portuguêis mais correto – E o que
você pensa de pessoas que falam como na segunda expressão? – Eles é, tipo, a genti podi
falá qui pra eles falta um pouco do istudo, isso pra eles é o qui a família deles passa pra
eles, dentro daquile lugar qui eles vivem eles não tem uma, posso falá qui muitas dessas não
tivero acesso à iscola, à leitura, à escrita – E o qui você me diz de colegas aqui da escola
que falam assim? – Tem, aí eu acho qui existe safadeza, porque eles sabem qui isso não é
correto tamém né, ce vai falá ‘ah nóis vai pra algum lugar’ aí eu acho qui ele tem qui
imprega sim a… colocá a forma i a pessoa no lugar certo tamém ele tem qui… – Você fala
gíria? – Sim – Tem alguma ocasião em que procura não falar gíria? – Tem, no meu trabalho,
no meu trabalho eu falo menos gíria possível até porque eu tô lidando com pessoa, tem vez
qui eu lido com pessoa de outro país intão – Leia e resuma? – Tenho, pois aqui a história de
duas mulheres amigas e unidas como carne e unha, razões de simpatia e de convivência
longa trouxeram esta amizade qui fazia a felicidade das famílias e admiração de toda a
genti, uma chamava-se Júlia e a outra Tereza esta tinha cabelos louros e era clara, aquela
tinha-os castanhos e era morena – Bom aqui eu li qui tem duas amigas, qui uma é clara,
cabelo mais claro, outra é mais morena né, qui são amigas, acho qui elas, é… vamos falar,
qui elas eram amigas pra todas as horas – O que vê nessa figura? – O que eu vejo aí, eu
acho qui essa mulher, bom podi sê, são quadros católicos eu num sei, mais eu acho qui essa
mulher é a virgem Maria né, i esse outro acho qui também a virgem do lado i eu acho qui
esse outro pode ser Jesus, eu não sei – E aqui, o que você vê? – Alunos estudando, bom,
todos prestando atenção qui o garotinho tá escrevendo no quadro, acho qui sentimento,
essa imagi me traiz um sentimento qui alegria também di tá vendo todos ali concentrados
ali né, i isperança – E aqui? – Amigos se divertino na praia, amizadi por tá os treis juntos
ali né, acho qui amizadi – Você pode ler e depois me contar o que leu? – O policial do cento
e noventa atendeu o telefone e foi anotando o pedido de socorro, por favor socorro mandem
alguém urgenti entrou um bicho terrível aqui em casa, o policial estranha o pedido e
pergunta, bicho perigoso, um animal selvagem, um cão pitbull Não um gato, mais como
assim um gato em casa Um gato pô! Ele invadiu minha casa e está caminhando em minha
direção, socorrro, mais isso é ridículo passando trote pra polícia, identifiqui-se já quem
está falando aí Aqui é o papagaio imbecíl! – O que leu? – Acho qui uma pessoa idiota qui
não tem o qui fazê passano um troti, uma coisa sem noção qui poderia, qui, uma coisa a
genti passano um troti uma coisa qui não tá acontecendo, a hora qui acontecê num vão
acreditá – Tem um dia na sua vida que foi o mais triste? – O dia qui a minha vó faleceu, é
assim, ela já tava doenti, muito doenti, ela só ela ficava im casa hospital, casa hospital,
casa hospital, ela tinha problema no coração é já era pra ela tê posto marcapasso, mais ela
num quis, ela ficô cum medo e num quis quando era mais nova, aí agora ela começô a sentí
né, acho qui faiz trêis anos qui ela faleceu i foi um dia assim, porque, bom pra mim eu tive a
sensação qui ela faleceu mais feliz porque ela si dispediu, eu fiquei tristi porque eu num
consegui mi despedi dela né, era uma e meia da manhã, uma meia da manhã né, o médico
ligô na minha casa i quem atendeu foi a minha mãe, aí falô pra quem tivesse qui i lá ia,
porque ela num ia aguentá, i ela morreu logo qui eu entrei no quarto, qui meu pai já tava lá
no quarto, ela já tinha, ela tava morrendo né, aí ela só olhô pra mim com o cantinho do
olho e já – Ah, então ela te viu, não se preocupe? – É eu acho qui sim né, mais ela ainda,
ela deixô um pidido qui ela conversô com a minha mãe ainda antis di falecê, foi a primera
pessoa qui entrô no quarto foi minha mãe, aí ela dexô um pidido qui era pra cuidarmos do
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filho mais novo dela qui é o qui mora im Santa Catarina, hoje ele vive muito bem lá ele, ele
é casado aí como ele tem problema, o problema ele não podi tê filho, aí eles vão adotá
agora e ele num vai, ele vai pegá agora a criança acho qui começo do mês agora ele já
pega a criança –Um gesto muito bonito, e tem o dia mais feliz? – Hum hoje, dexo eu vê,
acho qui o dia qui eu fiquei sabeno qui eu passei na federal, meu maior sonho seno
realizado – Obrigada!
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INF24 – Dezesseti anos – Em que ano você está? – Tô no tercero ano, graças a Deus né –
Onde você nasceu? – Eu nasci ali no Paiquerê mesmo, praticamenti – Então você sempre
morou por aqui? – Uhum – E sempre estudou nesta escola? – Sempre – A sua família mora
toda por aqui? – É, toda ela os parenti mais distanti praticamenti não né, mais a maioria é
aqui – Você tem irmãos? – Não, sô filho único – E você costuma ir para Londrina? – Aham
– Em que ocasiões você costuma ir? – Geralmenti pra trabalhá, fazê curso, mais essas duas
situações – O que você mais gosta de fazer? – Geralmenti, tocá guitarra – Você toca
guitarra? – Aham, eu tento né – Faz tempo que você aprendeu? – Ah, eu comecei a aprendê,
na verdadi eu comecei cum violão, co meu tio, cuns doze anos, só qui não levei muito a
sério, aí eu peguei a guitarra quando eu tinha uns quinze por aí, eu tô, tô veno si eu consigo
pegá alguma coisa – O que você gosta de tocar? – Geralmenti rock, tipo rock mais anos
oitenta, setenta – Que delícia? - Um pouco dos anos sessenta tamém, geralmenti
progressiva – Como assim? – Rock progressiva é tipo uma mistura di rock, jazz e música
clássica, tipo Kansas já ouviu falá – Kansas é o nome do grupo? – É – Você sabe alguma
coisa aqui do patrimônio? – Ah, eu num conheço muito bem a história daqui não – Aqui
havia a festa do milho né? – Aham – Você sabe por que ela parou de acontecer? – Nossa, eu
num faço idéia, até porque eu num participava muito – Por que não? – Ah vários motivos,
qui eu sô uma pessoa naturalmenti casera, não gostava muito di í, eu também, quando
dava, eu ia pra igreja – Você já correu risco de vida? – Corri risco di vida, ah acho qui só
quando eu nasci só, qui eu nasci enforcado sabe, cordão umbilical, é, mais tirano isso, num
tevi muita coisa não – Você já ficou no hospital? – Já – Por quê? – Foi pra fazê uma
cirurgia di, pra retirá as amidalas, tinha uns oito anos por aí – Há algum momento em que
você procura falar mais caprichadamente? – Nunca notei isso não mais, geralmenti as
pessoas falam assim com professores, fica uma coisa natural do ser humano ou não? –
Acho que sim - Eu mi preocupava mais quando eu era, quando eu era menor, quando eu
tava na segunda série qui eu mi preocupava em falá o portuguêis correto toda hora
intendeu – Qual é a importância da igreja na sua vida? – Praticamenti tudo né – Qual sua
religião? – Eu sô evangélico – Você costuma frequentar bastante a igreja? – Ah, todo final di
semana, só não vô nos otros dias também porque eu istudo – Você mudou ou mudaria
alguma coisa na sua vida por causa da igreja? – Intão, eu comecei a frequentá a igreja faiz
relativamenti poco tempo, comecei cum, acho qui é quinze anos qui eu tinha i eu era bem
mais tímido no dia assim intendeu – A igreja te ajudou? – Lá há interação social, antes di í
na igreja eu só ficava im casa – E qual é a importância da escola para você? – Iscola, ah,
sinceramenti, a iscola perdeu certa importância pra mim há bastanti tempo, depois qui eu
percebi qui muito dessi conhecimento não vou utilizá cotidianamenti, intendeu, cabô ficano
meio monótono tê qui aprendê coisas qui eu não, qui não mi interessam, intendeu, só
porque vai caí no vestibular – E você pensa em fazer uma faculdade? – É, passei na
faculdade, na Unopar, lá vô fazê Pisicologia – Bom curso. Você gosta de televisão? – Ah,
eu num ligo muito não, nem tenho tempo, nem muito interesse tamém – E quando assiste, o
que procura assistir? – Ah eu gostava di assisti o Chaves só, apesar di sê repetitivo mais é o
humor ingênuo, gostoso né um humor assim bom. Otros programas nem assisto muito, intão
num posso dá minha opinião, mais eu gostava di Todo mundo odeia o Chris, tamém Eu a
patroa e as crianças, só qui tudo inédito né, tem uns programas qui têm muito, é, qui são
pejorativos, intendeu – Qual a importância do trabalho na sua vida? – Trabalho, ah antis di
trabalhá eu só ficava im casa i tinha muito poca interação social tamém, verdadi, é meio
complicado explicá a importância das coisas intendeu – Com qual pessoa você mais
conversa? - Geralmenti mais coa minha mãe i coa filha do pastor – E se fosse contar um
segredo, para quem você contaria? – Nossa eu num faço a mínima idéia, como eu sô uma
pessoa meio sem noção ia contá esse segredo em alguma letra di música por aí, ia escrevê
uma letra só qui eu tamém ia simbolizá bastanti a letra pra ninguém descobri, ou seja,
ninguém iria ficá sabeno do mesmo jeito – Há alguma pessoa com a qual se relaciona que
você acha muito inteligente? – Inteligenti, a inteligência é bem relativa, existi o, eu andei
vendo qui existem vários tipos di inteligência, mais uma pessoa qui eu admiro pela
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inteligência musical a qual eu convivo é o cara qui toca violão na minha igreja, por
exemplo, a pessoa começa a cantá, ela num precisa nem tê ouvido a música ele já consegue
tocá a música intendeu – Qual é a pessoa mais importante para você? – Isso complicô heim,
é igual eu falei antis, num, é complicado dá importância pras coisas, eu num sei não, sô
uma pessoa muito focada assim, intão eu não consigo enxergá muita importância nas
coisas, principalmenti nas pessoas qui geralmenti têm importância parecida pra mim
intendeu – É assim, pai, mãe, o pastor, os amigos, professores, colegas você coloca todos no
mesmo patamar? – É, eu sei qui não é o certo mais – Não estou te julgando, tá, só querendo
entender? – Aham, entendi, eu acabo fazendo isso, só qui logicamente, apesar da
importância ser parecida, os pais sempre vão ter uma importância maior entendeu – E para
o seu desenvolvimento profissional? – Nossa, no desenvolvimento profissional, tá bom,
como eu quero sê pisicólogo ou músico, intão pisicólogo eu num conheço muita genti, eu só,
aliás eu só conheço umas duas pessoas qui são psicólogas, mesmo assim não fazem parti da
interação diária assim, uma faiz tempo qui eu num vejo mais e o otro é um professor, intão
fica complicado, aí como músico tem um esse cara qui toca violão qui eu falei, apesar di
istilisticamente falano, inventano palavra agora, intão ele, o istilo dele nu bati co meu,
mais tipo adimiro a percepção musical dele, intendeu – De sábado até hoje, quais foram as
pessoas com as quais mais conversou? – As mesmas da otra resposta, filha do pastor e
minha mãe – Eu vou falar umas entidades e você me diz se são muito importantes,
importantes e sem importância. A família? – Muito importanti – Igreja? – Muito importanti
– Trabalho? – Importanti – Escola? – Ah é importanti tamém – Amigos? – Importanti –
Televisão? – Poco importanti – Leitura? – Leitura muito importanti, porque a pessoa qui lê
bem consegue intendê o qui ela lê, num precisa di um professor propriamenti dito a não ser
qui vai lidá cum alguma coisa qui precise, qui envolvi otras partes do corpo, qui aí e
perigoso a pessoa gerá vícios eticétara e acabá danificando o corpo dela, por causa da
falta di feedback qui um professor daria – E você lê? – Gosto, leio tudo, di tudo um poco.
Qual é a profissão dos seus pais? – Meu pai é mecânico i minha mãe é impregada doméstica
im Londrina – E os dois sabem ler e escrever? – Uhum – Você sabe até quando eles
estudaram? – Meu pai feiz supletivo e minha mãe parô na quinta série – E eles costumam
ler? – A minha mãe lê bastanti a bíblia e outros livros religiosos tamém, meu pai não
costuma lê muito não – Quando você era pequeno, eles liam ou contavam histórias para
você? – Lê histórias e contá era uma prática dela, sim, mais meu pai não, até porque
quando eu, quando eu comecei na iscola, eu mesmo lia minhas histórias – Você foi para
Unopar por causa da Epesmel? – Tamém – Você fez o curso na Epesmel? – Aham, eu fiz o
curso na Epesmel, mi incaminharam pra Unopar, eu comecei lá como menor aprendiz, mais
aí venceu o contrato, depois qui venceu ligaram pra mim perguntano se eu quiria trabalhá
na (Inaudível), intão sô efetivo agora – E como é o seu relacionamento com os professores?
– Fora da sala de aula num tem contato, mais eu tamém praticamenti nunca briguei cum
nenhum, tamém eu costumo conversá cum eles sobre a matéria mais dentro da sala mesmo,
eu já incontrei alguns fora aí, mais falei um oi, só isso – Alguma pessoa te influencia de
alguma maneira? – Sem sê musicalmente, não – Você sabe falar português? – Sei – Por quê?
– Ah aprendi vendo meus pais e otras pessoas falarem – A língua que você fala é diferente
da língua que você aprende na escola? – Muito diferente, quando você aprendi a falá você
ouve, você aprendi pelo qui os otros falam i o qui os otros falam podi tá completamenti
cheio di erros, aí você aprendi a falá cum esses erros e acaba achando qui isso é certo
porque você não conhece a norma padrão, eu quando comecei estudá eu falava tudo errado
tamém – E o que fez você mudar? – Quando eu entrei na iscola aí eu tive contato coa regra
padrão, as professoras insinaram como é, como se devia falá, aí eu levei aquilo lá a sério,
comecei a falá daquele jeito – O que é falar certo para você? – Falá certo, primero é
conjugá certo os verbos, tem a concordância verbal lá, eu num sô o cara qui fala melhor
não, mais eu tenho certa noção disso – Eu vou ler duas expressões e você me fala qual acha
mais bonita. ‘Nós trabalhamos hoje com bolsões de couro’ ou ‘nóis trabaia hoje com borsão
de coro’? – A primera – Por quê? – Intão, quando você tem contato com o qui você passa a
considerá certo, o qui você considera errado acaba meio qui dano tiro no ouvido sabe, se
bem qui o qui atrapalha mesmo é uma pessoa falano errado qui você sabe qui tem a
capacidade di falá certo, estudô pra fala certo, por exemplo uma pessoa qui você, eu no
caso né, uma pessoa qui eu sei qui não estudô muito intão, eu num ligo, acho até legal falá
errado, mais uma pessoa qui estudô suficienti pra falá certo... acho melhor num dá um
adjetivo, mais, ah falta, como é qui fala, falta certo interesse da parti dela di aprendê falá
correto – Você se preocupa com a sua forma de falar? – Certa forma sim né, apesar di
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parecê qui eu tô mi contradizendo, mais eu, eu mi preocupava muito mais antis, só qui aí
tem o problema qui eu num gosto muito da minha própria voz entendeu – Sua voz é bonita –
Obrigado, mais sei lá, eu num gosto muito, quando é pra sê muito, quando é pra sê mais
grave, fica aguda, quando é pra sê aguda, fica grave – Você fala gíria? – Di veiz im quando
– Há alguma ocasião em que procura não falar? – Ah uma, tipo assim, ocasião dessa – Você
poderia ler esse pequeno texto? – Lê em voz alta né. Vamu lá né, Tenho, pois, aqui, ah vô
começá di novo qui eu não respeitei a vírgula. Tenho, pois aqui, a história de... é péra aí...
Tenho, pois, aqui, a história di duas mulheres amigas e unidas como carne e unha, razões
de simpatia e di convivência longa trouxeram essa amizade qui fazia a felicidadi das
famílias e adimiração de toda a genti, uma chamava-se Júlia e outra Teresa, esta tinha
cabelos loiros e a outra clara e era clara, aquela tinha-os castanhos e era morena – Você
pode me contar que leu? – É sobre duas amigas, uma era loira muito provavelmenti branca
e a otra era morena, morena digo pessoa qui tem o cabelo preto, i no texto aí está falando,
traz a morena, morena como pele, um adjetivo pra pele, ela pode sê uma mulata i pode sê
negra, tá implícito aí – O que você vê aqui? – Umas crianças brincano numa praia – E o
que você vê aqui? – Aí crianças na iscola, ah dexo eu vê, dá pra notá o desinteresse di
algumas, o interesse di otras i muito provavelmenti alienação aí pra mim – E nessa aqui? –
Parece qui tão meio qui zuando figuras religiosas aí porque o povo aí tá meio gordo, não
qui isso seja defeito, mais como nessa época aí provavelmenti nessa época elas retratavam
as pessoas como magras, como padrões di beleza fazendo elas gordas aí pode sê um, pode
sê um... qual qui é a palavra pra isso mesmo... falá cum gíria mesmo, uma zueira – Você
pode ler mais um texto por favor? – O policial do cento e noventa atendeu o telefone e foi
anotando o pedido de socorro, por favor, socorro mandem alguém urgenti entrou um bicho
terrível aqui em casa, o policial estranha o pedido e pergunta, bicho perigoso, animal
selvagem, um cão pitbull Não um gato! Como assim um gato em casa Um gato pô! Ele
invadiu minha casa e está caminhando em minha direção, socorrrooooo, isso é ridículo
passando troti pra polícia, identifiqui-se já quem ta falando aí Aqui é o papagaio ímbecil! –
Você pode contar o que leu? – Intão, contando em tercera pessoa ou primera mesmo –
Escolha – Intão, em terceira pessoa ia ficá meio sem incentivo, hum vô tentá, num sô muito
engraçado não, mais vamo, tão vai em tercera pessoa mesmo, mistura tercera e a primera,
você percebeu qui enrolo um monti né... tá bom, ligaro pra polícia lá cento i noventa, aí o
policial pegô a caneta i o papel lá pra anotá muito provavelmenti o endereço, aí acho qui a
pessoa começô a gritá socorro, entrô um bicho terrível aqui, socorrroooo sei lá, mais um
bicho terrível qui qui é um cachorro, um animal selvagem sei lá não um gato, mais um gato
isso é ricidulo um gato É um gato, tá mais é um molequi mesmo, tá bom fala aí quem qui
você é, fica passando troti pra policia aí é o papagaio, moço troxa, é meio estranho isso aí,
mais – Tem um dia que você considera o dia mais feliz da sua vida? – Nossa mais feliz,
considerano qui eu sô meio loco e costumo vê o lado negativo das coisas, não – E um dia
muito triste? – Um dia muito tristi, num vô contá tudo não mais, intão foi uma vez qui uma
pessoa, é até porque não vô sê identificado né, tá bom... vô omiti as pessoas involvidas
intão. Uma pessoa brigô comigo por causa da minha personalidadi intendeu, tipo
personalidadi tímida meio cum pouco di complexo di inferioridadi sabe, complicado, aí a
pessoa ficô gritando lá i eu como não sô uma pessoa di ixplosão temperamental intendeu,
só di implosão, se é qui você mi intendi, i eu quando fico muito nervoso fico frustrado e nu
consigo fazê nada, por mais maluco qui seja eu mordo meu braço sabe, é pessoa, tipo eu
tava, tava lá escutando os gritos muito loucos lá, cara rebentando a garganta dele eu lá
mordendo o meu braço quase saindo sangue, aí o cara fala qui num tá nem aí pra minha
infantilidadi, como si isso fossi culpa minha né, aí eu fiquei tão nervoso e mordê o braço
num estava adiantano mais, aí, di repenti, meus membros começaram a formigá i deu meio
qui paralisia parcial dos membros, num conseguia mexê as mãos, nem os pés direito,
inclusive eu saí di lá mancano qui, ai, ai — Isso não está te fazendo muito bem né? — Não
— Então vamos deixar para lá, não precisa falar mais, tá? – Tá bom – Obrigada.
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ANEXOS
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ANEXO A
Figuras utilizadas para descrição na entrevista
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